Logo R7.com
Logo do PlayPlus

Ilusionista David Copperfield ‘some’ e deixa para trás uma cobertura em estado lastimável

Apartamento de quatro andares em Nova York foi descrito como uma ‘ameaça à saúde’ pelos vizinhos, cansados de lidar com o problema

Internacional|Michael Wilson, do The New York Times


O Galleria, um edifício no centro de Manhattan cujos moradores processaram o famoso mágico David Copperfield Hiroko Masuike/The New York Times - 13.08.2024

O novo dono do apartamento de cobertura chegou ao imponente edifício Galleria, em Manhattan, praticamente despercebido, como se estivesse em um palco escuro antes de a cortina subir. A notícia logo se espalhou. “Acho que fiquei sabendo pela minha vizinha, que soube pelo zelador”, disse Emma Ruth Yulo-Kitiyakara, de 78 anos, antiga residente do prédio.

Era verdade: David Copperfield estava se mudando. “Se bobear, ele tira vocês do apartamento em um passe de mágica”, brincou alguém.

Veja também

Isso foi em 1997. Anos depois, os moradores estariam cansados – penosamente exaustos, na verdade – de saber da existência do apartamento de quatro andares do famoso mágico, que parece ter deixado de ser uma demonstração de grande riqueza para se transformar primeiro em uma aberração constrangedora, e depois em uma ameaça à saúde, por causa dos vazamentos. E, por fim, segundo os vizinhos, Copperfield executou o truque final: desapareceu.

Uma ação judicial protocolada este mês em Nova York o acusa de ter abandonado a cobertura em um estado “lastimável” e permitido que uma válvula quebrada inundasse apartamentos e áreas comuns nos andares inferiores. Só que não foi a primeira vez.


Os nova-iorquinos estão acostumados a conviver com as celebridades na cidade que consideram sua casa, mas, às vezes, as coisas dão errado. Quando sua vizinha em Tribeca tem o costume de deixar a calçada em frente de casa emporcalhada, chegando a receber 30 multas municipais, não interessa se o nome dela é Taylor Swift.

Em alguns casos, quem reclama também é famoso: em 2007, uma lareira no Upper West Side, usada por Billy Squier, figurinha carimbada no Top 40 das rádios nos anos 80, começou a encher de fumaça o apartamento do vizinho de cima – que era ninguém mais, ninguém menos do que Bono.


A relação de Copperfield com a metrópole é longa e intensa, mas aparentemente está em suspenso, pelo menos por enquanto. Atualmente, ele vive em Las Vegas, onde faz 15 sessões do show “An Intimate Evening of Grand Illusion” por semana. Segundo seu advogado nesse caso, Matthew A. Cuomo, as descrições que aparecem no processo são exageradas. “É só uma questão de acionamento do seguro, nada mais.”

Truques desde cedo

Copperfield cresceu em Nova Jersey e contou que ia escondido a Manhattan quando garoto para aprender truques de mágica. Depois de conseguir grande sucesso, ficou interessadíssimo no Galleria, em meados da década de 90, e virou assunto dos tabloides de fofoca por causa disso. “Como David Copperfield conseguiu convencer os donos da luxuosa cobertura do Galleria a baixar o preço de US$ 18 milhões para a bagatela de US$ 11 milhões? Talvez esse tenha sido seu maior truque até hoje”, anunciou o “The Daily News”, em 1997. Segundo o processo judicial, na verdade acabou pagando US$ 7,4 milhões.


O jornal sugeria que o abatimento talvez tenha sido em razão do desenho estranho do apartamento, para lá de peculiar. Com uma área de quase 1.500 metros quadrados, a cobertura quadriplex foi projetada por Stewart R. Mott, filho de um executivo da General Motors cujas paixões incluíam filantropia e paisagismo. As paredes de vidro incomuns permitiam que “desse as boas-vindas ao sol da cama, no Solário Leste, e se despedisse dele na mesa voltada para o oeste, tudo isso em meio a 930 metros quadrados reservados para o plantio”, descreveu o “The New York Times” em 1975.

