Medo e otimismo: venezuelanos no Brasil comentam levante de Guaidó
Líder da oposição declarou que conta com apoio do Exército para depor Maduro. Em São Paulo, migrantes falam de expectativas para o futuro
Internacional|Ana Luísa Vieira, do R7
Para os venezuelanos que moram no Brasil, medo e otimismo se misturam quando o assunto é a crise que se desenrola na Venezuela nesta terça-feira (30). Pela manhã, o líder oposicionista Juan Guaidó declarou, por meio das redes sociais, "o começo do fim da usurpação [do poder no país, pelo presidente Nicolás Maduro]", em um vídeo em que aparece acompanhado por homens em uniformes militares e veículos blindados na capital Caracas.
Luis Gonzalez Angelino, que mora em São Paulo há cinco anos, se mostrou satisfeito ao assistir ao pronunciamento de Guaidó na base aérea Generalísimo Francisco de Miranda. “Quando o vi falando do quartel general mais importante da capital, tive certeza de que, dessa vez, a oposição vai para frente.”
Em entrevista ao R7, Angelino, que tem 29 anos, diz que o líder oposicionista e autodeclarado presidente interino é “uma esperança para o povo venezuelano”. “O Guaidó me parece um cara jovem e preparado. Anos atrás, a oposição até tentou derrubar Maduro, mas não havia união e o governo se aproveitava dessa fragilidade”, aponta.
Juan Guaidó garante ter conquistado o apoio do Exército para depor o governo de Nicolás Maduro: “A família militar deu o passo, de uma vez por todas. A todos os que estão nos escutando: é o momento, o momento é agora”. O presidente da Venezuela, por outro lado, assegura que já conversou com comandantes de todo o país “que manifestaram total lealdade ao povo, à Constituição e à pátria”.
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Na opinião de Angelino, que vivia em Caracas, era “ideologicamente complicado convencer os militares a apoiarem a oposição, principalmente porque há muitos comandantes russos e cubanos na Venezuela. Mas está acontecendo”, diz. Embora esteja apreensivo, o jovem — que trabalha em um café na capital paulista — afirma não ter medo do que está por vir.
“Acho que daqui para frente é só liberdade. No começo vai ser difícil, sim, porque o país foi saqueado e levaram toda a nossa riqueza para fora. Mas nós temos condições — reservas de petróleo, ouro e água — para voltarmos a ser o país mais desenvolvido da América Latina. São muitos recursos e há o apoio dos Estados Unidos, dos europeus, do Brasil, da Argentina e do Chile — que querem liberdade para o povo venezuelano”, acrescenta.
O plano de Angelino, inclusive, é retornar para Caracas quando a economia venezuelana voltar para os trilhos: “Sou formado em marketing com pós-graduação em comércio exterior. Quero contribuir com o crescimento de meu país”, diz.
De acordo com a Polícia Federal, há 36.349 migrantes da Venezuela formalmente registrados no Brasil hoje. A ONU (Organização das Nações Unidas), por sua vez, estima que atualmente existem 88.900 venezuelanos em território brasileiro.
Militares corrompidos
A dona de casa Naykari Bolivar, de 33 anos, tem maiores ressalvas em relação ao levante convocado por Guaidó. “A verdade é que as Forças Armadas na Venezuela estão muito corrompidas. Quando vi tantos militares nas imagens hoje mais cedo, me perguntei: ‘Será que as pessoas não têm medo?’.” Naykari se casou com um brasileiro que trabalhava no país vizinho antes de se mudar para Guarulhos, na região metropolitana de São Paulo, há um ano e meio.
Para a venezuelana da cidade de Barquisimeto, se os políticos opositores querem de fato tomar o poder, devem se posicionar na linha de frente das manifestações: “Há muita expectativa e muita incerteza. Não queremos nossos jovens sendo utilizados como carne para canhão”. Ela ainda acredita que o presidente Nicolás Maduro seja mero “fantoche” de outros líderes em seu país.
“Quem manda na Venezuela é Diosdado Cabello — presidente da Assembleia Nacional Constituinte — e Jorge Arreaza — ex-vice-presidente e chanceler. Maduro só fala estupidezes e não tem nenhum controle do país”, aponta.
Naykari considera improvável, inclusive, que o levante convocado por Juan Guaidó nesta terça-feira culmine na deposição de Nicolás Maduro. “Nosso corpo militar se corrompe por dinheiro. Como venezuelana, não tenho confiança”, comenta. “E também não apoio uma intervenção internacional. Teríamos milhares de mortos, seria uma tragédia.” A certeza é de que não há caminho fácil para o país vizinho sair da crise.
“Temos de ser realistas. Levantar um país violado e ultrajado da forma como a Venezuela foi não será fácil — serão necessários muitos anos. O futuro é inóspito”, finaliza.