Quais são os próximos passos da guerra na Ucrânia após a conquista de Mariupol
Tomada da cidade é crucial para os objetivos russos e pode trazer um novo caminho para o conflito
Internacional|Letícia Sepúlveda, do R7
O exército russo se concentrou na conquista de Mariupol desde os primeiros dias da invasão na Ucrânia. A área tem uma importância crucial para a unidade territorial até a Crimeia, península anexada em 2014 pela Rússia, e para o controle total do Mar de Azov, saída muito estratégica.
Na última quinta-feira (21), o presidente russo Vladimir Putin confirmou que suas tropas assumiram "com sucesso" o controle da cidade. Segundo o governo municipal, cerca de 20 mil civis morreram desde a invasão. A partir dessa conquista recente, um novo caminho para o conflito pode começar a ser desenhado.
Mariupol e o fim da guerra
Para o professor Marcos Cordeiro, do curso de Relações Internacionais da Unesp (Universidade Estadual Paulista), os confrontos militares continuarão até a Rússia ter total controle das regiões de Donetsk e Lugansk.
"Os russos querem controlar todos os limites das províncias separatistas para garantir sua integridade e esse ‘cinturão’ de segurança em seu entorno, por isso acredito que a conquista de Mariupol não deve levar ao fim da guerra.”
“A tomada da cidade também é simbólica por conta dos grupos neonazistas que atuam na região, ponto que os russos têm abordado desde o início da invasão”, completa.
O professor Fernando Broncoli, do departamento de Relações Internacionais da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), também concorda que o conflito deve prosseguir. "A ideia russa agora é garantir sua permanência e influência nas regiões separatistas, e Mariupol tem um papel importante nesse contexto."
"A partir de agora, acredito que teremos um conflito em que os dois lados já não avançam muito, provavelmente a Rússia vai conseguir ocupar de forma mais potente a parte leste da Ucrânia e, dificilmente, teremos o cessar completo das violências."
A vice-primeira-ministra ucraniana Iryna Vereshchuk disse na última quarta-feira (20) que o corredor humanitário que deveria retirar civis de Mariupol no mesmo dia "não funcionou".
Segundo ela, "os ocupantes não puderam garantir um cessar-fogo adequado e, pela desorganização e negligência, não foram capazes de proporcionar um transporte rápido de pessoas até o ponto onde dezenas de nossos ônibus e ambulâncias estavam esperando".
Desde o último sábado (16), nenhum corredor humanitário foi criado na Ucrânia para a retirada de civis. Na cidade de Mariupol, muitas pessoas disseram enfrentar a falta de alimentos, água e outros itens de necessidade básica.
Consolidação de territórios
A tomada de novos territórios passa pelo reconhecimento das conquistas militares. Apesar da anexação, a península da Crimeia não foi reconhecida pela Ucrânia e pela comunidade internacional como parte da Rússia.
“Para a guerra terminar, os russos precisam ter algum ganho, nem que seja o reconhecimento da Crimeia, para não saírem da Ucrânia com uma imagem de derrota”, afirma Demetrius Pereira, professor do curso de Relações Internacionais da ESPM.
“A Rússia deve buscar um acordo de paz para consolidar os territórios que já conquistaram, isso envolve a Crimeia, Donetsk, Lugansk e Mariupol", aponta o especialista. “Eu acredito que os russos pensam em terminar o conflito desde que a Ucrânia esteja disposta a ceder.”
Guerra e paz
De acordo com a hipótese de que o objetivo da Rússia é controlar a região do Donbass, parece que a guerra está perto de acabar. Entretanto, o professor Marcos Cordeiro explica que o exército ucraniano pode não se contentar em perder parte de seu território e, além disso, ações militares podem contestar essa possível ocupação ao longo dos anos.
“A história mostra que uma coisa é a vitória militar, outra bem diferente é a garantia da paz e da estabilidade na região. A grande questão política é saber criar um novo consenso”, aponta.
Para o professor Fernando Broncoli, "os russos podem até tentar costurar acordos e alegar que estão voltando às mesas de negociações, mas tenho várias dúvidas do quanto irão conseguir garantir que essas medidas estabelecidas sejam respeitadas".
Em relação à flexibilização ucraniana sobre sua integridade territorial, o especialista ressalta: "sempre que um país tem que abrir mão de um território que considerava seu é uma derrota tremenda".
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Novas sanções
“Uma guerra como essa é uma operação militar que se planeja por meses e, naturalmente, uma das consequências da guerra é a retaliação política por meio de sanções”, ressalta Cordeiro.
O especialista acredita que o governo russo já havia se preparado para as ações ocidentais, para que não impedissem seu avanço militar, como o que acontece atualmente com a forte ofensiva no leste ucraniano.
“As sanções de fato criam em um curto prazo um problema muito grande para a Rússia, mas se o Ocidente quisesse intensificar esse problema, boicotaria o petróleo e o gás russos. Entretanto, não conseguem fazer isso porque muitos países europeus dependem dos combustíveis.”
“A Rússia já está sendo sancionada desde 2014, quando tomou a Crimeia. Nesses oito anos, o país criou mecanismos para levar seu gás para a China, para em última instância se proteger de um bloqueio total da Europa.”