Os EUA caminham a passos largos para uma tempestade econômica
Três mudanças históricas devem remodelar a economia nos próximos anos: o envelhecimento da população, a ascensão da IA, e a reconfiguração da economia global
Internacional|Daron Acemoglu, do The New York Times
A inflação parece estar sob controle. O mercado de trabalho continua saudável. Os salários, inclusive na extremidade inferior da escala, estão aumentando. Mas isso é apenas uma calmaria. Há uma tempestade se aproximando, e os americanos não estão preparados para ela.
Em nossa direção vêm três mudanças históricas prontas para remodelar a economia dos EUA nos próximos anos: o envelhecimento da população, a ascensão da IA (inteligência artificial) e a reconfiguração da economia global.
Não deve haver surpresa, já que tudo isso está evoluindo lentamente à vista de todos. O que não foi totalmente compreendido é como essas mudanças combinadas provavelmente transformarão a vida dos trabalhadores de formas ainda não vistas desde o fim da década de 1970, quando a desigualdade salarial aumentou e os salários na extremidade inferior estagnaram ou até caíram.
Em conjunto, e se tratados corretamente, esses desafios podem refazer o trabalho e oferecer produtividade, salários e oportunidades muito maiores – algo que a revolução dos computadores prometeu e nunca cumpriu. Se administrarmos mal o momento, os empregos bons e bem pagos podem ficar mais escassos e é provável que a economia se torne menos dinâmica. Nossas decisões nos próximos cinco a dez anos determinarão o caminho que tomaremos.
O sistema político disfuncional norte-americano é cada vez mais imediatista em sua visão para o país e dificilmente nos preparará para essas mudanças. Nem a vice-presidente Kamala Harris nem o ex-presidente Donald Trump estão se concentrando nas mudanças com seriedade em sua campanha eleitoral. Não vemos planos abrangentes de nenhum dos partidos para fazer os investimentos necessários para equipar a força de trabalho americana e para lidar com os desafios que estão por vir.
A força de trabalho dos EUA nunca envelheceu tão depressa assim. Em 2000, havia cerca de 27 americanos acima de 65 anos para cada cem americanos em idade produtiva (entre 20 e 49 anos). Em 2020, esse número aumentou para 39. Em 2040, chegará a 54. Como essas mudanças são impulsionadas principalmente por um declínio na fertilidade, a força de trabalho dos EUA também começará a crescer mais devagar. Se a imigração para os Estados Unidos for reduzida, como parece provável, não importa quem vença a eleição, isso só vai contribuir para o problema do envelhecimento.
Muitos empregos na economia, como na indústria manufatureira e na construção, exigem força física e resistência, que começam a declinar à medida que o indivíduo envelhece, mesmo com as melhorias de saúde que surgiram. Os trabalhadores geralmente atingem o pico de produtividade na faixa dos 40 anos. Os jovens também são mais empreendedores e dispostos a correr riscos, algo de que muitas economias, sobretudo a americana, precisam muito.
Nas últimas três décadas, o Japão, a Alemanha e a Coreia do Sul envelheceram quase duas vezes mais rapidamente do que os Estados Unidos estão envelhecendo agora, o que significa que temos modelos a seguir. A boa notícia é que a economia desses países não cresceu mais lentamente do que a de outras nações industrializadas, e vários de seus setores dependentes de mão de obra, incluindo carros, máquinas, ferramentas e produtos químicos, não sofreram.
O motivo é simples: introduziram novas máquinas, incluindo robôs industriais e outras tecnologias de automação, para assumir tarefas que funcionários mais jovens executariam. Essas nações também investiram no treinamento de trabalhadores para que pudessem assumir as novas tarefas que complementam a automação. As montadoras alemãs reciclaram seus trabalhadores braçais para tarefas mais técnicas, como reparo, controle de qualidade e operação de máquinas digitais, enquanto lançavam mão de robôs. Como resultado, a produtividade aumentou e os salários continuaram a aumentar.
