Reino Unido registra crescimento no número de crimes com facas

Um esfaqueamento em um trem que deixou nove pessoas com ferimentos graves no fim de semana reacendeu o foco sobre o problema generalizado do crime com facas no Reino Unido.

Um britânico de 32 anos foi acusado de 10 tentativas de homicídio relacionadas ao ataque, que ocorreu em um trem que viajava pelo centro da Inglaterra em direção a Londres na noite do último sábado (1). Ele ainda não se declarou culpado.

Políticos britânicos condenaram o ataque. A Secretária do Interior, Shabana Mahmood, disse nessa segunda-feira (3), à Câmara dos Comuns, que o crime com facas “tira muitas vidas em nosso país.”

Sucessivos governos prometeram combater o crime com facas, mas continua a ser um problema significativo num país onde o acesso a armas de fogo e outras armas é rigidamente controlado.

Um total de 51.527 crimes com facas foram registrados na Inglaterra e no País de Gales nos 12 meses até junho de 2025, excluindo a região da Grande Manchester, de acordo com ONS (Instituto Nacional de Pesquisas Britânico). Destes crimes, 196 foram homicídios, afirmou o ONS.

É notável que o número total de crimes com facas registrados no ano que antecedeu junho de 2025 caiu 5% em comparação com o ano anterior.

Quão comuns são os esfaqueamentos fatais no Reino Unido?

Embora a questão do crime com facas seja uma “séria preocupação social”, “não deve ser uma fonte de histeria moral”, disse Iain Overton, diretor executivo da organização não-governamental Action on Armed Violence, à CNN Internacional na segunda-feira.

De março de 2023 a março de 2024, 570 homicídios ocorreram na Inglaterra e no País de Gales, de acordo com o ONS, com 262 homicídios cometidos usando uma faca ou outro instrumento cortante.

O instrumento mais comumente usado nestes homicídios foi uma faca de cozinha, disse o ONS. Tiroteios mataram apenas 22 das vítimas.

Um total de 64 adolescentes com idades entre 13 e 19 anos foram mortos neste período, disse o ONS, com 83% dessas vítimas sendo mortas por uma faca ou instrumento cortante.

Como nem todos os crimes com facas são comunicados à polícia, os dados hospitalares também podem ajudar a compreender a extensão do problema.

De abril de 2024 a 2025, houve 3.494 ocorrências em que pacientes foram internados em hospitais na Inglaterra devido a agressão por objeto cortante, de acordo com dados do NHS England. Quase 90% dos pacientes tratados eram do sexo masculino, com 16% dos pacientes com 18 anos ou menos.

A Escócia e a Irlanda do Norte registram crimes separadamente da Inglaterra e do País de Gales. Um total de 28 homicídios foram cometidos por instrumento cortante na Escócia de 2023 a 2024, e quatro na Irlanda do Norte no mesmo período.

Nos Estados Unidos, um total de 1.704 pessoas foram mortas por um “corte” ou “perfuração” em 2023, de acordo com os CDC (Centros de Controle e Prevenção de Doenças).

Este tipo de crime é resultado de “uma incisão, corte, perfuração ou punção por um instrumento, arma ou objeto pontiagudo ou cortante”, de acordo com a organização de serviço público dos EUA The National Safety Council.

A taxa de homicídios na Inglaterra e no País de Gales foi de 9,5 por milhão de pessoas no ano de março de 2023 a 2024, de acordo com o ONS. Nos EUA, a taxa foi muito mais elevada, com 68 homicídios por milhão de pessoas em 2023, de acordo com o CDC.

Na União Europeia, que abriga quase 450 milhões de pessoas, ocorreram 3.980 homicídios intencionais em 2023, de acordo com o Eurostat, o gabinete de estatística da UE.

Quais são as causas profundas do problema?

Em um relatório emitido em outubro, a Local Government Association do Reino Unido classificou o crime com facas como uma “questão multifacetada que não pode ser resolvida apenas através da aplicação da lei.”

