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Extrema-direita substitui lideranças por discurso de ódio, diz especialista

Supremacia branca e preconceitos de todos os tipos são traços em comum em tragédias como os tiroteios de Christchurch, Suzano e Pittsburgh

Internacional|Fábio Fleury, do R7

Vítima do tiroteio de Christchurch é carregada em cerimônia de enterro
Vítima do tiroteio de Christchurch é carregada em cerimônia de enterro

A neozelandesa Christchurch, a paulista Suzano e a norte-americana Pittsburgh são cidades que, em um primeiro momento, não teriam muito a ver entre si. Nos últimos meses, no entanto, passaram a fazer parte de uma triste lista: foram palcos de crimes de ódio e enterraram dezenas de seus moradores após graves tiroteios.

Em comum, os atentados da sinagoga Árvore da Vida, em Pittsburgh, das mesquitas Al Noor e Linwood, em Christchurch e da escola Raul Brasil, em Suzano, foram perpetrados por homens, frequentadores de fóruns online que disseminam misoginia, xenofobia, racismo e outros ideais de supremacia branca.

Essa tendência de ascenção da extrema-direita, que tomou conta não apenas da internet, mas da cena política de diversos países ao redor do mundo, reflete problemas na aplicação do regime democrático em diversos níveis e pode resultar em vários tipos de radicalização.

Em entrevista ao R7, o historiador Odilon Caldeira Neto, professor da Universidade Federal de Santa Maria, que estuda os movimentos mais extremistas há anos, explica que a disseminação dos discursos de ódio é um dos principais fatores por trás desse fenômeno.


R7: De que maneira devemos entender a ascensão desses movimentos no contexto atual?

Odilon Caldeira Neto: A ascensão da extrema direita em todo o mundo reflete questões diversas, em cada localidade ela assume uma determinada especificidade. Muitas pesquisas atentam para uma problemática relacionada com um sentimento e categoria de “perdedores da globalização”, mas também é possível citar algumas instâncias de vicissitudes locais, envolvendo, como por exemplo, perspectiva de não-representatividade política de alguns estratos sociais, ou o sentimento de que a democracia liberal tem falhado em algumas instâncias, acarretando inclusive uma espécie de distanciamento da democracia do povo.


Como isso reflete nos processos eleitorais mais recentes?

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Disso, surgem diversas alternativas mais em torno dos chamados “populismos de direita”, que, de modo geral, propõem um caminho de representação alternativo e autoritário, que se apresenta como leitor da “vontade popular”, sem que necessariamente esteja envolvido em um processo político mais tradicional, como partidos políticos consolidados como instrumento de mediação. Além disso, é possível situar outros fatores que fortalecem a articulação de movimentos de extrema direita, inclusive em um sentido que ultrapassa a esfera institucional do campo político, como partidos políticos, movimentos organizados, alguns governantes eleitos, etc.


Que tipo de valores são usados para produzir e disseminar esse discurso? Você vê como algo orgânico ou coordenado?

Essas são formas mais ou menos organizadas de reação contra pautas progressistas, direitos humanos básicos, assim como de movimentos sociais disseminados em diversos níveis da sociedade. Nesse campo diversificado, a misoginia e o racismo são alguns dos fatores centrais. Quanto à questão da coordenação, ela varia em diversos sentidos. Pensando exclusivamente pelas questões de redes sociais, a descentralização é um elemento muito característico. Mas isso não quer dizer que não existe um elemento de articulação, seja por meio da similaridade de valores essenciais (como o direcionamento dos ódios), assim como pautas e reivindicações entre esses grupos, mas também por figuras de liderança e agitadores.

A maneira como esse tipo de movimento se espalha com a internet é diferente de como se espalhava no passado?

Esse caráter relativamente fragmentado e descentralizado é justamente o que garante a grande disseminação de discursos de ódio relacionados à extrema direita, pois toma-se um grande espaço de atuação, diversificado e com diversos autores. Isso é bastante diferente, por exemplo, da extrema direita durante a primeira metade do século XX, que propunha uma forma mais verticalizada, cujo o epicentro era o grande chefe da Nação e do Estado.

A internet é a grande responsável?

É necessário levar em consideração que o “real” não é, de modo algum, uma antítese do virtual, sendo que na verdade eles se complementam. Isso ficou muito claro não apenas nas últimas eleições presidenciais no Brasil, mas também em episódios como Brexit. Dito isso, os valores misóginos, homofóbicos, racistas e de elogio à indústria das armas e de torturadores, é também um combustível vindo dos meios “offline”, inclusive em setores governamentais de diversos países. Assim, online e offline se alimentam mutuamente.

O fato de existirem manifestos repletos desses valores, como o do norueguês Andres Breivik (militante de extrema-direita autor dos atentados de Estocolmo em 2011), sendo distribuídos nesses fóruns, contribui para esse cenário?

Em relação à disseminação desses materiais, é necessário levar em consideração que outras milhares de referenciais racistas, intolerantes e xenófobos são encontrados facilmente em meios virtuais ou não. “Mein Kampf” é um exemplo. Talvez a questão não seja exclusivamente a disseminação ou não desses atos, mas sim a cobertura deles, que muitas vezes contribuiu com uma fetichização dos atos, personagens e seus valores, assim como uma espécie de “glamourização” (ou mitificação) àqueles que partilham de ideias e valores similares.

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