Obama chega ao Brasil como popstar da política internacional
Carisma e habilidades sociais garantem prestígio de ex-presidente dos EUA
Internacional|Ana Luísa Vieira, do R7
Bastou a notícia de que Barack Obama chegaria ao Brasil para uma palestra nesta quinta-feira (5) para que o nome do ex-presidente norte-americano se tornasse um dos mais comentados nas redes sociais dos brasileiros, ao lado de jovens celebridades e artistas famosos.
Não seria para menos: desde que se tornou o primeiro negro a ocupar o cargo de liderança mais cobiçado do mundo, Obama se consagrou como o verdadeiro popstar da política internacional.
“Ele tem o poder de aproximar as pessoas neste contexto de diversidade, conflitos e dificuldades da história contemporânea”, aponta Sidney Ferreira Leite, especialista em Relações Internacionais e Pró-reitor do Centro Universitário Belas Artes de São Paulo.
Dentro e fora dos Estados Unidos, as razões para o prestígio do ex-presidente envolvem carisma, capacidade de comunicação e visão acerca de temas atuais, conforme explica o especialista.
— Em primeiro lugar, ele usa uma linguagem simples, firme e direta, que foge do discurso rebuscado de muitos políticos. Mais importante que isso, Obama é uma figura comum, com hábitos e gostos e das pessoas médias. Ele não se coloca em um pedestal e tem fortíssimas habilidades sociais. A imagem que temos é de que ele é um cara com quem se pode encontrar na esquina, sentar em um banco e bater um papo.
Junto desses fatores, Leite destaca o fato de que o ex-presidente fala um inglês de fácil compreensão e defende questões de abrangência global — como a importância da educação e da saúde públicas.
“É muito difícil encontrar todas essas características em um mesmo político. São diferenciais importantes não só para figuras públicas, como para qualquer ser humano. Um papel como o de Obama — de alguém que gera empatia e defende valores admirados globalmente — é vital para o cenário da política internacional, em que vemos uma forte ascensão do nacionalismo”, pondera o professor.
Mestre no discurso
Logo em seu primeiro pronunciamento depois de ser eleito o 44º presidente norte-americano, Obama já surpreendeu críticos e apoiadores ao abordar a questão racial nos EUA de um jeito bem diferente do esperado. É o que diz Bruno Dallari, professor de linguística na UFPR (Universidade Federal do Paraná) e especialista em análise do discurso.
— O discurso racial nos EUA sempre foi e continua sendo muito antagônico — seja da parte dos brancos, seja da parte dos negros. O que foi novo é que Obama, sendo negro, não reafirmou posturas de confronto, o tempo todo ele ressaltou que governava para todos os americanos e não prioritariamente para os negros. No primeiro discurso após ser eleito, por exemplo, todos esperavam uma alusão a Martin Luther King e, em vez disso, ele contou a história de Ann Nixon Cooper, uma senhora negra de 106 anos que havia registrado seu voto em Atlanta. Ele evitou caracterizar sua vitória como uma espécie de revanche.
Sempre envolvido em organizações comunitárias, Obama viu sua carreira política começar em 1996, quando foi eleito para o Senado do Estado de Illinois e passou a lutar pela expansão dos serviços públicos de saúde e por programas de educação infantil para as populações mais pobres.
Elegeu-se para o Senado dos Estados Unidos em 2004 e, três anos depois, anunciou sua candidatura à Presidência da República, vencendo a senadora Hillary Clinton nas internas do Partido Democrata. Em 2008, derrotou o republicano John McCain nas eleições nacionais e se tornou o primeiro negro da história a governar o país.
Durante os oito anos em que esteve no poder, Obama desfez antagonismos com maestria: “Ele destacou o papel dos negros na sociedade americana e levou em conta a diferença de classes em suas declarações, mas nunca em tom de hostilidade”, pondera Dallari. Diversas vezes, o ex-presidente norte-americano evitou citar explicitamente o nome de seus opositores — o que, na opinião do professor, indica outra estratégia para desarmar os críticos.
— Quem quer ocupar o centro político e não deseja se desentender com grandes contingentes do eleitorado geralmente segue essa linha. Neste tipo de discurso, o antagonista nunca é mencionado. Ele é lembrado por meio de características, posturas, condutas. É uma maneira de atenuar a agressividade em determinadas declarações, o mesmo que dizer: 'Eu não quero brigar com as pessoas, eu quero conversar com elas'.
Palavras e ações
Mais que jogar com as palavras, Barack Obama soube tirar proveito do cenário político e econômico em que foi eleito. Em 2009, seu antecessor George W. Bush deixou a presidência dos EUA com uma aprovação de apenas 40% dos eleitores, de acordo com dados divulgados pelo Gallup Poll, empresa de pesquisa de opinião dos Estados Unidos.
Geraldo Zahran, professor do curso de Relações Internacionais da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), acredita que a forte rejeição a Bush contribuiu para que os norte-americanos encarassem a chegada do novo líder com certo otimismo.
— Obama assumiu num período de crise econômica nos EUA por conta do unilateralismo da administração anterior e, logo no início de seu mandato, anunciou programas de combate à recessão, com a aprovação do pacote de auxílio do Estado na economia e a regulamentação do sistema bancário. Mesmo a comunidade internacional tinha uma boa vontade enorme para com ele, o que é comprovado pelo fato de ele ter recebido um prêmio Nobel da paz logo no primeiro ano de governo.