Há um cenário em que a escassez de mão de obra pode ser uma bênção para a economia dos EUA. Os salários para trabalhadores com menor escolaridade estagnaram ou mesmo diminuíram entre 1980 e meados da década de 2010. A escassez de mão de obra pode aumentá-los, especialmente se combinada com os investimentos certos em equipamentos e pessoas.
Infelizmente, não é isso que se vê nos Estados Unidos. O investimento em robôs aumentou rapidamente, mas não foi acompanhado por investimentos adequados em pessoas. A força de trabalho continua despreparada para assumir novas tarefas, incluindo trabalho técnico e de precisão avançada. Foi a escassez desses tipos de habilidades que a Taiwan Semiconductor Manufacturing Factory citou como motivo para atrasos na abertura de sua primeira fábrica de chips nos EUA. Se o país não encontrar maneiras de combinar novas máquinas com trabalhadores mais bem treinados, mais qualificados e mais adaptáveis, corre o risco de gerar sofrimento para a manufatura, que é fornecedora tradicional de empregos estáveis e de salários altos.
Existem oportunidades semelhantes, provavelmente desperdiçadas também, quando se trata de IA. Esta, de acordo com seus fãs mais fervorosos, é a mãe de todas as rupturas tecnológicas, o apogeu da era digital. No entanto, quando você tira o hype em torno dos algoritmos superinteligentes, o desafio da IA é notavelmente semelhante ao de se adaptar ao envelhecimento.
A IA é uma tecnologia da informação. Não fará seu bolo ou cortará sua grama. Nem assumirá a administração de empresas ou a investigação científica. Em vez disso, ela pode automatizar uma série de tarefas cognitivas que, normalmente, são executadas em escritórios ou na frente de um computador. Também pode fornecer melhores informações aos tomadores de decisão humanos – talvez, um dia, muito melhores.
Mas nada disso vai acontecer rapidamente. Em fevereiro de 2024, apenas cerca de 5% das empresas nos Estados Unidos relataram usar IA, e a tecnologia em si está longe de ser perfeita. (A IA do Google inicialmente teve dificuldade com perguntas como: é inteligente comer pedras?) Sua disseminação na economia será lenta e seu verdadeiro impacto não será sentido até meados da década de 2030. A natureza desse impacto dependerá da prontidão das corporações e dos trabalhadores.
Precisamos de uma estratégia nacional ampla para que a IA não seja apenas uma forma de automatizar o trabalho e deixar os trabalhadores de lado, mas que crie novas tarefas e competências para eles. Isso não se deve apenas à desigualdade que a rápida automação baseada em IA pode criar ou ao medo das elites tecnológicas de que a consequente falta de emprego faça surgir as forquilhas. Há indicações de que as novas tecnologias aumentam a produtividade de forma muito mais consistente quando se associam com os trabalhadores, permitindo que eles desempenhem melhor suas atribuições e se expandam para tarefas novas e mais sofisticadas. O ingrediente secreto das fábricas inovadoras de automóveis de Henry Ford não era simplesmente um uso mais amplo de máquinas melhores, mas também uma gama completa de tarefas técnicas para as quais os trabalhadores eram treinados, como reparo e manutenção.
A maioria de nós, hoje, está envolvida na resolução de problemas, quer se trate de um funcionário de escritório tomando decisões de empréstimo ou contratação, de um cientista ou jornalista tentando chegar ao fundo de uma questão, ou de um eletricista, carpinteiro ou artesão lidando com mau funcionamento e outros obstáculos do mundo real. A maioria pode se tornar mais produtiva e expandir seu alcance se obtiver melhores informações.
No entanto, e com o envelhecimento, parece que vamos administrar mal essa onda. A indústria está presa em uma corrida centrada na “inteligência artificial geral”, ou seja, o sonho incipiente de produzir máquinas que sejam como os humanos e possam assumir todas as tarefas que são nossas. Ela continua preocupada em usar essa tecnologia para gerar receita de anúncios digitais ou para incrementar a automação.
