Rússia reconhece esforço do Talibã para estabilizar Afeganistão
Nas primeiras conversações internacionais com o grupo, russos também demonstraram preocupação com sua zona de influência
Internacional|Do R7
O governo russo reconheceu em Moscou nesta quarta-feira (20) os esforços do Talibã para estabilizar o Afeganistão, mas observou que os riscos "terroristas" do país ameaçam sua zona de influência.
"Reconhecemos os esforços lançados para estabilizar a situação política e militar", disse o ministro das Relações Exteriores russo, Sergey Lavrov, na abertura das primeiras conversações internacionais com os novos líderes do Afeganistão.
O encontro, que ocorre em Moscou, contará com uma dezena de países participantes, incluindo China, Paquistão e Irã, e é mais um passo na integração do Talibã ao jogo diplomático, após os encontros da semana passada com países ocidentais no Catar e na Turquia.
Em seu discurso, o ministro russo indicou que “inúmeros grupos terroristas, em primeiro lugar o Estado Islâmico e a Al Qaeda, buscam "tirar proveito” da instabilidade do país, controlado pelo Talibã desde meados de agosto.
“Há um risco real de que as atividades terroristas e o tráfico de drogas se espalhem para os territórios dos países vizinhos”, acrescentou.
"A região da Ásia Central é uma preocupação especial para nós", disse o diplomata russo, referindo-se às ex-repúblicas soviéticas daquela região, que são aliadas próximas de Moscou.
Diante da delegação talibã, chefiada pelo vice-primeiro-ministro Abdul Salam Hanafi e pelo ministro das Relações Exteriores Amir Khan Muttaqi, Lavrov exortou a comunidade internacional a ajudar os afegãos.
Crise humanitária
Sujeito a sanções internacionais, o Talibã não tem fundos para alimentar os bancos ou pagar salários.
“Estamos convencidos de que chegou a hora da comunidade internacional fornecer ajuda humanitária financeira e econômica, para evitar uma crise humanitária e êxodos migratórios”, disse Lavrov, que lamentou a ausência de representantes dos EUA em Moscou.
O Talibã vê a reunião como um reforço "da estatura" do novo governo afegão, disse seu porta-voz Zabihullah Mujahid.
Para a Rússia, porém, representa uma oportunidade de fortalecer sua posição como potência regional na Ásia Central. Seu objetivo é estabilizar a situação política e militar, com um governo "inclusivo" que apazigua os grupos jihadistas.
Desde seu retorno ao poder em agosto, o grupo extremista tem enfrentado ameaças de grupos mais radicais do que eles, notadamente o Estado Islâmico Khorosan (IS-K), que realizou vários ataques mortais.
O presidente Vladimir Putin e outras autoridades russas expressaram na semana passada preocupação com a capacidade do Talibã de estabilizar o país e impedir o avanço de grupos jihadistas.
Putin alertou que alguns grupos estão preparando "planos para estender sua influência aos países da Ásia Central e regiões russas".
A Rússia zombou da retirada humilhante dos EUA no Afeganistão, mas teme que o caos se espalhe para seu flanco sul na Ásia Central, uma área estratégica rica em matérias-primas.
Moscou também multiplicou os exercícios militares na fronteira com o Afeganistão com seus aliados regionais no mês passado, reforçando sua base no Tadjiquistão. A China também realiza exercícios na área.
Medo de um êxodo migratório
A situação atual não é estranha para a Rússia, após a invasão soviética de 1979 a 1989, que marcou o início de décadas de guerras no Afeganistão.
Em uma reunião recente com diplomatas ocidentais no Qatar, o ministro das Relações Exteriores afegão, Amir Khan Muttaqi, advertiu que "o enfraquecimento do governo afegão não interessa a ninguém" e lembrou o risco à segurança e um êxodo migratório.
Russos, turcos, iranianos, europeus - todos querem evitar uma crise de refugiados. Putin acredita que os jihadistas aproveitariam esse êxodo para distribuir seus homens na Ásia Central e na Rússia.
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Zamir Kabulov, enviado do Kremlin ao Afeganistão, considerou que este contexto mostra que "o período de euforia" dos novos dirigentes de Cabul acabou.
Desde o retorno ao poder do Talibã, Moscou tem sido tolerante com eles, mas insiste que a estabilização do país exige que outras facções afegãs participem do exercício do poder. Além disso, não considera o reconhecimento imediato de seu governo como legítimo.