Prato de indiretas: como o cardápio transmite mensagem política em jantares diplomáticos
Pesquisadores portugueses demonstraram que as refeições podem desempenhar um papel importante na política externa de um país
Internacional|Do R7
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A comida serve como ferramenta para comunicar posicionamentos políticos, cultivar a compreensão intercultural ou, se necessário, criar tensões. Os cardápios podem refletir essas intenções usando a refeição para gerar efeitos psicológicos específicos e transmitir mensagens simbólicas durante um jantar oficial com políticos, diplomatas e autoridades. Essa é a conclusão de um estudo publicado agora na Frontiers in Political Sciences.
“Os menus podem ser intencionalmente concebidos para transmitir mensagens políticas e comunicar aspectos não gastronômicos. Por exemplo, a refeição da COP25 em Madri utilizou nomes de pratos como ‘Mares quentes. Desequilíbrio alimentar’ e ‘Urgente. Minimizar a proteína animal’ para chamar a atenção para as questões climáticas”, afirma Óscar Cabral, primeiro autor do artigo publicado na revista científica e pesquisador em ciências gastronômicas no Basque Culinary Center.
Para se chegar a essa conclusão, pesquisadores em Portugal examinaram 457 cardápios de jantares diplomáticos, banquetes de Estado e recepções realizadas ao longo dos séculos XX e XXI para descobrir como as refeições refletiam e moldavam a política externa e a geopolítica portuguesas.
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Embora não tenha sido possível identificar uma estratégia culinária diplomática ou uma política pública claramente estruturada, certos períodos históricos apresentaram características distintas.
Durante a primeira metade do século XX, refeições suntuosas de nove ou dez pratos, com destaque para a culinária francesa, eram a norma. A introdução de produtos portugueses ocorreu gradualmente ao longo da segunda metade do século XX. Um ponto de virada aconteceu entre os anos 1950 e 1961/62, durante o período do Estado Novo português.
“Observamos uma mudança fundamental em direção à inclusão e promoção de produtos portugueses, do território e do regionalismo culinário”, afirmou Cabral. Nesse período, as refeições foram concebidas para refletir um gastronacionalismo emergente, ou seja, o uso da comida para promover a identidade nacional. “Isso se cristalizou no ‘almoço regional’ de 1957 para a rainha Elizabeth 2ª, que foi idealizado para transmitir um senso de território e ‘portugalidade’”. Os pratos incluíam lagosta e tortas de frutas das cidades portuguesas de Peniche e Alcobaça.

Durante as décadas de 1960 e 70, as refeições diplomáticas passaram a incluir cada vez mais ingredientes raros, como a sopa de tartaruga servida ao Príncipe Filipe, duque de Edimburgo, em 1973, ou a truta dos Açores servida aos presidentes americano e francês em 1971. Contudo, por volta da mesma época, produtos tipicamente portugueses podem ter sido incluídos devido à dificuldade em obter alternativas mais exclusivas em tempos de crises econômicas e energéticas, que em Portugal se prolongaram para além da década de 1970.
Outra mudança nos cardápios ocorreu quando as antigas colônias portuguesas conquistaram sua independência. A compreensão do que era a culinária portuguesa se transformou. Por exemplo, o café passou a ser chamado simplesmente de café, sem indicação de seu país de origem – e a linguagem colonial foi abolida.
A equipe de pesquisadores identificou cinco funções para as refeições diplomáticas.
- Refeições táticas geralmente se relacionam a transferências territoriais;
- Refeições geopolíticas visam renovar e confirmar alianças.
- Refeições de diplomacia econômica têm como objetivo fomentar relações comerciais e financeiras.
- Refeições de cooperação científica, cultural e para o desenvolvimento podem ser organizadas para demonstrar interesses comuns.
- Refeições de proximidade cultural podem ser uma ferramenta para fortalecer laços culturais com países específicos, por exemplo, países de língua portuguesa ao redor do mundo.
“Ao fortalecer esses laços, os cardápios incluem intencionalmente produtos intimamente ligados a uma gastronomia nacional compartilhada, como o Cozido à Portuguesa ou receitas com bacalhau”, diz Cabral.
“Essas refeições desempenham um papel significativo como instituições diplomáticas na execução e continuidade da política externa portuguesa. Elas demonstram como as práticas culinárias e gastronômicas facilitaram as negociações diplomáticas e proporcionaram oportunidades para o intercâmbio cultural, a comunicação política e a disseminação da cultura portuguesa”, acrescenta.
“O nosso estudo ilustra como as cozinhas nacionais podem ser utilizadas estrategicamente para fortalecer a posição global de um país”, conclui.
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