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Província do Canadá libera uso de drogas pesadas, e especialista afirma: ‘Medida desesperada’

Moradores da Colúmbia Britânica poderão portar pequenas doses de crack, cocaína e heroína, entre outras substâncias

Internacional|Do R7

Pessoas se drogam livremente pelas ruas do Canadá
Pessoas se drogam livremente pelas ruas do Canadá

A província da Colúmbia Britânica, no Canadá, descriminalizou na terça-feira (31) a posse de drogas como crack, cocaína, heroína, fentanil e outras substâncias que causam dependência química. A região no oeste do país, que possui 5 milhões de habitantes, seguiu medidas parecidas com as aplicadas no estado de Oregon, nos EUA, e em Portugal.

O projeto-piloto, que terá duração de três anos, prevê que adultos encontrados com até 2,5 g desse tipo de droga não serão presos ou multados, tampouco os entorpecentes serão recolhidos. As autoridades poderão apenas orientar os usuários a como acessar programas de tratamento de dependência.

Segundo dados divulgados pela agência AFP, a Colúmbia Britânica registrou mais de 10 mil mortes por overdose desde que declarou estado de emergência de saúde em 2016 — números que ultrapassam seis mortes por dia causadas por drogas.

O consumo de entorpecentes é tão grave na província que durante a primeira onda de Covid-19 no país, em maio de 2020, houve mais registros de óbitos por overdose do que por insuficiência respiratória aguda.


O psiquiatra e psicoterapeuta pelo IPq-FMUSP (Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo) Wimer Bottura acredita que essa tentativa canadense de liberação de drogas pesadas é um ato de desespero.

“A grande verdade é que, por exemplo, esse mecanismo do Canadá agora de liberar o uso dessas doses é uma medida desesperada de quem admitiu o absoluto fracasso de tudo que foi feito antes”, conta Bottura em entrevista ao R7.


O especialista conta que ao longo dos anos a preocupação com as drogas foi variando entre as substâncias. Se nos anos de 1990 o assunto era a maconha e, em seguida, foi a cocaína, hoje é o crack que domina as discussões. Entretanto, outros entorpecentes crescem rapidamente no mercado ilegal e no uso entre jovens e adultos.

“O crack está institucionalizado, mas não são só essas drogas. Tem as balas, os skanks, tem outras drogas que a gente nem conhece, porque a droga chega ao mercado antes que o profissional de saúde conheça, que a lei conheça.”


Medida canadense não deve ajudar no crescimento de tratamentos

Kits individuais são entregues aos usuários de drogas em centros de uso assistido
Kits individuais são entregues aos usuários de drogas em centros de uso assistido

Uma das explicações dadas por legisladores da Colúmbia Britânica é que a descriminalização da droga faria com que o usuário não se sentisse estigmatizado pelo consumo dos entorpecentes. Assim, a pessoa viciada teria uma maior facilidade de buscar ajuda.

Entretanto, para Bottura este é um cenário difícil de acreditar, uma vez que a maioria dos usuários não procura voluntariamente um centro de tratamento. Em grande parte dos casos, são familiares e amigos que realizam a internação contra a vontade do paciente.

“O usuário, muitas vezes, alega que quer viver em liberdade. Mas não percebe que ele não tem liberdade. Toda pessoa que depende de algo não é livre. A pessoa que depende de uma substância não é livre. Então é um paradoxo a pessoa acreditar que ela tem a liberdade de ir e vir quando usa uma droga. Ela é dependente, ela é escravizada pela própria droga.”

Em Oregon, uma medida parecida foi implantada em novembro de 2020, porém sem o impacto desejado pelas autoridades. Apesar da queda expressiva no número de prisões pelo porte de drogas, menos de 1% das pessoas abordadas pelas autoridades aceitou ajuda para tratar a dependência.

“Seu esforço para manter as pessoas longe [das drogas] falhou completamente”, disse Keith Humphreys, pesquisador de Stanford, uma das universidades mais respeitadas da costa oeste dos EUA.

Desde 2017, o Canadá investiu mais de R$ 3 bilhões em políticas públicas para conter o drama de saúde que o país enfrenta pelo consumo de drogas. Além de medicamentos que revertem overdoses, o governo federal abriu 39 locais de consumo supervisionado de drogas ao longo do território.

As autoridades estimam que mais de 42 mil mortes por consumo de entorpecentes tenham sido evitadas desde a abertura desses centros.

Bottura acredita que tudo que foi feito até agora em relação ao combate às drogas fracassou. Entretanto, é possível que erros nas políticas públicas possam servir de aprendizado e solução para futuras leis.

“Hoje, nós temos médicos, juízes, desembargadores, advogados e engenheiros que fazem autoconsumo de todo esse tipo de substância, gerando danos profundos nas suas vidas, nas suas famílias, nas suas carreiras, infelizmente”, lamenta o psiquiatra.

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