Mudança climática: desempenho em ranking mascara atraso do Brasil
Para especialista, desmatamento e emissão de gases-estufa são vilões
Internacional|Ana Luísa Vieira, do R7
O Brasil está na contramão do combate às mudanças climáticas e se encontra em um contexto de retrocessos socioambientais. É o que diz Carlos Rittl, secretário executivo da rede brasileira Observatório do Clima, sobre a 19º colocação do País no Índice de Desempenho na Mudança Climática (CCPI, na sigla em inglês). Divulgado na última quarta-feira (15), o ranking classifica 56 nações do mundo e a União Europeia de acordo com as medidas dos governos para temas como emissão de gases-estufa, desenvolvimento de energias renováveis e políticas para o clima.
— A posição do Brasil nesta lista é surpreendentemente alta, considerando-se o atual contexto de retrocessos socioambientais e nenhuma prioridade para o desenvolvimento com base na redução de emissões de gases de efeito estufa. A nossa colocação se explica principalmente pelo que fizemos no passado, como a participação das fontes renováveis em nossa matriz energética (entram nesta conta desde as hidrelétricas até o uso do etanol) e a redução média do desmatamento a partir de 2004, e não pelo que estamos fazendo hoje. Estamos na contramão da história e do combate às mudanças climáticas.
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Levantamento do Observatório do Clima — rede de entidades da sociedade civil que discute as mudanças climáticas no contexto brasileiro — aponta que, em 2016, o Brasil emitiu 8,9% mais gases de efeito estufa do que no ano anterior, embora o PIB (Produto Interno Bruto) do País tenha diminuído em 3,6%. De acordo com Rittl, boa parte das emissões vem do desmatamento.
— A taxa anual de desmatamento da Amazônia caiu 16% em 2017 (perdemos 6.624 km² de florestas, contra 7.893 km² em 2016), mas não conseguiu compensar o aumento de 60% registrado entre 2014 e 2016. Além disso, esse índice está 70% acima da meta incluída na Política Nacional sobre Mudança do Clima do Brasil para 2020, que é de taxas anuais de, no máximo, 3.905 km² de florestas desmatadas.
Rittl ainda aponta que, no que diz respeito à geração de energia, o governo projeta que cerca de 70,5% de todos os investimentos no setor irão para os combustíveis fósseis — em especial petróleo e gás natural — nos próximos anos. “Isso foi recentemente publicado no plano do governo para a expansão de geração de energia até 2026. O presidente também enviou ao Congresso uma Medida Provisória que propõe isenção de impostos às petroleiras que podem chegar até R$ 1 trilhão de reais”, diz.
Niklas Höhne, porta-voz da rede internacional Climate Action Network e um dos autores do Índice de Desempenho na Mudança Climática, concorda que a boa colocação do Brasil no ranking se deve à presença histórica das hidrelétricas em nossa matriz energética, mas reforça que ainda faltam medidas para prevenir o desmatamento no País.
— Há muito a se fazer ainda para evitar a recarbonização do sistema elétrico, ou seja, evitar a construção de novas usinas a carvão. O governo também tem que impedir que o desmatamento suba novamente. Recentes mudanças legislativas apontam na direção oposta.
Para Höhne, embora cada vez mais pessoas entendam que reduzir a emissão dos gases de efeito estufa pode ser uma oportunidade econômica e não uma ameaça, os governos ainda engatinham nas políticas públicas para assuntos como aquecimento global e mudança climática. “Energias renováveis resultam em um ar mais limpo e são menos custosas do que as fontes convencionais, de combustíveis fósseis. Mas os governos precisam tomar medidas mais ambiciosas e unir forças cumprir os objetivos a longo prazo do Acordo de Paris. Portanto, todos os países precisam entender as oportunidades e intensificar seus esforços”, reforça.
Carlos Rittl, do Observatório do Clima, lembra que a emissão de gases-estufa na atmosfera já resultou no aumento da temperatura média do planeta em pelo menos 1 °C em relação à era pré-industrial.
— Parece pouco, mas já gera muitos efeitos, como secas severas, chuvas torrenciais e inundações, furacões e etc., cada vez mais frequentes e intensos. Isso interfere na vida de cada um de nós, seja pela falta de água em nossas torneiras, pela subida dos preços dos alimentos na feira, pela multiplicação de casos de doenças, e pela situação de emergência ou calamidade que enfrentamos diante de um clima cada vez mais difícil.
O especialista conclui que os cortes nas emissões dos gases de efeito-estufa dependem de medidas dos governos de todos os países e também do compromisso de empresas e da população em seu comportamento diário. "Precisamos ser mais eficientes e sustentáveis, eliminando o desperdício de alimentos, água, energia e cobrando das empresas e dos governos comportamentos também responsáveis. Só seremos bem-sucedidos no enfrentamento deste enorme desafio que são as mudanças climáticas se todos contribuírem", completa.