Pandemia de coronavírus gera surto de racismo contra asiáticos
Comunidades asiáticas no mundo foram alvo de violência física e verbal e segregação depois que vírus foi considerado uma 'doença chinesa'
Internacional|Giovanna Orlando, do R7
A pandemia de coronavírus já deixou mais de mil mortos pelo mundo e cerca de 130 mil infectados, com mais de 100 casos no Brasil.
Ainda não se sabe o que gerou o vírus, que começou na China e se espalhou pelo mundo, mas casos assim, inevitavelmente, ajudam na disseminação de outro problema: a xenofobia.
Desde janeiro, quando a doença estourou em Wuhan, na China, e se espalhou por 114 países, chineses e outros membros da comunidade asiática pelo mundo se tornaram alvo de agressões físicas e verbais, segregação e comentários ofensivos pela internet.
No começo de março, um estudante de Cingapura foi agredido em um ataque racista no Reino Unido. Pelas redes sociais, não é difícil encontrar registros de agressões contra a comunidade chinesa e casos de bullying em escolas.
O medo do coronavírus inflou ódio contra pessoas que nem tinham viajado recentemente para a China, mas simplesmente por terem traços caracteristicamente asiáticos, se tornaram alvos.
Fotos demais de chineses com máscaras
Desde que as primeiras notícias começaram a sair, fotos de asiáticos ilustram as matérias sobre casos em outros países e descobertas sobre a doença. O uso de imagens de chineses com máscaras acabou tornando a comunidade o “rosto” da pandemia.
Um dos casos mais comentados nas redes sociais foi quando o jornal norte-americano New York Post anunciou, em 1º de março, o primeiro caso de coronavírus em Nova York, na ilha de Manhattan. Na matéria é explicado que a paciente é uma mulher que tinha voltado do Irã, mas a foto usada era a de um homem chinês em outro bairro da cidade.
Outros veículos de imprensa também usaram fotos de chineses em diversas matérias, mesmo quando a doença era importada de outro país, mas acabaram trocando a imagem depois das críticas.
Nos Estados Unidos, a pandemia fez com que o presidente Trump anunciasse restrição de viagens a Europa e decretasse estado de emergência em todo o país. Ainda assim, o líder do partido republicano Kevin McCarthy, se referiu ao coronavírus como sendo “o coronavírus chinês” e foi acusado de xenofobia.
No Brasil, um condomínio postou um comunicado em que segregava os chineses que moram no prédio e alerta sobre novos funcionários chineses e as medidas de segurança que eles, em específico, tinham que tomar.
Quando a doença enfim chegou ao país, no final de fevereiro, veio importada da Itália. Dos 52 casos confirmados no Brasil, nenhum veio da China. Ainda assim, a comunidade asiática no Brasil foi alvo de comentários racistas.
De ‘minoria modelo' para ameaça
Ainda que casos de violência contra asiáticos no Brasil não sejam tão comuns, o cineasta e ativista Hugo Katsuo diz que a comunidade sempre teve uma história complexa no país.
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“Sempre existiu discriminação, desde antes da imigração amarela para o Brasil. Tanto que houve, na época, um debate intenso sobre a entrada ou não de imigrantes amarelos no país. Atualmente, somos vistos geralmente como a minoria modelo. Em outras palavras, a minoria que deu certo, a minoria que é trabalhadora, inteligente e esforçada”, explica.
Porém, essa imagem muda em casos de crise, como a do coronavírus. “Dependendo do contexto podemos ser também o ‘perigo amarelo”, afirma.
Perigo amarelo é o termo usado para explicar o medo e insegurança que países ocidentais tem do Extremo Oriente e enxergam os asiáticos como ameaças, diz Katsuo.
Hábitos alimentares na mira
Ainda não se sabe o que causou o coronavírus, mas acredita-se que foi causado pelo consumo de carne de animais exóticos vendidos em um mercado em Wuhan, na província de Hubei. A suspeita foi o suficiente para que especulações e boatos surgissem sobre quais comidas seriam as responsáveis e falar sobre os hábitos alimentares dos chineses.
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“De uma hora para a outra, a imagem de uma comunidade amarela que é inteligente, esforçada, trabalhadora, educada, etc, desapareceu e deu lugar a um outro imaginário. As pessoas passam a associar pessoas amarelas a comidas como a da fake news da ‘sopa de morcego’, associam à doenças, à tradições nojentas”, analisa Katsuo. “O coronavírus foi racializado também, ele foi visto como uma ‘doença asiática’ antes de qualquer coisa”.
Com a violência, as ameaças, a segregação e as encaradas nas ruas e no transporte público, Hugo reforça a necessidade de uma rede de apoio e de ajuda.
“Eu, até agora, não sofri nenhum e não sei como eu reagiria caso sofresse. O que eu os vi fazendo foi procurar na nossa rede de apoio, na nossa militância, um lugar para desabafar e procurar ajuda. Acho que é um momento de nos mantermos cada vez mais unidos, nos organizarmos melhor e criarmos mecanismos de defesa contra essas situações”, conclui.