Preço do metrô foi só gatilho para Chile protestar contra desigualdade
Aposentadoria, aumento nas contas de energia elétrica e desconfiança com presidente também estão por trás de manifestações da última semana
Internacional|Ana Luísa Vieira, do R7
Desigualdade social, planos de saúde com custos até três vezes maiores para as mulheres, alta de 9,2% nas contas de energia elétrica, aposentadoria cujo valor não chega ao de um salário mínimo... No Chile, o aumento no preço da passagem de metrô em Santiago foi nada mais que um gatilho para os protestos que tomaram as ruas de diversas regiões do país na última semana.
“Há ainda uma onda de desconfiança em relação ao presidente Sebastian Piñera, devido a medidas econômicas que ele tem tomado, classificadas como ‘liberais’. A economia no país não vai tão bem quanto ele costuma propagandear pelo mundo”, aponta Guilherme Frizzera, mestre em integração da América Latina pela USP (Universidade de São Paulo) e professor de Relações Internacionais na Unità Faculdade.
“Os preços têm subido, a desigualdade tem aumentado e tudo isso levou a uma convulsão social. O aumento dos preços no metrô foi o gatilho”, acrescenta o especialista.
‘Tradição’ em manifestações sociais
Como resultado da alta na tarifa anunciada por Piñera, a passagem de metrô em Santiago passaria a custar o equivalente a R$ 4,81 no horário de pico. O presidente disse que a medida obedeceu ao aumento do preço do dólar e do petróleo. A decisão gerou protestos estudantis na sexta-feira (18), duramente reprimidos pela polícia, o que levou a uma escalada de violência no fim de semana que já deixou pelo menos 11 mortos.
José Maria de Souza, doutor em Ciência Política e especialista em América Latina das Faculdades Integradas Rio Branco, de São Paulo, recorda que o Chile tem uma certa tradição quando o assunto são as manifestações sociais. “Nos últimos anos, houve protestos expressivos motivados por temas como o acesso ao ensino superior e o sistema de previdência privada no país”, diz.
Leia também
O contexto da violência no Chile
“Os atos se intensificaram e as recentes manifestações contra o aumento no preço do metrô foram um ponto de inflexão — quando se sobe o valor do combustível e do transporte público, os episódios tendem a se agravar mais rapidamente”, resume.
Na opinião de Frizzera, a polarização política que vive o país — e mesmo o continente — ajuda a explicar o fenômeno.
“É uma epidemia que vem se disseminando em toda a América Latina. Vimos episódios parecidos no Brasil, quando protestos contra o valor do transporte público em São Paulo evoluíram para ataques dos chamados ‘black blocks’; recentemente houve atos mais agressivos de revolta popular contra ajustes econômicos do governo no Equador e agora há o caso do Chile”, explica.
Exército nas ruas
Para conter os distúrbios, Sebastian Piñera decretou estado de emergência em várias regiões, autorizando a presença do Exército nas ruas pela primeira vez desde a redemocratização do país, em 1990.
“Me parece um agravamento notável da situação porque o Chile tem um histórico importante de repressão de manifestações populares pelas Forças Armadas”, assinala José Maria de Souza, das Faculdades Integradas Rio Branco.
O presidente chileno chegou a afirmar que seu país estava “em guerra contra um inimigo poderoso, implacável, que não respeita nada nem ninguém” — uma declaração bastante grave, na opinião de Guilherme Frizzera.
“Quando um líder se coloca ‘em guerra’, ele autoriza medidas necessárias para vencer uma guerra. Agora é necessário acompanhar como o Exército irá enfrentar as manifestações nas ruas sem gerar mais violência”, reforça.
Os desafios de Piñera
Nesta segunda-feira (21), o metrô de Santiago — fechado desde sexta — voltou a funcionar parcialmente e a cidade amanheceu em relativa “calma”, depois que a Câmara dos Deputados do Chile aprovou na noite de domingo (20), em sessão de emergência, um projeto de lei para cancelar o aumento dos valores da passagem de metrô. O texto ainda precisa ser ratificado pelo Senado.
A prioridade de Piñera deve ser, agora, retomar a confiança de pelo menos parte da população. “Ainda não dá para saber quais medidas ele pode tomar sem comprometer sua própria pauta e sua reputação como líder ‘liberal’ na economia”, ressalta o professor da Unità Faculdade.
José Maria de Souza completa: “O desafio do presidente chileno é o desafio regional: afastar a crise, diminuir desigualdades sociais e gerar emprego — tudo relacionado ao crescimento econômico. No curto prazo, é lidar com essa escalada de violência e ter uma proposta — uma espécie de pacto nacional — que dê conta das demandas dos grupos mais insatisfeitos."