ONG cobra fim de barreiras que dificultam acolhida de venezuelanos
Human Rights Watch quer uma resposta unificada de países da América Latina que garanta a permanência dos migrantes venezuelanos em seus países
Internacional|Diego Junqueira, do R7, em São Paulo
A Human Rights Watch, organização internacional na luta pelos direitos humanos, criticou nesta semana as recentes políticas migratórias adotadas na América Latina que dificultam o acolhimento e a inserção dos imigrantes venezuelanos em seus países. Para a ONG, o fluxo migratório da Venezuela se tornou "um dos maiores desafios que os governos das Américas enfrentam hoje", o que demanda uma resposta "unificada", que começa na aceitação "imediata" dos venezuelanos nos países da região.
Desde 2014, mais de 2,3 milhões de pessoas abandonaram a Venezuela, segundo cálculos da ONU (Organização das Nações Unidas), em razão da hiperinflação e da crise de abastecimento que afeta serviços como saúde e a distribuição de alimentos. Entre 30 mil e 50 mil viveriam no Brasil.
Para a HRW, "esforços excepcionais" foram feitos na região para acolher os venezuelanos, embora "recentemente, no entanto, alguns países vêm endurecendo suas políticas migratórias, tornando mais difícil aos venezuelanos formalizarem sua situação", informa a organização em relatório publicado na segunda-feira (3).
"Algumas dessas medidas podem fragilizar a proteção de direitos de venezuelanos solicitantes de refúgio. Episódios recentes de violência xenofóbica, e um clima que ameaça dar mais espaço a ataques desse tipo, também são uma preocupação crescente", diz a HRW.
Em agosto, Chile, Peru e Equador passaram a exigir a apresentação de passaporte por nacionais venezuelanos que queiram entrar em seus países. Segundo a Human Rights Watch, no entanto, a medida inviabilizaria a colhida dos imigrantes em muitos casos, já que a Venezuela enfrenta dificuldades para produção de documentos válidos, além do custo elevado — a emissão de um passaporte pode levar até dois anos.
O fechamento da fronteira, como quer a governadora de Roraima, Suely Campos (PP), também é visto pela organização como um passo atrás na atual crise migratória, assim como os recentes ataques a imigrantes na cidade roraimense de Pacaraima, na fronteira com a Venezuela, que levou à expulsão de 1.200 venezuelanos do Brasil.
O relatório ainda cita a situação de venezuelanos em algumas ilhas do Caribe, onde imigrantes foram detidos e deportados para seu país.
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De acordo com Tamara Taraciuk Broner, uma das autoras do estudo, a região precisa implementar uma resposta unificada à crise, enquanto cada país avalia se concede ou não status de refugiado aos venezuelanos.
— A situação na Venezuela e a crise de migração são tão grandes que hoje isto [a concessão de visto de refúgio] não deveria ser um obstáculo para o acolhimento dos venezuelanos. Precisamos de uma resposta que permita que todos os Estados acolham os venezuelanos por um tempo determinado enquanto são avaliados cada caso particular. Essa é a maneira mais eficiente de lidar com uma crise deste tamanho.
De acordo com o Estatuto do Refugiado, incorporado à legislação brasileira, o status de refúgio é consequência "de um fundado temor de perseguição racial, religiosa, política ou por outras motivações".
A definição foi ampliada pela Declaração de Cartagena (1984), também inserida no ordenamento jurídico brasileiro, que considera refugiado a pessoa que foge de "violação maciça de direitos humanos ou outras circunstâncias que tenham perturbado gravemente a ordem pública". Essa definição foi utilizada pela ministra Rosa Weber, do STF (Supremo Tribunal Federal), para barrar o fechamento da fronteira em Roraima e para cobrar o "dever de proteção humanitária" do Estado brasileiro com os venezuelanos.
Para superar os diferentes tratamentos recebidos pelos venezuelanos na América Latina, a HRW afirma ser necessária uma resposta regional que concedam autorização imediata os imigrantes para viver nos países, sem risco de deportação, enquanto são avaliados cada caso particularmente, explica Broner.
— Há países que possuem autorizações especiais [de permanência] para um certo período de tempo. O grande tema é que até hoje cada governo adotou as medidas que lhe pareceram convenientes para sua situação. Mas não estamos falando de uma crise que afeta um país ou outro. Essa é uma crise sem precedentes que afeta a toda a região. Por isso dizemos que é importante que a resposta seja uniforme e coordenada.~
A organização ressalta que a situação irregular de muitos venezuelanos nos países da região dificulta a inserção dos imigrantes no mercado de trabalho, o envio de seus filhos à escola e o acesso a serviços de saúde.
O documento da Human Rights Watch foi produzido a partir de dezenas de entrevistas realizadas na fronteira da Venezuela com a Colômbia e o Brasil, com funcionários públicos locais, membros das Nações Unidas e venezuelanos migrantes.
“A Venezuela abriu as suas portas àqueles que fugiam de ditaduras e de um conflito armado interno na América do Sul nos anos 1970 e 1980. Seus vizinhos têm agora a oportunidade e a responsabilidade de fazer o mesmo pelo povo venezuelanos", diz José Miguel Vivanco, diretor para as Américas da HRW.