O que dizem possíveis integrantes do júri de Trump na Flórida
Muitos habitantes do sul da Flórida, assim como americanos em outros lugares do país, acreditam que Trump é vítima de tratamento injusto por forças poderosas da esquerda política
Internacional|Nick Madigan, Verónica Zaragovia e Richard Fausset, do The New York Times
Como eleitora registrada no condado de Palm Beach, na Flórida, Bette Anne Starkey sabe que existe a possibilidade de ser escolhida para integrar o júri no processo criminal federal contra o ex-presidente Donald Trump. Mas, mesmo tendo votado duas vezes em Trump, ela não sabe dizer como avaliaria o caso como jurada.
Reproduzindo falas do próprio Trump, Starkey, contadora de 81 anos, usou a expressão "caça às bruxas" em uma entrevista para descrever a acusação federal contra o ex-presidente, a de que ele propositalmente retirou documentos confidenciais da Casa Branca. Mas ela também se esforça para entender por que Trump simplesmente não devolveu os documentos quando solicitado, o que é parte de sua irritação com o 45º presidente americano: "Estou cansada de ouvir falar das malandragens dele."
Seus comentários refletem os sentimentos complicados que Trump provoca atualmente, mesmo entre os republicanos que votaram nele. Mas Starkey também é um reflexo da política igualmente complicada e volátil do sul da Flórida, terra de Trump e do grupo de jurados.
É no diversificado e densamente povoado sul da Flórida que os jurados de Trump serão convocados se o caso for a julgamento, embora o local exato e o júri não tenham sido determinados.
O processo foi parar na divisão judicial de West Palm Beach do Distrito Sul da Flórida, o que significa que o júri pode ser selecionado entre eleitores registrados no condado de Palm Beach, onde se situa o resort Mar-a-Lago de Trump, no qual ele mora desde que deixou a Casa Branca. Trump perdeu no condado de Palm Beach para o presidente Joe Biden por quase 13 pontos percentuais em 2020.
Mas um júri formado por eleitores do condado de Miami-Dade, ao sul de Palm Beach, também é uma possibilidade, especialmente se for determinado que o tribunal federal de Miami, ao qual Trump se apresentou no dia 13 de junho, está mais bem equipado para acomodar o que provavelmente será um dos julgamentos criminais de maior repercussão da história americana.
Trump perdeu Miami-Dade por apenas cerca de sete pontos na última eleição, obtendo forte apoio dos eleitores hispânicos em particular; mais de dois terços dos residentes do condado se identificam como hispânicos, de acordo com dados do censo.
Mas ambos os condados se tornaram mais republicanos nos últimos anos, e os candidatos republicanos tiveram sucesso significativo nas disputas estaduais. Trump venceu a Flórida em 2016 e 2020, e o estado elegeu duas vezes o governador Ron DeSantis, atualmente o principal rival de Trump para a indicação presidencial republicana.
Tudo isso deve garantir algum alívio aos membros da equipe de defesa de Trump, que sabem que é preciso apenas um voto para resultar em um júri suspenso. E muitos habitantes do sul da Flórida, assim como americanos em outros lugares do país, acreditam que Trump é vítima de tratamento injusto por forças poderosas da esquerda política.
George Cadman, de 54 anos, corretor de imóveis e pai de dois filhos, que mora no sul do condado de Miami-Dade, disse que não acompanhara as notícias de perto nos últimos meses e que não tinha ouvido falar sobre as acusações federais contra Trump – o que o torna, de certa forma, um bom candidato ao serviço do júri. Mas também afirmou que apoia Trump "cem por cento" e que acha que as investigações anteriores sobre o ex-presidente tiveram motivação política. Acrescentando que acredita que a interferência eleitoral da Rússia em 2016 e o escândalo sobre Trump e a Ucrânia foram fraudes, ele declarou, referindo-se ao novo caso contra Trump: "Eu teria muita cautela para decidir o que penso a respeito disso." (Em um telefonema subsequente, Cadman revelou que, por mais que amasse Trump, planejava votar em Biden em 2024, porque o aumento dos valores das propriedades tinha sido bom para seu trabalho como corretor imobiliário.)
