'Não desistir é o único jeito', diz fotógrafo de atos em Hong Kong
Tyrone Siu, de 31 anos, cobre as manifestações desde o primeiro dia. Em entrevista ao R7, ele comenta os momentos mais marcantes dos protestos
Internacional|Ana Luísa Vieira, do R7
Desde 9 de junho, o primeiro dia em que milhares de manifestantes foram às ruas de Hong Kong contra um projeto de lei de extradições proposto pelo governo, o fotógrafo Tyrone Siu — que nasceu e cresceu na cidade — registra momentos marcantes dos protestos. Os atos continuaram mesmo depois que a líder Carrie Lam anunciou a suspensão da legislação, que prometia que determinados suspeitos fossem enviados para enfrentar julgamento em Pequim.
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“Não desistir é o único jeito de melhorar as coisas”, afirma Siu, em entrevista ao R7. Para diferentes setores da sociedade em Hong Kong — que é uma das regiões administrativas especiais da China — a crise que ganhou as manchetes internacionais tem a ver com a autonomia política e judicial do território.
O fotógrafo de 31 anos, que hoje vive em Taiwan e trabalha para a agência de notícias Reuters, conta que cobriu também em Hong Kong os atos de 2014, chamados de “revolta dos guarda-chuvas” — em que os manifestantes exigiram, sem sucesso, o sufrágio universal e o fim do controle de Pequim sobre os candidatos ao Parlamento local.
“Naquele ano, em um dos últimos dias dos protestos, os ativistas seguraram uma placa com os dizeres ‘Nós voltaremos’. E eles voltaram agora. Eles se tornaram mais flexíveis e aprenderam a lidar com o governo e com outros cidadãos. A experiência fracassada permitiu que eles crescessem”, aponta Siu.
Parlamento ocupado
Na última segunda-feira (1º), depois que centenas de manifestantes invadiram e ocuparam o Parlamento por mais de três horas, o presidente da instituição anunciou que o prédio ficará fechado por duas semanas devido aos "graves danos" causados às instalações.
As imagens da sede do governo lotada de ativistas — algumas delas clicadas pelo próprio Siu — rodaram o mundo. Para o fotógrafo, entretanto, o dia mais marcante da série de manifestações foi 16 de junho, quando dois milhões foram às ruas após a morte de um manifestante de 35 anos que caiu ao estender uma faixa denunciando a lei de extradição.
“Ele se tornou um símbolo dos protestos. As pessoas estamparam o rosto dele em cartazes que foram colocados no local da manifestação. Sem dúvida, sua imagem entrará para a história de Hong Kong”, diz. O fotógrafo lembra ainda dos momentos em que a multidão cedeu o caminho para a passagem de ambulâncias: “Foi como a abertura do Mar Vermelho”. Assista abaixo.
Manifestações sem liderança
Os desafios de registrar grandes manifestações, como é de se imaginar, não são poucos. “Não é fácil acompanhar milhões de pessoas andando à sua frente. Os ativistas estão revoltados, mas se mantêm pacíficos. Eles até coletam garrafas e papéis para reciclagem, e alguns estudantes aproveitam para colocar a matéria em dia durante as marchas”, explica Tyrone Siu.
Na opinião do fotógrafo, a grande diferença dos protestos contra a lei de extradição para a “revolta dos guarda-chuvas” é a ausência de uma liderança central. “Em 2014, todos sabíamos que o líder era Joshua Wong. Ele e seu grupo estudantil decidiam o rumo das manifestações. Hoje, as pessoas se conectam pelo Telegram e fóruns online para tomar as decisões e todos participam”, relata.
Outro aspecto inédito dos protestos em 2019, segundo Siu, é a colaboração da comunidade cristã. “Nos primeiros dias, os cristãos apareciam todas as noites e cantavam para acalmar os policiais. Acabou se tornando um elemento importante nos eventos”, avalia.
Para o fotógrafo, fica a esperança de que Hong Kong — cujo governo já não tem mais previsão para retomar o debate sobre extradições — um dia possa, também, eleger seus próprios líderes. “Quero governantes que sirvam ao povo, ouçam o que as pessoas querem e precisam”.