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Sangue e marcas de bala: pais visitam escola mantida intacta após tiroteio que deixou 17 mortos

Linda e Michael Schulman relatam ao R7 como foi entrar no local onde filho, professor de geografia de 35 anos, foi morto em 2018

Internacional|Sofia Pilagallo, do R7

Sala de aula em que Scott Beigel, de 35 anos, lecionava permaneceu intacta desde o tiroteio
Sala de aula em que Scott Beigel, de 35 anos, lecionava permaneceu intacta desde o tiroteio

"Senti como se meu filho tivesse sido baleado novamente." Foi assim que Linda Beigel Schulman, mãe de uma das vítimas do tiroteio de Parkland, no estado americano da Flórida, descreveu a sensação de visitar, cinco anos depois, a escola em que o filho, o professor de geografia Scott Beigel, de 35 anos, foi morto.

Em 14 de fevereiro de 2018, Nikolas Cruz, um jovem de 19 anos armado com um fuzil, invadiu a Marjory Stoneman Douglas High School, em Parkland, cidade na Flórida, e matou 17 pessoas. O tiroteio é considerado um dos mais mortais da história dos Estados Unidos.

Desde o massacre, a escola permaneceu congelada no tempo. Ao R7, Linda conta que "nada foi tocado" nem "mudado de lugar". "Havia vidro por toda parte, sangue daqueles que foram assassinados e marcas de bala."

Linda relembra que, no dia da tragédia, teve palpitações ao saber o que tinha acontecido, mas "sentia em seu coração" que Scott estava vivo. Cinco anos depois, a sensação foi outra. As palpitações retornaram, mas de maneira bem diferente.


"Eu sabia que ele estava morto e que não havia esperança. Mas eu precisava ver onde meu filho deu seu último suspiro. Eu me lembro de dizer ao Michael [marido de Linda e pai de Scott] que foi como se nosso filho tivesse sido baleado novamente", afirma Linda.

O professor de geografia Scott Beigel foi uma das 17 vítimas do massacre de Parkland
O professor de geografia Scott Beigel foi uma das 17 vítimas do massacre de Parkland

A decisão corajosa de Linda e Michael de reviver o tiroteio — e tocar nas feridas mais profundas deles — não é arbitrária. A Marjory Stoneman Douglas High School deverá ser demolida em breve, e o espaço, convertido em um memorial às vítimas. Até o dia em que a estrutura vier abaixo, os pais vêm se organizando para ter a oportunidade de visitar a escola pela última vez.


Linda e Michael visitaram a escola no dia 5 de junho. O tour foi guiado pelo promotor do caso, Michael Sacks, que explicou como tudo aconteceu, em detalhes.

Linda e Michael Schulman, pais de Scott Beigel
Linda e Michael Schulman, pais de Scott Beigel

Logo no 1º andar do prédio, eles depararam com marcas de tiro, manchas de sangue e vidro quebrado. Depois, foram para o 2º andar, onde todos escaparam com vida, por terem se abrigado em locais seguros.


Em seguida, o casal foi para o 3º andar, onde Scott foi assassinado. Em um primeiro momento, ele e os alunos acharam que havia um incêndio, porque o alarme disparou. Mas, logo depois, perceberam o que estava acontecendo, e o caos tomou conta da escola.

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"Naquele dia, conseguimos ver onde o atirador estava quando baleou Scott. E eu, pela primeira vez, entendi que meu filho ficou parado, com a porta aberta, 'abrigando' todo mundo que podia. Ao todo, ele salvou 31 crianças", diz Linda.

"Scott foi na contramão do protocolo", acrescenta Michael. "O que ele deveria ter feito era ter fechado e trancado a porta. Mas, se ele tivesse feito isso, as crianças que estavam no corredor poderiam ter sido feridas ou mortas."

Linda e Michael receberam permissão para ficar um tempo na sala de Scott e tiraram fotos de tudo aquilo que puderam. Lá, viram o computador do filho, que permaneceu entreaberto durante todo esse tempo, em cima de uma mesa com vários papéis e outros objetos espalhados. As carteiras dos alunos, com mapas-múndi e livros escolares, também ficaram intocadas, bem como os escritos na lousa.