“Privação, problemas de saúde mental, exclusão escolar e problemas familiares podem contribuir para o envolvimento de uma pessoa em crimes com facas”, disse Siddhartha Bandyopadhyay, economista e diretor do Centre for Crime, Justice and Policing da Universidade de Birmingham, à CNN Internacional na segunda-feira.

“Embora há uma década a maioria dos crimes com facas perpetrados por jovens estivesse relacionada com gangues, isso já não é o caso”, disse James Alexander, membro associado de criminologia da London Metropolitan University, à CNN Internacional.

“Era realmente previsível”, disse Alexander. “Agora com os jovens, não se consegue prever. Há pessoas envolvidas em crimes com facas, a serem presas por portarem facas ou a serem esfaqueadas ou a esfaquearem pessoas que não têm registo criminal, sem quaisquer indicações (de que poderiam cometer crimes com facas)”, disse ele.

“Com a violência, ou a ameaça dela, sendo tão generalizada na sociedade atual, muitos jovens agora carregam facas por medo da sua própria segurança”, disse Alexander. “Se se sentem ameaçados, em vez de fugirem ou lutarem sem armas, recorrem ao uso de facas, muitas vezes com consequências devastadoras”.

Alguns dos jovens que cresceram numa “cultura onde a violência é aceita” passam então a ser adultos violentos, disse Alexander.

“Há muitos jovens sem apoio que se tornam adultos sem se desenvolverem como se tivessem recebido esse apoio. Eles acabam levando suas tendências violentas para a vida adulta, o que é uma grande preocupação para muitas pessoas.”

O que está a ser feito para combater o crime com facas?

Durante a campanha para as eleições parlamentares britânicas de 2024, o Partido Trabalhista, agora no governo, prometeu tentar “reduzir pela metade o crime com facas numa década.”

De acordo com o Ministério do Interior, “quase 60 mil facas foram retiradas das ruas da Inglaterra e do País de Gales através de novos esquemas de entrega de facas e operações policiais” desde que o governo do primeiro-ministro Keir Starmer assumiu o cargo.

Armas, incluindo as chamadas facas zombie e espadas ninja, também foram proibidas, e as verificações de idade para a venda e entrega online de facas foram reforçadas, disse o Home Office.

O progresso feito este ano inclui uma queda de 5% em todos os crimes com facas, incluindo uma redução de 18% nos homicídios por faca, disse o Secretário do Interior aos legisladores na segunda-feira.

No entanto, Overton, da Action on Armed Violence, disse que embora a fiscalização ajude no combate ao crime com facas, “isto não é simplesmente uma questão policial.”

“Os cortes nos serviços de juventude e de saúde mental, a pobreza, a exclusão e a exploração de crianças por redes de tráfico de droga ajudaram a criar as condições para a violência”, disse ele. “O verdadeiro trabalho reside na prevenção: através da educação, do investimento comunitário e da intervenção precoce.”

Um exemplo de prevenção eficaz é a Operação Divan, uma iniciativa policial que visa desencorajar o porte de facas por jovens no condado inglês de North Yorkshire, disse Bandyopadhyay.

Sob a iniciativa, se houver preocupações de que um jovem possa estar a ter contato com facas, a polícia trabalhará com os serviços locais para discutir os perigos das facas com esse jovem. Isto também ajuda as autoridades a aprender mais sobre por que razão os jovens estão a interagir com facas.

Existe uma “oportunidade significativa para o desvio precoce” dos jovens do crime com facas através de “intervenções educativas voluntárias”, disse Bandyopadhyay.

Alexander, da London Metropolitan University, disse que embora tenha avaliado “bastantes intervenções incríveis” no que diz respeito ao crime com facas, estas duram muitas vezes apenas alguns anos devido à falta de financiamento.

“O governo está fazendo algumas coisas realmente práticas” no que diz respeito ao combate à venda de armas afiadas, disse Alexander. “Mas penso que, na verdade, quando se olha para muitos jovens, eles (são)... jovens bastante danificados.”

Eles precisam de apoio, continuou ele, “mas não precisa necessariamente de ser feito por um terapeuta. Eles só precisam de um espaço onde possam ser crianças” e sentir-se seguros sem a necessidade de uma faca.

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