Muitos cubano-americanos do sul da Flórida descobriram o impacto da política, mesmo na vida apolítica, da maneira mais difícil, durante a Revolução Cubana e depois dela. E, para alguns dos conservadores entre eles, como Modesto Estrada, empresário aposentado que chegou a Miami há 18 anos, vale a pena apoiar Trump como um poderoso freio aos democratas e às políticas liberais que, segundo ele, estão "arruinando o país" ao desencorajar as pessoas de trabalhar.
Estrada, de 71 anos, observou que Biden e o ex-vice-presidente Mike Pence também foram pegos com documentos confidenciais do governo. (Mas, segundo todos os relatos até agora, Biden devolveu os documentos às autoridades depois de descobri-los, assim como Pence.) Como muitas pessoas entrevistadas, Estrada disse que teria dificuldade em ser um jurado imparcial no caso. "Do meu ponto de vista, até agora não há nada contra ele. E nada vai lhe acontecer. Trump não vai para a cadeia. O caso vai desmoronar e é isso que espero."
Assim como Estrada afirmou que sua experiência com uma ditadura de esquerda tinha influenciado sua esperança de que Trump fosse considerado inocente, Viviana Dominguez, de 63 anos, referiu-se à própria experiência em sua Argentina natal, que foi liderada por uma ditadura militar de direita de 1976 a 1983, ao expressar sua antipatia por Trump. Conservadora de arte que vive em Miami há 13 anos, chamou Trump de "embaraçoso", acrescentando: "Acho que ele vai para a cadeia, mas não sei se isso é só pensamento positivo."
Dominguez descreveu o caso dos documentos, e a base de apoio ainda considerável de Trump, como um inquietante afrouxamento dos padrões cívicos: "Vimos tudo isso na Argentina, quando as mentiras foram ficando cada vez maiores. A margem de tolerância foi ficando cada vez maior, de tal maneira que você nunca via o limite. Falavam em moralidade e família, mas eram as pessoas mais corruptas e obscenas do mundo. É como um estado de loucura."
Roderick Clelland, veterano da Guerra do Vietnã de 78 anos, de West Palm Beach, a cidade mais populosa do condado de Palm Beach, disse estar preocupado com as implicações internacionais do que viu como a atitude frouxa de Trump em relação a segredos nacionais sensíveis: "O mundo inteiro está nos observando. E alguns desses documentos sobre outros países – será que eles vão confiar em nós? Teve gente que foi presa por menos que isso. Portanto, não dá para simplesmente violar a lei e ficar impune. Espero que haja uma penalização." Clelland teve o cuidado de notar que não odeia Trump. "Mas não gosto do comportamento e da atitude dele."
Embora tenha votado em Trump duas vezes, Starkey, que é secretária do Clube Republicano das Palm Beaches, afirmou que nunca foi uma grande fã. Mas, tanto em 2016 quanto em 2020, não conseguiu apoiar o candidato mais liberal. Hoje, pensa em votar em Nikki Haley, ex-embaixadora da ONU e governadora republicana da Carolina do Sul. Ela observou que estava falando apenas por si mesma, e não por seu clube.
Mesmo assim, declarou que o indiciamento de Trump parece um movimento partidário num momento em que a política americana carece muito da harmonia entre os dois partidos que havia no passado, da qual se lembra com carinho. Segundo ela, esse é um dos motivos pelos quais teria dificuldades se fosse escolhida para o júri no caso: "Você confia que está recebendo todos os fatos a favor e contra?" Disse que está exasperada com o drama em torno da acusação – e que sabe que há muita gente como ela. "Só quero que isso acabe."
c. 2023 The New York Times Company