Qual é o papel da China em relação ao conflito entre Rússia e Ucrânia?
Potência econômica e militar se vê dividida entre interesses políticos e estratégicos diante da pressão internacional
Internacional|Letícia Sepúlveda, do R7
A China, grande parceira política da Rússia, está em evidência nas discussões diplomáticas sobre o atual avanço militar dos russos na Ucrânia. A posição do país asiático durante a Assembleia-Geral das Nações Unidas sobre o conflito foi muito aguardada. Entretanto, Pequim decidiu se abster da resolução que condenava a invasão do território ucraniano, uma posição que diz muito sobre o dilema enfrentado por Pequim.
Enquanto se encontra pressionada pelos países ocidentais para se opor à ofensiva militar, mas estrategicamente vinculada à política russa, a China, segundo o ministro das Relações Exteriores do país, Wang Yi, está “do lado certo da história” em relação à crise. Mas qual seria essa posição?
Alexandre Uehara, especialista em relações internacionais e professor da ESPM, afirma que o “lado certo” está ligado à posição pragmática que o país adota diante da situação.
“A China tem interesse em manter relações com a Rússia por questões geopolíticas, mas os Estados Unidos são seu principal parceiro econômico. O país não tem como abrir mão da Rússia, grande parceira estratégica, ao mesmo tempo que só se tornou a segunda maior economia do mundo porque manteve relações econômicas importantes com o Ocidente”, explica.
De acordo com Alana Camoça, professora de relações internacionais da UFRJ e pesquisadora do LabChina-UFRJ, a principal consequência para a China em relação ao conflito entre Rússia e Ucrânia está ligada à área política. "A guerra traz problemas para a legitimidade chinesa no âmbito internacional, já que o país é visto do lado oposto ao do Ocidente, porque tem se colocado como neutro."
"Além disso, a China vem tentando, há algum tempo, reconstruir sua imagem internacional enquanto um país pacífico e respeitador da ordem internacional, e esse conflito tem minado esses esforços."
Essa neutralidade também conversa com as ações adotadas pela Rússia em relação à expansão da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) para perto de suas fronteiras, que também interessa à China, na medida em que seu crescimento econômico deixou em alerta os países europeus e os Estados Unidos.
Uehara explica que "os americanos aplicam estratégias de contenção da China há algum tempo. O Diálogo Quadrilateral de Segurança, formado por EUA, Índia, Japão e Austrália, claramente mostra o receio que esses países têm em relação ao avanço chinês. Além disso, a China vem expandindo seu mecanismo de defesa”.
Diante do impasse no Leste Europeu, o apoio internacional se mostra essencial para a Ucrânia. Nesse contexto, a China assume mais uma grande significância, uma vez que, após seu grande crescimento econômico, ultrapassou o Japão e se tornou a principal referência para os outros países asiáticos, muito dependentes de sua parceria comercial.
O antagonismo com os chineses, portanto, não é interessante para essas regiões. Além disso, elas sofrem a intimidação de todo o poderio militar.
Papel mediador
Pelo fato de os interesses chineses estarem relacionados tanto à sua aliança geopolítica com a Rússia como à sua estreita relação com o Ocidente, surge o debate sobre o papel mediador da China para o alcance do cessar-fogo no Leste Europeu.
Por um lado, o país se mostra interessado em assumir esse papel mediador, que seria benéfico para sua legitimidade internacional e para encerrar um conflito que prejudica seus objetivos políticos e econômicos. Por outro, enfrenta o impasse de abandonar seu posicionamento de neutralidade.
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"O país tem capacidade de diálogo, mas é preciso ter uma espécie de triangulação ao lado da Rússia e dos EUA, com quem os chineses têm tensões. São necessários canais de diálogo e visões que saiam desse maniqueísmo (bem X mal), como no espírito da Guerra Fria, para que comecem a pensar de forma pragmática sobre esse conflito", explica a professora da UFRJ.
"Se a China tomasse um dos lados, sua pressão contra a Rússia poderia fazer Moscou recuar, até porque os dois países têm relações econômicas muito profundas. Essa dependência do gigante asiático poderia ser um grande problema para os russos, que estão ficando cada vez mais isolados na arena internacional", explica. "Mas não vejo a China disposta a se movimentar nesse sentido."
Guerra de informações
Em uma guerra moderna, em que as notícias circulam em tempo real e em grande quantidade, as informações se mostram valiosas. A China e a Rússia exercem uma política interna parecida em relação à liberdade de imprensa e ao acesso que a população pode ter a determinadas notícias. Entretanto, para Alana Camoça, essa semelhança não é o que define a relação estreita entre os países.
"A posição da China é muito mais prática em relação aos interesses geoeconômicos e políticos que estão em jogo do que por afinidade com a política interna russa."
Para ela, "também é importante ponderar que a guerra de informação acontece tanto dentro quanto fora do ponto de vista interno. Apesar de os chineses falarem que buscam uma mediação, ainda assim são vistos de forma negativa pelos maiores fluxos midiáticos, assim como os russos".
Armas nucleares
O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, subiu o tom em suas afirmações e declarou que claramente a Rússia está considerando o uso de armas químicas e biológicas no território ucraniano. A declaração ocorreu com a intensificação dos ataques russos à Ucrânia, ao lado das grandes sanções econômicas aplicadas pelos países ocidentais contra Moscou.
Entre as duas grandes potências militares, o papel da China de novo chama a atenção da diplomacia mundial. Para Uehara, tal medida não se alinha aos interesses chineses.
"Não sabemos qual é o limite do presidente Putin em termos de escalar o conflito. A Rússia tem armamentos nucleares táticos, bombas nucleares com capacidade de causar destruição localizada. Já a China, país com arsenal nuclear, não mostrou interesse em colaborar nesse sentido. Isso poderia gerar sanções dos países ocidentais, o que foge de seus objetivos.”
Tais sanções, entretanto, poderiam ser prejudiciais para os dois lados. "Em um futuro próximo, a China pode ser a maior economia do mundo, ela também é muito importante para os Estados Unidos e para a Europa. Os chineses possuem meios de retaliar a arena internacional, onde jogam o jogo das grandes potências", conclui Camoça.