A verdadeira promessa da IA dificilmente se tornará realidade por si só. Exige que os modelos de IA se tornem mais especializados, mais bem alimentados por dados de maior qualidade, mais confiáveis e mais alinhados com o conhecimento existente e com as capacidades de processamento de informações dos trabalhadores. Nada disso parece estar no topo da agenda das Big Techs.
Uma política óbvia para enfrentar os desafios do envelhecimento e da IA é incentivar o treinamento de trabalhadores – por exemplo, com créditos fiscais ou subsídios de treinamento, para que possam assumir novas tarefas e empregos. O plano econômico de Kamala Harris coloca muito mais ênfase nisso do que o de Donald Trump. E muito mais ainda pode ser feito.
Não é só de preparação que os trabalhadores precisam, mas também de nossas capacidades tecnológicas. Nesse ponto, o governo federal pode desempenhar um papel importante, por exemplo, por meio de uma nova agência federal encarregada de identificar e financiar os tipos de IA que podem, de fato, aumentar a produtividade dos trabalhadores e nos ajudar a lidar com a iminente escassez de mão de obra.
A globalização pode parecer uma coisa diferente, mas há grandes paralelos. A era da globalização rápida, geral e irrestrita que se seguiu ao colapso da União Soviética acabou. Beneficiou os consumidores ocidentais e as corporações multinacionais, que obtiveram acesso a mão de obra barata no exterior. Os trabalhadores, nem tanto.
O que substituirá a globalização não é tão claro. Pode ser um sistema fragmentado, no qual os países negociam com aliados e amigos, com fluxos amplamente semelhantes ao que estamos vendo hoje (digamos, menos da China e mais do Vietnã). Pode ser um sistema com tarifas altas e muito menos comércio. Também pode ser uma combinação de restrições comerciais e políticas industriais, como a Lei de Redução da Inflação do governo Biden e a Lei dos Chips, que são projetadas para incentivar mais investimentos e manufatura, especialmente em eletrônicos avançados, carros elétricos e tecnologias renováveis, para que as empresas permaneçam nos EUA ou venham para o país.
Essa mudança também é lenta e tem implicações significativas para os trabalhadores. A promessa de novas instalações industriais pode levar a novas oportunidades de emprego e possivelmente a salários mais altos. Por outro lado, novas competências de fabricação não podem ser construídas da noite para o dia, e a escassez de habilidades pode sufocar a renovação industrial. Infelizmente, mais uma vez, os Estados Unidos, e especialmente sua força de trabalho, não estão prontos.
A boa notícia aqui é que temos tempo e, se aproveitarmos as oportunidades apresentadas pelo envelhecimento, pela IA e pela nova globalização, todas elas podem servir para melhorar umas às outras. As habilidades de que empregadores e escolas precisam para lidar com cada uma dessas grandes mudanças são semelhantes. Além disso, o tipo certo de IA pode nos ajudar muito a navegar pelos desafios impostos pelo envelhecimento e pela reformulação da globalização.
A má notícia é que essas questões não estão recebendo a atenção que merecem, embora sejam muito mais importantes para nosso futuro do que debates sobre aumento abusivo de preços, impostos sobre gorjetas ou se a inflação está um ponto mais alta ou um ponto mais baixa. A menos que nos concentremos nelas e atuemos de forma decisiva, não serão apenas mal administradas, mas também podem significar um futuro mais terrível para o trabalho.
(Daron Acemoglu é professor do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, coautor de “Why Nations Fail: The Origins of Power, Prosperity, and Poverty” e vencedor do Prêmio Nobel de Economia de 2024, partilhado com dois outros investigadores acadêmicos, Simon Johnson e James Robinson.)
c. 2024 The New York Times Company