Veja abaixo as fotos da sala em que Scott Beigel lecionava:

Várias pessoas perguntaram a Linda e Michael como eles se sentiram após a visita e se a experiência trouxe algum tipo de desfecho para o caso. E a resposta é não. Para Linda, "não existe desfecho possível e, agora, a ferida está mais aberta do que antes".

Na opinião de Michael, a visita foi ainda mais dolorosa porque ele e a esposa assistiram ao vídeo de Scott sendo baleado, um total de seis vezes, e depois caindo no chão, já sem vida. Ele afirma que "foi como assistir a um filme, com a diferença de que o herói não sobreviveu".

Injustiça

No fim da visita, Linda e Michael pediram para ir até o local onde estava Scot Peterson, um ex-delegado que era responsável pela segurança da escola no dia do tiroteio. Ele não confrontou o atirador e, por isso, foi acusado de negligência.

Peterson foi absolvido no dia 30 de junho deste ano, em um tribunal na cidade de Fort Lauderdale, na Flórida. A sentença deixou o casal, assim como outros pais, com um sentimento de revolta e injustiça.

Scot Peterson comemora resultado da sentença que o absolveu de todas as acusações
Scot Peterson comemora resultado da sentença que o absolveu de todas as acusações

"Do lugar onde Peterson estava no momento em que tudo começou, não havia como ele não saber de onde estavam vindo os tiros. Se os jurados tivessem podido visitar a escola, eles também teriam chegado a essa conclusão", diz Linda.

"Meu filho precisou de 15 segundos para fechar a porta, mas Scot Peterson não fez nada. Nosso filho fez o trabalho que ele deveria ter feito. O trabalho dele era salvar os alunos. Ele não fez nada. Ele salvou a si mesmo", acrescenta.

Peterson enfrentava dez acusações, incluindo sete de negligência infantil e três de negligência culposa, que resultaram na morte e em ferimentos de oito alunos. Na audiência final, ele se defendeu alegando que "a única pessoa culpada" pelo que aconteceu foi "aquele monstro", em referência ao atirador.

Apesar de absolvido, Peterson vai enfrentar ainda mais um processo. Um juiz aprovou, no dia 12 de julho, uma moção para usar as dependências da escola para reencenar o tiroteio perante o júri. Só então é que a estrutura poderá ser demolida e transformada em um memorial em homenagem às vítimas.

Ativismo

Depois da morte do filho, Linda e Michael passaram a se dedicar exclusivamente a conscientizar as pessoas sobre a violência armada, um problema epidêmico nos Estados Unidos. A primeira coisa que o casal fez foi criar um fundo, que recebeu o nome de Scott J. Beigel Memorial Fund.

O objetivo do fundo é enviar crianças carentes e vulneráveis que tenham sido, de alguma forma, impactadas pela violência armada — "e não há criança que não tenha sido impactada pela violência armada nos Estados Unidos", ressalta Linda — a um acampamento de verão, onde elas são mantidas longe de armas e podem escapar da realidade em que vivem, ainda que temporariamente.

Neste verão, Linda e Michael enviaram 262 crianças para acampamentos. Em cinco anos, o fundo já investiu 1 milhão de dólares (R$ 4,79 milhões) em bolsas para educar e conscientizar crianças durante os eventos de verão.

Os dados mais recentes da Small Arms Survey, entidade internacional de segurança pública, mostram que os Estados Unidos são o país com o maior número de civis armados — 393,3 milhões, o que representa 120,5 armas para cada cem habitantes.

O problema é especialmente preocupante nas escolas, onde a violência armada cresceu 794% em nove anos — de 2013 a 2022 —, de acordo com a base de dados K-12 School Shooting. No ano passado, foram registrados 304 casos, muito acima dos 34 incidentes registrados em 2013.

Só de 1º de janeiro a 9 de junho de 2023, foram 176 incidentes. Se esse ritmo for mantido até o fim do ano, o país baterá mais um recorde de violência armada em escolas.

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