Desde 2009 até 2016, não foram poucas as posturas políticas de Barack Obama que ganharam destaque dentro e fora dos EUA, conforme lembra Zahran.
— No plano doméstico, a lei mais marcante foi a da reforma no sistema de saúde, estendendo planos mais baratos às camadas mais pobres da população. Houve ainda a aprovação do casamento entre homossexuais e o fim da discriminação de homossexuais nas Forças Armadas do país. No plano internacional, vimos a primeira retirada das tropas no Iraque e a intervenção na Líbia, ainda que tenha sido uma intervenção complicada e alvo de críticas pela Rússia. Obama também deu início à mudança na política para com Cuba e firmou um acordo nuclear com o Irã em 2015. No mesmo ano, participou da assinatura dos acordos do clima em Paris.
Os episódios foram tão elogiados quanto criticados — assim como costuma acontecer com todos os grandes líderes norte-americanos: “Nos EUA, o partido de oposição costuma sempre ser agressivo e marcar um posicionamento de impedir qualquer ganho, qualquer triunfo do presidente. Então, realmente, foram anos de muito confronto”, afirma o especialista.
O diferencial de Obama é que, em momentos de crise nos EUA, ele soube conquistar a empatia do público e relacionar questões de importância global ao campo individual.
— O Obama é didático, mas sabe apelar para os grandes temas que provocam emoção. Quando ele fala em discriminação racial, por exemplo, ele fala do preconceito sentido pelas filhas dele. Quando jovens negros foram mortos por policiais brancos em diferentes estados americanos, ele diz que se tivesse um filho, esse filho provavelmente seria alvo da violência policial. Bem antes disso, em seu primeiro grande discurso como presidente fora do país, no Egito, ele reconhece que os EUA também erraram, derrubaram governos na região, admite a culpa e convida a audiência a olhar para o futuro e não para o passado.
Imagens que valem por discursos
Em imagens de seu dia a dia no poder, Obama ainda fez questão de revelar o ser humano por trás do presidente e, não raro, convenceu o mundo de que era um líder “gente como a gente”. Ele foi fotografado brincando com bebês, dançando com idosos, comendo cachorro-quente em restaurantes à beira da estrada, assim como fazem muitos políticos. A diferença é que, em todos os momentos, o ex-presidente reforçou o papel de igual a todos, de acordo com Ângela Fatorelli, cientista política e professora do Ibmec (Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais).
— O Obama se colocou como um líder internacional que se agachava para falar com as crianças, quando a postura normalmente esperada era a de alguém que se posicionasse em um patamar acima. Ele reforçou, pela construção de sua imagem, o papel de igual a todos: alguém hiperpoderoso, mas que de forma alguma fez uso disso para se colocar como alguém superior a seus interlocutores. Nós estamos acostumados a ver presidentes de países importantes cercados por milhares de seguranças e em uma posição inatingível. Já o Obama é fotografado cumprimentando um faxineiro da Casa Branca com um high five. Isso, de alguma forma, humaniza as posições de poder.
Nesse sentido, as aparições da primeira-dama Michelle e mesmo das filhas Malia e Sasha só contribuíram para a humanização do ex-presidente — que, junto da família, não economizou nos momentos de descontração, mesmo sob os holofotes.
“Ele participou de programas de comédia na televisão e soube usar o próprio carisma para se aproximar do público. Ele cantava, dançava e não tinha medo de fazer humor com si mesmo”, comenta Geraldo Zahran. E tudo foi devidamente documentado nas mídias sociais desde o início, conforme lembra a professora do Ibmec.
— Ele usou as redes muito bem, transmitiu eventos da Casa Branca no Youtube, no Facebook, se tornou um dos mais seguidos do mundo no Twitter. E acima de tudo ele enxergava, mesmo no início de seu primeiro mandato, uma tendência que hoje a mídia e as pessoas entendem que é real: de que as imagens, às vezes, falam de uma forma mais poderosa do que os discursos.
Além das fronteiras
Ao deixar a presidência dos EUA, no final de 2016, Obama contava com a aprovação de 61% dos eleitores americanos, de acordo com a Gallup Poll. O maior índice de aceitação se deu entre o grupo com idades de 18 a 34 anos — onde 75% se declarou favorável ao ex-presidente. “A tendência é que os números subam ainda mais, já que as pessoas costumam esquecer os episódios ruins e se recordar dos bons”, completa Geraldo Zahran.
Zahran ainda acredita que a postura de engajamento social atualmente adotada pelo ex-presidente — o tema da palestra no Brasil, por exemplo, será a importância de cidadãos a se envolverem em sua comunidade — deve pautar sua liderança nos próximos anos.
— Eu não acho que ele vá retornar à vida política diretamente. Esse engajamento civil mostrado agora já existia antes de ele ser presidente e hoje ele tem a capacidade de fazer isso em ambiente muito mais amplo.
Para Sidney Leite, por sua vez, Obama será lembrado não só como o primeiro presidente negro na história dos EUA, mas também como aquele que compreendeu as complexidades do mundo contemporâneo. "Eu acredito que ele vá ser lembrado como um presidente que promoveu a recuperação econômica dos EUA no contexto de uma grave crise. O mais importante, entretanto, é que ele foi alguém que tinha uma visão de mundo além das fronteiras do país que governou. Ao propor pontes em vez de muros, ele promoveu a aproximação das pessoas", conclui.