EUA: Príncipe saudita ordenou assassinato de jornalista
Relatório norte-americano indica que Mohammed bin Salman autorizou operação para 'capturar ou matar' Jamal Khashoggi
Internacional|Do R7, com AFP
Um relatório produzido em conjunto por agências de inteligência dos EUA para o Congresso norte-americano e divulgado nesta sexta-feira (26) indica que o príncipe herdeiro da Arábia Saudita, Mohammed bin Salman, aprovou pessoalmente a operação que terminou com a execução do jornalista Jamaal Khashoggi, em outubro de 2018.
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O então colunista do jornal Washington Post foi sequestrado dentro do consulado saudita em Istambul, na Turquia, e brutalmente assassinado por agentes que obedeciam às ordens de bin Salman, segundo o documento, escrito há dois anos pela Agência de Segurança Nacional, utilizando informações obtidas pela CIA, e que teve o sigilo levantado hoje pelo governo Biden.
A Inteligência americana concluiu que o príncipe "aprovou uma operação em Istambul, Turquia, para capturar ou matar o jornalista saudita Jamal Khashoggi". O príncipe saudita via Khashoggi, um dos principais críticos do regime, como uma "ameaça para o reino", segundo o comunicado.
Após a divulgação do relatório, o governo norte-americano anunciou sanções econômicas a 76 autoridades sauditas.
Conclusões sobre o crime
A Agência de Segurança Nacional baseou suas conclusões no nível de controle que o príncipe herdeiro exerce sobre todos os escalões do governo saudita, o envolvimento de um de seus conselheiros mais próximos e de alguns membros de sua guarda pessoal na operação, além de seu "apoio ao uso de medidas violentas para silenciar dissidentes no exterior, incluindo Khashoggi", diz o documento.
O jornalista, que tinha 59 anos, entrou no consulado em Istambul em 2 de outubro de 2018, para buscar um documento para poder se casar com sua noiva, a turca Hadice Cengiz. Mesmo após ter recebido garantias de que não sofreria nada dentro do prédio, ele foi capturado por uma equipe de agentes sauditas que havia chegado à cidade dias antes.
Ele foi torturado e teria morrido durante o interrogatório, depois teve seu corpo esquartejado e os restos mortais desapareceram. Uma investigação da polícia turca concluiu que o prédio foi limpo com produtos químicos para adulterar possíveis provas.
Tensões diplomáticas
A publicação do relatório ocorreu após uma conversa telefônica entre Biden e o rei Salman, após a Casa Branca indicar que o presidente terá o monarca como interlocutor e não seu herdeiro.
Na conversa, Biden destacou o compromisso de “ajudar a Arábia Saudita a defender seu território contra ataques de grupos aliados do Irã”, mas também reafirmou a importância que seu país atribui aos direitos humanos.
Riade reagiu, afirmando que "rejeita totalmente" o relatório.
"O governo do reino da Arábia Saudita rejeita totalmente a avaliação negativa, falsa e inaceitável do relatório relativo a dirigentes do reino e destaca que contém informação e conclusões inexatas", informou a chancelaria em um comunicado.
Um mês depois do assassinato, a CIA concluiu com grande confiança que o príncipe herdeiro havia ordenado o assassinato, de acordo com o The Washington Post.
No entanto, o então governo de Donald Trump, que estava determinado a manter laços estreitos com Riad, recusou-se a responsabilizar publicamente o líder saudita, apesar de pedir a punição dos responsáveis.
O relatório indica que 15 pessoas foram enviadas à Turquia para a operação contra Khashoggi, incluindo membros da guarda de elite para a proteção do príncipe Mohamed, a brigada de intervenção rápida.
Os Estados Unidos anunciaram nesta sexta-feira sanções contra essa brigada.
Segundo o jornal The Washington Post, a inteligência americana também descobriu rastros de uma chamada do príncipe herdeiro para seu irmão, Khalid bin Salman, embaixador saudita em Washington. Na conversa, Mohamed lhe deu instruções para levar Kashoggi a Istambul.
Uma paródia de justiça
Poucos observadores acreditam que tal assassinato poderia ter ocorrido sem o consentimento do príncipe Mohamed, visto que o governante prendeu vários críticos e facções de sua própria família.
Sob forte pressão dos Estados Unidos e da comunidade internacional, o governo saudita levou alguns dos perpetradores à justiça.
No processo a portas fechadas, dois oficiais de alto escalão considerados os mentores foram exonerados: Qahtani e o então vice-diretor dos serviços de inteligência Ahmad al Asiri. Ambos fazem parte do círculo mais íntimo do príncipe e nesta sexta-feira os Estados Unidos anunciaram sanções contra Asiri.
Cinco pessoas que não foram identificadas foram condenadas à morte e três outras a duras penas de prisão. Mas, nove meses depois, as sentenças de morte foram substituídas por penas de prisão de 20 anos.
A Anistia Internacional e a Repórteres Sem Fronteiras descreveram o processo como uma "paródia de justiça".