Ivanka tem protagonismo inédito entre filhos de presidentes dos EUA
Herdeira de Trump é conselheira especial da Casa Branca e levanta bandeira do empoderamento feminino. Papel no governo, entretanto, é alvo de críticas
Internacional|Ana Luísa Vieira, do R7
Quando Donald Trump foi questionado sobre quem seria o novo embaixador dos Estados Unidos na ONU (Organização das Nações Unidas) — a republicana Nikki Haley renunciou ao cargo no último dia 9 —, a resposta veio sem rodeios. “Acho que a Ivanka seria incrível. Não significa que eu vá nomeá-la, porque eu seria acusado de nepotismo, mas não penso que haja alguém mais competente no mundo.”
Lembrada de forma recorrente nos discursos do presidente, Ivanka Trump — que é a segunda dos cinco filhos de Donald — completou, nesta semana, 37 anos de idade. A maior parte dos últimos dois passou envolvida nos projetos políticos do pai, assumindo um protagonismo no governo que foge dos padrões na história da Casa Branca para os filhos dos presidentes.
“Eu não me recordo de uma filha ou filho de um presidente americano que tenha alcançado tamanho protagonismo na história dos Estados Unidos. Existe uma tradição, inclusive, dos líderes americanos protegerem seus filhos das demandas da política e do poder”, lembra Sidney Ferreira Leite, especialista em Relações Internacionais e Pró-reitor do Centro Universitário Belas Artes de São Paulo.
“Na prática, isso começou a se desenhar quando ela foi escolhida para apresentar Trump como candidato à presidência dos Estados Unidos em um discurso na Convenção Nacional Republicana de 2016”, aponta o especialista.
Acesso privilegiado
Formada em economia, Ivanka Trump é fundadora de uma grife que leva seu nome e foi vice-presidente executiva da Organização Trump — conglomerado que compreende os empreendimentos e investimentos de Donald Trump. Ela chegou a atuar como assessora informal no governo de seu pai até assumir a posição de conselheira sênior em março de 2017 — depois de receber críticas por ter acesso a material confidencial sem um cargo oficial na administração.
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“Existe também uma questão de ela e o marido serem investigados por acusações de lavagem de dinheiro. É uma polêmica em torno de sua trajetória como administradora, muitos a colocam como uma gestora duvidosa do ponto de vista da probidade de seus negócios”, diz Leite.
Leonardo Paz, professor de Relações Internacionais do Ibmec (Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais), acrescenta: “Por ser filha, ela tem obviamente uma relação muito próxima do presidente. Ela ocupa um lugar especial em que consegue vender projetos com mais facilidade para o Trump — e acaba desorganizando o planejamento do John Kelly, que é o Chefe de Gabinete da Casa Branca. O que quer que ela defenda tem acesso privilegiado ao presidente e pode não estar necessariamente na grade de diretrizes ou alinhado ao Partido Republicano”.
Bem vista pelo público
Apesar das controvérsias, Ivanka ainda é vista de modo favorável por 47% dos americanos — seu próprio pai é visto positivamente por 44%, de acordo com a Gallup Poll, empresa de pesquisa de opinião dos Estados Unidos. E enquanto apenas 36% dos americanos encaram Ivanka de maneira negativa, 55% veem Donald Trump de maneira desfavorável.
Recentemente, a atuação da filha do presidente chamou a atenção em um momento de crise da administração Trump — quando o governo foi duramente criticado por separar crianças de pais imigrantes que tentaram atravessar ilegalmente a fronteira dos Estados Unidos com o México. “Ela colocou objeções, não fez críticas diretas ao pai, mas alertou publicamente que as medidas eram muito radicais e deveriam ser repensadas”, recorda Sidney Leite.
Como pauta permanente em sua agenda, Ivanka adotou ainda as questões do empoderamento feminino e da participação as mulheres no mercado de trabalho: “São bandeiras levantadas por ela, mas que ainda não foram revertidas, na prática, em política. O mesmo se deu com a crise dos opioides — um tema encampado por ela que acabou na agenda do Trump. Ainda que não tenha sido convertido em mudanças legislativas, Ivanka ajudou a colocar na mídia, virou assunto”, detalha o professor do Ibmec.
Atuação questionada
Desde que o republicano assumiu o posto, ganharam destaque ainda — para o bem e para o mal — a viagem solo de Ivanka para conversas com a Coreia do Sul no início de 2018 e o episódio em que a filha do presidente ocupou a cadeira do pai na cúpula do G20 na Alemanha, conforme lembra Sidney Leite.
“O governo Trump é um governo original sob vários aspectos. Neste sentido, o que se vê por parte da Ivanka não é propriamente o papel do conselheiro. Ela faz aparições públicas, ela dá entrevistas e, historicamente, o conselheiro atua nos bastidores e se expõe pouco para dar maior segurança aos governos. Na prática, Ivanka é uma figura midiática que ocupa o vazio deixado pela primeira-dama Melania — que é muito mais discreta.”
Leonardo Paz, por outro lado, descarta a associação: “Eu não vejo a Ivanka muito ocupando o papel simbólico de uma primeira-dama. Penso que a Melania se afastou dos holofotes por causa das polêmicas envolvendo um suposto caso do Trump com uma atriz pornô — ela esteve em uma situação muito vulnerável. A Ivanka, na minha opinião, assume uma postura mais assertiva. Ela é alguém de confiança do presidente que abraça causas que ganham destaque tanto internamente quanto internacionalmente”, completa.
De um jeito ou de outro, é consenso entre os especialistas que a possibilidade de Ivanka concorrer a um cargo eletivo no futuro não é remota: “Ela tem um perfil ambicioso e eu penso que nenhum dos dois — Trump ou Ivanka — descarta, em uma agenda futura, que ela ocupe um cargo de maior projeção”, aponta Sidney Ferreira Leite.
“Sem dúvida, Ivanka está tendo um acesso diferenciado à administração Trump e ganha um cabedal diferenciado para o futuro. Sai com potencial fortíssimo de tentar cargo eletivo mais pra frente”, conclui Leonardo Paz.