Por que Harry revela cada vez mais segredos da família real?
Livro de memórias do filho caçula do rei Charles e Diana contém o mais novo episódio de exposição da popular monarquia britânica
Internacional|Lucas Ferreira, do R7
O príncipe Harry, filho do rei Charles e da princesa Diana, lançou nesta semana o livro de memórias O que Sobra. A publicação, que conta histórias íntimas do monarca, também revela momentos de brigas com William, conversas com o pai sobre Camilla e até relações com mulheres mais velhas e uso de drogas.
O livro é mais uma das tantas revelações que Harry fez tanto sobre a vida pessoal quanto sobre a família real. Entrevistas para grandes canais norte-americanos e britânicos e séries documentais sobre o relacionamento com Meghan Markle são alguns dos episódios que expuseram a monarquia britânica.
Em entrevista ao R7, a professora de relações internacionais da ESPM Carolina Pavese disse acreditar que as constantes entrevistas de Harry tenham um ar de vingança ou até mesmo sejam uma forma de lidar com traumas criados ao longo dos anos.
“Tem uma questão pessoal de um indivíduo com questões mal resolvidas no seu núcleo familiar e que sente uma necessidade agora de expor ao público isso como uma forma, talvez, de se vingar ou uma forma de tentar lidar com esses traumas e com essas questões”, afirma Pavese.
A professora também ressalta que a monarquia britânica, como instituição conservadora, cheia de tradições e repleta de segredos, carrega “muitas controvérsias”, o que pode ter contribuído para uma alta carga emocional em Harry.
“Certamente a vivência de Harry dentro desse núcleo familiar muito atípico, peculiar e único, carrega uma série de memórias não só positivas, mas também alguns traumas. Sobretudo relacionados à morte da mãe, ao casamento do pai, à ligação com o irmão e com o casamento dele mesmo com Meghan.”
O também docente de relações internacionais da ESPM Fábio de Andrade levanta a hipótese da dinâmica de sucessão ao trono ser uma questão para Harry. O filho mais novo de Charles e Diana nasceu sabendo que dificilmente seria rei, já que o primogênito do núcleo familiar é William.
“Não é incomum na história, seja do trono britânico, seja de outros tronos, a disputa entre o primogênito e o filho mais novo. Acho que essa é uma explicação possível [para as revelações]”, comenta Andrade.
Além das questões da infância, como a morte da mãe e a própria estrutura da monarquia, nos últimos anos os conflitos entre Meghan e a família real acrescentaram mais uma pitada no caldo apimentado de Harry com a monarquia, segundo o professor.
“Harry se casou com alguém que não é da linha sucessória, que não é das famílias reais, é uma plebeia, uma plebeia negra, e basicamente sofre com isso. Tanto ele quanto a mulher sofrem preconceito.”
A historiadora e idealizadora do perfil Royalty and Protocol, Astrid Beatriz Bodstein, reforça que o comportamento atual de Harry, visto como rebelde pela imprensa britânica durante toda a vida, é um reflexo do que foi durante a juventude.
“Esses ataques [à família real] se tornam previsíveis tendo em vista o histórico de instabilidade, que na maior parte do tempo mostra a falta de compromisso com a posição em que ele nasceu, foi criado e viveu a maior parte da sua vida adulta”, diz Bodstein.
Quais são os objetivos de Harry?
As inúmeras entrevistas do duque de Sussex à imprensa em que conta a própria vida não são em vão. De acordo com Bodstein, existem dois objetivos para Harry com essas revelações: notoriedade e dinheiro.
“Não tenho dúvidas que o objetivo é duplo: notoriedade, mais do que a que ele já possui pelo próprio nascimento, e aquisição de valores. Não vejo outra justificativa. Não acredito que tem a ver com busca por justiça ou busca por reparo de algo que tenha sido feito contra ele, até porque esse não é o caminho mais indicado.”
Para a publicação de O que Sobra, Harry recebeu cerca de R$ 110 milhões de uma editora anglo-americana com direitos sobre a obra. Além do livro, uma série para uma empresa de streaming aumentou a conta bancária dos duques de Sussex.
“Então, por meio de controvérsias, se colocando como, de certa forma, até uma vítima, Harry consegue capitalizar essa tensão, esse destaque na sociedade, não só britânica, mas sobretudo na sociedade americana, e isso é uma forma não só de se firmarem enquanto celebridades, mas também de se capitalizarem financeiramente”, comenta Pavese.
O comportamento do casal Harry e Meghan tem dois impactos, na visão da professora da ESPM. O primeiro é um afastamento constante da família real e o segundo, como consequência, a queda de popularidade dos dois diante da sociedade britânica.
“A cada vez que Harry surge com um novo escândalo, com uma nova polêmica, sempre envolvendo também uma oportunidade financeira, a popularidade dele na sociedade britânica despenca. Inclusive, há uma forte pressão para que seja retirado o título [real] dele e da Meghan.”
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A monarquia, por sua vez, como instituição, não costuma comentar acusações feitas por membros ou pela mídia. Os comentários de Harry tampouco chegam aos pés das polêmicas vividas por Charles, acusado de trair Diana com a atual esposa, ou o acordo assinado por Andrew para encerrar uma ação na Justiça dos EUA por um escândalo sexual com uma menor de idade.
Para Andrade, com exceção de Elizabeth 2ª, que sempre foi uma mulher discreta e se manteve dentro da rígida etiqueta real, quase todos os membros da monarquia passaram por críticas públicas, sem manchar profundamente a imagem da instituição centenária.
“Entenderia dizer que o impacto real é zero. Pode ter algum dano de imagem, sobretudo na medida em que forem vinculadas questões mais sobretudo racismo, mas é pouco provável que [as revelações de Harry] tenham algum impacto em termos de mudança da estrutura, do estado, de atribuições”, ressalta Andrade.
“Tenho a crença que as classes sociais britânicas que contam, as classes sociais que dão sustentação à monarquia britânica, não se deixam e não se deixarão levar por esse tipo de declaração que é altamente percebida como sendo revanchista”, conclui Bodstein.