Eslovênia segue Hungria e ameaça liberdades em meio à pandemia
No poder há menos de 20 dias, o primeiro-ministro esloveno Janez Jansa ataca a imprensa e busca mais poderes durante combate ao coronavírus
Internacional|Da EFE
O novo governo esloveno, comandado pelo conservador Janez Jansa, está se aproveitando da luta contra o coronavírus para sufocar a liberdade de imprensa e a democracia, seguindo o exemplo do primeiro-ministro ultranacionalista da Hungria, Viktor Orbán, advertem ONGs e associações jornalísticas.
"Os ataques têm atingido tamanha intensidade que já representam um perigo para os jornalistas, para os meios de comunicação e para a democracia", alertou a Associação dos Jornalistas da Eslovênia (DNS).
Semelhanças com a Hungria
Spela Stare, secretaria-geral da DNS, explicou à EFE que alguns jornalistas são alvo de ameaças e ataques difamatórios por parte do primeiro-ministro e veículos próximos do Partido Democrata Esloveno (SDS), "financiados generosamente por dinheiro de empresas húngaras."
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Jansa, admirador de Orbán e também membro do Partido Popular Europeu, chegou ao poder no último dia 13 de março por um acordo de coalizão, após a renúncia do governom anterior de centro-esquerda, que já não tinha mais maioria no parlamento para aprovar seus projetos.
Na segunda-feira (30), o primeiro-ministro húngaro conseguiu poderes extraodrinários para governar por decreto sem prazo definido, sob o pretexto de coordenar a luta contra a pandemia da covid-19, algo que gerou críticas de diversos países.
O novo chefe do governo esloveno, que foi preso por corrupção entre 2014 e 2015, tem o mesmo discurso nacionalista e antiimigratório de Orbán, mas sua situação no poder é bem mais precária que a de seu aliado húngaro.
Jansa — apelidado de "príncipe das trevas" por seus adversários — lidera uma frágil coalizão de quatro partidos, que controla 48 dos 90 assentos do Parlamento dessa pequena república de cerca de 2 milhões de habitantes.
Ainda que não tenha declarado estado de emergência por conta do coronavírus, nesta semana o Legislativo vai vorar um projeto para fortalecer as atribuições da polícia para, por exemplo, entrar na casa dos cidadaos sem ordem judicial, com o objetivo de verificar o cumprimento das medidas de confinamento.
O procurador-geral do país disse, na segunda, que acha "difícil justificar a necessidade" dos novos poderes policiais extraordinários que o Executivo está tentando aprovar.
"Desde que subiu ao poder em 13 de março, o governo destituiu os chefes do Exército, da polícia e do serviço de inteligência militar", enquanto o chefe do serviço civil foi praticamente obrigado a pedir demissão, destacou à EFE o jornalista independente Blaz Zgaga.
Ataques contra a imprensa
Seguindo o exemplo de Orbán, Jansa e os veículos controlados pelo SDS lançaram uma campanha de difamação contra jornalistas críticos ao governo, denuncia o repórter.
"Chegaram a nos chamar de terroristas. Parece se tratar de uma tentativa brutal de sufocar todas as vozes críticas e a liberdade de expressão na Eslovênia que, sob esse novo governo aliado de Orbán, está se transformando em uma província húngara", disse ele.
Após simplesmente pedir acesso a informações sobre o "centro de crise" da luta contra o coronavírus, Zgaga se tornou o centro de uma campanha de difamações das autoridades e veículos associados e passou a receber ameaças de morte anônimas.
Uma das primejiras decisões do governo foi suspender a possibilidade de que os jornalistas pudessem fazer perguntas "devido ao perigo de contágio".
De nada serviram os protestos da Associação de Jornalistas, que propôs vídeoconferências e outros modos seguros de organizar entrevistas coletivas. Mas isso foi apenas o começo.
"A agência de notícias eslovena STA e a rede de rádio e televisão pública RTVSlo também têm sido alvos de ataques por parte do atual primeiro-ministro", explicou Stare à EFE.
Jansa atacou os jornalistas da RTVSlo por publicas críticas à sua decisão de aumentar os salários dos ministros.
"Obviamente vocês são exagerados e são muito bem pagos", escreveu Jansa em seu perfil no Twitter, uma crítica que foi apoiada por outros membros de seu grupo.
"Há tantos jornalistas na RTVSlo que eles podiam ir trabalhar como voluntários, 50 para cada asilo de idosos", foi um dos comentários do prefeito a cidade de Radenci, Roman Ljeljak.
A rede de televisão privada Nova24tv apoiou essa "proposta interessante" com fotos de duas jornalistas da RTVSlo, Evgenija Carl e Mojca Pasek Setinc, que Jansa anos atrás chamou de "prostitutas envelhecidas". Ele chegou a ser processado na justiça e obrigado a pagar uma indenização às duas.
Outros jornalistas foram difamados e receberam ameaças de morte nas últimas duas semaans.
Os intermináveis ataques à imprensa causaram diversos protestos contra Jansa durante seus dois mandatos anteriores como primeiro-ministro, de 2004 a 2008 e entre 2012 e 2013.
Organizações internacionais preocupadas
O Instituto Internacional de Imprensa (IPI) já se manigestou "profundamente preocupado pelo que parece ser um ambiente cada vez mais tóxico para os jornalistas da Eslovênia", disse o chefe da entidade na Europa, Oliver Money-Kyrle.
"Diante da emergência sanitária atual, é crucial que os jornalistas tenham condições de trabalhar sem medo para garantir um fluxo livre de informação para o público", alertou.
Em um comunicado, a Repórteres Sem Fronteiras (RSF), apoiada por seis outras organizações, pediu na semana passada que as autoridades eslovenas garantam a segurança de Zgaga e outros jornalistas.
"As autoridades estatais não deveriam usar a crise da covid-19 como pretexto para impedir que os jornalistas cumpram sua função", criticou a RSF.