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Por que os conflitos de hoje giram em torno das sanções econômicas

Alternativas a ofensivas militares, sanções econômicas e diplomáticas cresceram nos últimos anos, mas seus resultados são questionáveis

Internacional|Mariana Ghirello, do R7

Conselho de Segurança da ONU reunido
Conselho de Segurança da ONU reunido

Nos últimos anos o mundo viu o número de sanções internacionais aumentarem, com anúncios quase semanais de medidas deste tipo sendo tomadas entre países que, se não estão em confronto aberto, vivem momentos críticos em suas relações diplomáticas, políticas ou econômicas — às vezes, tudo ao mesmo tempo.

Mas apesar de parecerem estar mais em evidência, as "sanções internacionais" existem desde o século 19. Contudo, foi a partir da criação da Liga das Nações, e posteriormente da ONU (Organizações das Nações Unidas), que elas ganharam força. Seus efeitos são conhecidos, mas o resultado fica longe do objetivo.

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As duas grandes guerras impulsionaram vários países a estabelecerem marcos legais internacionais para a manutenção da segurança e da paz mundial, com o objetivo também de solucionar conflitos sem o uso da força. Apesar de não existir uma lei específica para punições, as sanções são como "avisos" do descumprimento destas regras.


Alternativa ao uso da força militar

As sanções internacionais funcionam como alternativas ao uso da força militar e podem ser divididas em três grandes blocos, como explica o professor da escola de Relações Internacionais da FGV, Pedro Brites. Segundo o especialista, elas possuem ainda um caráter pedagógico.

"Existem as sanções econômicas, comerciais, financeiras, e para investimentos. As militares, que abragem o embargo militar, como por exemplo a restrição a movimentação de tropas. E ainda as diplomáticas, podem incluir proibição de vistos, ou proibir que países participem de blocos", exemplifica.


Brites comenta ainda que existem as sanções podem ser desportivas, que podem ser tomadas unilateralmente ou multinalteralmente, ou seja, por vários países, de impedir a participação em eventos mundiais por equipes de países sancionados.

Quem pode aplicar?

As sanções podem ser decididas por um país, de maneira individual, contra outro país, como por exemplo, as sanções comerciais determinadas pelos Estados Unidos contra a China. A China, por exemplo, após sanções pelos EUA sobre alguns de seus produtos, recorreu à OMC (Organização Mundial de Comércio).


O professor Brites explica que não existe um tribunal que possa julgar este tipo de sanção, então cabe ao país que se sentir lesado procurar os órgãos relacionados ao assunto. "Não existe um tribunal específico ou que abarque todas as sanções, mas no caso de sanções comerciais, o tema pode ser levado à OMC", reforça.

Outra instância que pode aplicar sanções é o Conselho de Segurança da ONU. Ele é formado por 15 membros: cinco permanentes, que possuem o direito a veto – Estados Unidos, Rússia, Reino Unido, França e China – e dez membros não-permanentes, eleitos pela Assembleia Geral das Nações Unidas, com mandato de dois anos.

Este é o único órgão da ONU que tem poder decisório, isto é, todos os membros das Nações Unidas devem aceitar e cumprir as decisões do Conselho.

Que sanções a ONU pode aplicar

Segundo a própria ONU, atualmente existem 14 regimes de sanções destinados a apoiar a solução política de conflitos, a não proliferação de armas nucleares e a luta contra o terrorismo.

Um exemplo das sanções aplicadas pelo Conselho são as que limitaram as relações comerciais da Coreia do Norte . Em 2017, a China foi obrigada a fechar grandes empresas da Coreia do Norte que existiam no país, por meio da qual Pyongyang conseguia ter acesso a capital estrangeiros. 

Já ao Irã, foram impostas medidas restritivas comerciais e diplomáticas.

Nos dois casos, a questão em debate era a transparência e também o programa nuclear dos dois países, que se recusaram a parar o enriquecimento de urânio, utilizados em bombas atômicas. 

Fila em posto de gasolina em Cuba causada pelo desabastecimento
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Efeitos no mercado

Uma das sanções mais antigas e conhecidas são os embargos econômicos impostos à Cuba. Em 1960, após a Revolução Cubana reestatizar empresas que eram privadas, os EUA aplicaram sanções econômicas que impedem parceiros comerciais de manterem relações com a ilha.

Em 2019, a Assembleia Geral da ONU chegou a solicitar que os Estados Unidos deixassem de aplicar sanções econômicas à Cuba, mas o país se negou acatar a recomendação. Com isso, Cuba continua proibida de realizar exportações ou importar produtos para o mercado interno, o que afeta diretamente a população que sofre com desabastecimento e escassez.

Durante a pandemia do novo coronavírus, em abril de 2020, uma especialista em Direitos Humanos da ONU chegou solicitar novamente o fim das sanções econômicas para evitar crises de fome em Cuba, na Venezuela, no Irã, na Síria e no Zimbábue.

"A história mostrou que sanções econômicas unilaterais geralmente têm impactos dramáticos e prejudiciais sobre os direitos econômicos, sociais e culturais. Como resultado, o bem-estar das populações civis fica seriamente comprometido", disse Hilal Elver, relatora especial da ONU para o direito à alimentação. 

As sanções foram questionadas também pelo ex-secretario geral da ONU, Kofi Annan, morto em 2018. Na ocasião, ele observou que as sanções surtiam efeitos econômicos, mas não atingiam o objetivo, de promover ou favorecer mudanças internas. Annan chegou a dizer que as sanções eram "improdutivas".

Estados Unidos e China travam guerra comercial através de sanções econômicas
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Nova guerra fria

A professora de Direito Internacional e Comparado da USP (Faculdade de Direito do Largo São Francisco), Maristela Basso explica que as as sanções podem anteceder uma guerra comercial entre dois países. E elas podem ter formas diferentes, apesar de terem o mesmo efeito.

"Ela implicam em imposição de barreiras ao comércio com aquele país que se quer atingir como aumento de alíquotas de importação, ou até mesmo proibições de importações, imposição de barreiras ao comércio como imposição de certificados e obtenção de autorizações administrativas, como licenças ambientais, sanitárias e técnicas", destaca.

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Maristela afirma que na maioria das vezes, se o país retaliado tem condições de responder, o faz com retaliações cruzadas — impondo restrições também no mesmo setor que foi retaliado ou em outro sensível para aquele país que iniciou a sanção.

A professora especialista também aponta para um crescimento da aplicações de sanções internacionais. Para ela, isso se deve principalmente ao enfraquecimento da OMC, iniciada no fim da gestão do ex-presidente Barack Obama e mantida no governo de Trump.

"Depois da criação da OMC, em 1995, as sanções diminuíram porque foram proibidas pela organização. Mas elas voltaram no governo de Donald Trump que enfraqueceu a OMC, deixando o órgão de solução de controvérsias e onde se discutiam as retaliações, inoperante", reforça.

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A professora complementa que essa tendência de crescimento das sanções mostram uma forma de solucionar disputas e controvérsias questionável, o bilateralismo. Contudo, ela afirma que é no multilateralismo que o mundo precisa apostar.

"[As sanções] quebram o equilíbrio comercial, geram contra retaliações e enfraquecem o multilateralismo, pondo o foco no bilateralismo que estava superado desde pelo menos 1995", alerta.

Ao comentar especificamente a guerra comercial travada entre Estados Unidos e china através das sanções, ela diz que com essas medidas "perdemos todos". "Nesse novo tipo de guerra fria, muito provavelmente, pode não haver nenhum vitorioso", finaliza. 

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