Fotos incluídas no processo que o conselho de administração da Galleria moveu contra David Copperfield via The New York Times

Mas conforme os custos da construção da morada de seus sonhos foi subindo, incluindo até o reforço da estrutura do prédio para acomodar o peso do solo que queria para plantio, o entusiasmo de Mott pelo lugar foi diminuindo. Além disso, era conhecido por ser um homem ocupado em outras áreas. (”Quando a reportagem do ‘The Washington Post’ afirmou que tinha dormido com 40 mulheres em um período de oito meses, ele fez questão de uma correção, dizendo que, na verdade, tinham sido só 20″, escreveu o “Times”.) E nunca chegou a se mudar.

Os primeiros moradores não permaneceram ali muito tempo, e logo em seguida Copperfield chegou.

Na época, era muito famoso no país inteiro, graças a uma série de especiais de TV no horário nobre que culminou com aquele que talvez tenha sido seu truque mais conhecido até hoje: fez a Estátua da Liberdade sumir diante das câmeras que o acompanhavam ao vivo e do público presente, e depois a fez reaparecer. Entretanto, para os vizinhos do prédio, que já tinham visto de tudo, Copperfield não passava do cara que tinha uma cobertura. E era um enigma. “Nunca o vi, nunca falei com ele. Não sei de ninguém que o tenha conhecido, nem mesmo só cumprimentado de longe. A única vez que vi o famoso apartamento foi pela TV, durante a filmagem de uma entrevista”, contou James Meyer, que já teve um apartamento no edifício.

Outra antiga moradora, Ellen Wiesenthal, disse que não só nunca botou os olhos em Copperfield, como duvida que teria sabido se o tivesse feito. “É bem provável que eu nem o reconhecesse.” Yulo-Kitiyakara quase o viu, mais ou menos, uma vez talvez. “Eu tinha uma empregada que morava aqui. Ela deu de cara com ele no elevador, algo assim.”

Ryan Drexler morou muitos anos no 48º andar e se lembra de ter visto o mágico várias vezes no elevador. “Ninguém ligava para ele. Era muito quieto. Não era desses que falam o tempo todo. Ficava na dele e respeito isso. Cada um tem seu jeito.”

Válvula estourada

Para muitos, o tempo no Galleria passou a ser contado antes e depois de oito de março de 2015, data do primeiro grande incidente envolvendo a cobertura. O primeiro andar do apartamento correspondia ao 54º do prédio. No terceiro – 56º do edifício –, havia uma piscina. As bombas e máquinas necessárias para seu funcionamento e sua manutenção ficavam em uma sala logo abaixo. Naquele fatídico dia de primavera, uma das válvulas situadas nesse compartimento, a mais de 180 metros de altura do chão, “falhou”, segundo o termo legal.

“Não, a Inundação do Copperfield Não É Ilusão”, foi a manchete do “The New York Post”. Segundos os relatos da imprensa, a água inundou o apartamento e vazou, afetando mais de 30 andares inferiores, encharcando paredes e interditando um elevador.

A mídia deu destaque à rica coleção de acessórios de mágica antiquados e máquinas de fliperama que havia no apartamento. “David ficou apavorado porque as máquinas são (do parque) de Coney Island, raras e antigas, valiosíssimas. Na verdade, são antiguidades insubstituíveis, incluindo uma cartomante, martelos de força, uma máquina de choques elétricos e galerias de tiro”, informou seu advogado, Ted Blumberg, dias depois.

Mas todos escaparam ilesos. “Tem um truque chamado Pega-Bala, no qual o ilusionista segura a bala nos dentes, literalmente. Para David, foi o que aconteceu aí”, o advogado comentou depois da inundação.

