Negros sofrem muito mais do que brancos com a pandemia nos EUA
Proporções de contágio, doença e morte são bem maiores na população negra. Condições sociais e de assistência de saúde influem nos índices
Internacional|Eduardo Marini, do R7
As primeiras divulgações de estatísticas de contágio, doença e morte por coronavírus divididas por etnia nos Estados Unidos mostram que os negros, proporcionalmente, estão sendo vítimas em número bem maior do que os brancos naquele país.
Os formulários de controle americanos registram idade, sexo e também etnia dos notificados. Mas, por causa das diferenças de exigências legais entre os estados, autoridades de vários deles optaram por não divulgar os números divididos por este quesito.
Grupos sociais de apoio e defesa dos negros reivindicam que todas as unidades da federação nos EUA publiquem os números e percentuais estratificados de afetados brancos, negros, hispânicos e asiáticos para reforçar, com dados, as ações de assistência e combate.
Em Chicago, cidade mais populosa do estado de Illinois, onde o ex-presidente americano Barack Obama vive e fez carreira política e acadêmica, os negros compõem 30% da população, mas representavam 68% dos 118 mortos e 52% dos cerca de cinco mil casos confirmados no município até quarta-feira (7). A taxa local de morte de negros pela pandemia é quase seis vezes maior que a de brancos.
A prefeita de Chicago, Lori Lightfoot, que é negra, emitiu uma ordem de saúde pública exigindo que os hospitais divulguem dados compartilhados por etnia. “Esses números nos tiram o fôlego. O momento é de esforço da nação para o bem de todos, independentemente de condição social, origem e também etnia”, resume ela.
Lori desconfia da existência de uma “subnotificação significativa” também entre os hispânicos, que representam 29% da população e 14% dos casos na cidade. Entre os asiáticos, sete por cento dos habitantes, a taxa de contágio é de 3,6%.
Um branco vive em média 8,8 anos a mais do que um negro em Chicago. A taxa de diabetes entre a população negra é duas vezes maior, e o volume de mortes relacionadas a problemas pulmonares, 20% mais alto. Dois em cada cinco adultos negros da cidade (40%) têm hipertensão, índice 25% maior que o dos brancos.
Em Milwalkee, município com a maior população de Wisconsin e a 28ª dos EUA, o cenário é parecido. Os negros, que formam 28% da população, representam 73% das 45 mortes do município. A desproporção é mais alarmante quando se considera os índices de todo o estado: quase metade das mortes por coronavírus é de negros, que constituem apenas seis por cento da população.
A situação é semelhante às de Michigan e Wisconsin quando se analisa os dados dos outros estados que passaram a publicar índices gerais por etnia. Em Illinois, os negros representam 14% da população, 30% dos casos confirmados e 41% das mortes. Na Carolina do Norte, eles são 22% da população, 37% dos casos e 22% das mortes.
Na Louisiana, com um terço (33%) de habitantes negros, os negros representam mais de 70% das mortes acima dos 19 anos provocadas pela pandemia. Em Albany, cidade com o maior número de vítimas do coronavírus na Geórgia, mais de 90% das mortes ocorrem atualmente entre a população negra.
Fatores sociais e econômicos ajudam a entender a desproporção. Nos Estados Unidos, como no Brasil, os negros pertencem, em maioria, a grupos sociais e econômicos menos favorecidos. Os centros de atendimento de saúde são menos equipados e em número menor nas suas regiões. O índice de pessoas sem seguro ou plano de saúde entre a população negra é muito maior – e nos EUA não existe um sistema único e público de saúde como o SUS brasileiro.
Dariely Rodriguez, diretora de Justiça Econômica do comitê de Advogados americano, explicou ao jornal americano The Washington Post que este cenário contribui para que os negros tenham asma, hipertensão, diabetes e doenças cardíacas em volume bem maior do que os brancos.
Todos esses fatores facilitam, no final, a expansão do coronavírus entre a população negra americana. O analista de políticas sociais e ex-repórter da CNN americana Eugene Scott acrescenta uma questão social ao problema em um artigo para o The Washington Post.
Scott, que é negro, revela que a recomendação do governo americano de usar máscaras sempre que possível causa constrangimento em cidadãos e líderes de grupos negros. O temor é o de serem confundidos com integrantes de gangues ou envolvidos em atividades ilegais nas ruas do país.
“As máscaras têm sido associadas a gangues violentas nas cidades americanas. Historicamente, grupos usam máscaras coloridas para comunicar sua lealdade a seus parceiros e também a organizações rivais”, escreve o analista.