Ilusionista deixou cobertura de quatro andares em 'estado lastimável' Hiroko Masuike/The New York Times - 13.08.2024

Tem outro, chamado Multiplicação das Bolas de Esponja, no qual o mágico aparenta fazer aparecer vários objetos do nada – e foi exatamente o que aconteceu nos meses seguintes no Galleria, mas com ações judiciais.

A seguradora de Copperfield processou a empresa que fazia a manutenção da piscina; os dois vizinhos de baixo fizeram o mesmo. A companhia, por sua vez, acusou Copperfield, que na época se apresentava em Las Vegas, de negligência – e, de quebra, pôs a culpa no fabricante da válvula que falhou. Os casos acabaram se fundindo em uma coisa só e – puf! – foram encerrados abruptamente, do jeito que normalmente se segue a acordos financeiros confidenciais.

Em 2016, Copperfield abriu o apartamento para um tour ao “The Wall Street Journal”. Foi de cômodo em cômodo, exibindo “umas coisas bem legais para lhe dar vida, caráter”, segundo o próprio. Incluídos aí estavam a “cadeira surpresa”, que derruba o ocupante no chão; os degraus que viram escorregador; e revólveres de água que disparam ao contrário, direto no rosto de quem os empunha.

Mas a piscina estava vazia.

‘Péssimo estado’

Mais alguns anos se passaram. Por volta de 2018, durante uma reunião comum de condomínio do Galleria, ele surgiu de surpresa, como se tivesse surgido do nada. “Simplesmente chegou, e foi muito simpático”, como contou Sholeh Assadi, dona e moradora de um dos apartamentos há 11 anos. Chegou até a convidar as 20 e poucas pessoas presentes para uma visita à cobertura. Lá foram todos.

O que elas viram foi um choque geral. “Estava em péssimo estado, uma bagunça terrível. Todos nós vimos. Ele parecia não estar nem aí. Os quartos revirados, os banheiros cobertos de mofo e bolor”, descreveu ela.

Marisa Lopez era dona do apartamento onde morava sua mãe, e acha que ela participou desse mesmo encontro porque depois lhe contou sobre o tour pela cobertura do mágico famoso. “Ela disse que ele até se ofereceu para fazer uma selfie e foi ‘muito fofo’.”

Logo depois desse encontro, o mágico desapareceu, segundo o novo processo judicial contra ele. “Copperfield abandonou o apartamento por volta de 2018, dispensando uma empregada doméstica, um administrador e um marido de aluguel. O ilusionista também possui uma propriedade em Las Vegas e um resort que compreende 11 ilhas nas Bahamas; para os moradores do Galleria, que já raramente o viam, parecia que ele simplesmente se esquecera da cobertura. Em vez de se mudar de forma segura e organizada, Copperfield abandonou o apartamento, permitindo que ficasse no péssimo estado em que se encontra”, diziam os autos.

Até que, em dezembro passado, houve novo vazamento – outra válvula quebrada, dessa vez na sala de manutenção dedicada exclusivamente à cobertura –, que causou novos danos aos apartamentos, elevadores e áreas comuns, de acordo com o arquivo.

Este ano, o mágico se viu envolvido em novos imbróglios: em janeiro, novos documentos divulgados na justiça mostraram que ele era frequentador assíduo das casas de Jeffrey Epstein; além disso, uma matéria do “The Guardian” descreveu acusações de comportamento sexual impróprio por parte de várias mulheres. Copperfield negou todas, e ninguém formalizou as queixas.

A ação inclui diversas fotos das paredes descascando, mofo e bolor às quais os moradores tiveram acesso. “O cara tem uma banheira original!”, comentou Lopez. Já Cuomo, o advogado, afirmou que as imagens “não refletem o estado atual do apartamento”.

Talvez não. E, se for esse o caso, pode ser apenas mais um passe de mágica – ou melhor, seu truque mais recente no alto do Galleria.

c. 2024 The New York Times Company

Últimas


Utilizamos cookies e tecnologia para aprimorar sua experiência de navegação de acordo com oAviso de Privacidade.