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Trama russa pode ter causado crise migratória na Europa, diz professor

Milhares de refugiados estão na fronteira de Belarus com a Polônia em uma tentativa de entrar no país-membro da União Europeia

Internacional|Lucas Ferreira, do R7

Crianças refugiadas atrás da cerca de arame farpado que divide Belarus da Polônia
Crianças refugiadas atrás da cerca de arame farpado que divide Belarus da Polônia

O incidente político-social envolvendo milhares de refugiados na fronteira de Belarus com a Polônia pode ter sido provocado por uma velha rivalidade entre a Rússia e o ocidente, em um imbróglio que lembra as divergências dos anos da Guerra Fria.

Ao menos é no que aposta o professor de direito internacional da PUC-Rio Florian Hoffman. Segundo o especialista, o presidente da Rússia, Vladmir Putin, pode ter organizado junto ao presidente de Belarus, Aleksandr Lukashenko, um fluxo migratório com o objetivo de desestabilizar e incomodar a União Europeia.

“A melhor forma de provocar, no caso europeu, não é nem colocar tanques na fronteira, mas é justamente criar uma situação que causa certa disfuncionalidade. Putin, nesse sentido, está conseguindo”, explica Hoffman em entrevista ao R7.

Além da proximidade geográfica, comercial e histórica entre Belarus e Rússia, Putin aproveitou o isolamento internacional que Lukashenko sofre nos últimos meses, diante de um governo criticado por grande parte dos líderes mundiais. Dinâmica parecida com o apoio do presidente da Rússia à Nicarágua, Venezuela e outros países.


“Putin é formado na KGB (polícia secreta da União Soviética) da Guerra Fria e fez a sua carreira inteira na KGB. A visão dele é de um serviço de inteligência. Ele não é comunista, mas ele tem uma profunda lealdade a um certo conceito geopolítico da União Soviética.”

Influência ocidental sobre a área de atuação russa

Poloneses instalaram cercas de arame farpado para impedir passagem de refugiados
Poloneses instalaram cercas de arame farpado para impedir passagem de refugiados

Com a queda da União Soviética e o fim da Guerra Fria, houve um entendimento russo que os países que formavam a grande nação socialista não seriam influenciados pelo restante da Europa e do mundo ocidental, explicou Hoffman.


“Uma parte da elite política russa entende hoje que essa promessa que o ocidente teria dado de respeitar essa esfera de influência russa teria sido traída por gradativos avanços do ocidente, [...] como a expansão da União Europeia.”

O envolvimento íntimo dos Países Bálticos (Estônia, Letônia e Lituânia) com o bloco econômico e a defesa ocidental pelos direitos da Ucrânia, com envolvimento da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), são algumas das maiores dores atuais da política exterior russa.


Para Hoffman, Putin encontrou em Lukashenko e em Belarus uma forma de sufocar a União Europeia em uma de suas feridas: a migração. “Qual a área, sobretudo na União Europeia, que ela é mais dividida? Que mais facilmente se consegue irritar a opinião pública? É a questão da imigração e do refúgio”, ressaltou.

Como os refugiados chegaram à fronteira?

Sírios e afegãos são maioria entre os refugiados em Belarus
Sírios e afegãos são maioria entre os refugiados em Belarus

Ainda é incerta a forma como milhares de refugiados, em maioria sírios e afegãos, chegaram com tamanha facilidade a Belarus, mas já se sabe que o país foi conivente com a entrada de pessoas fornecendo vistos aos visitantes e os direcionando à fronteira com a Polônia.

“Parte desses refugiados foram admitidos chegando de avião, o que normalmente não é a rota comum que eles pegam porque costumam ser imediatamente rejeitados no aeroporto. Entendo que, em parte, Lukashenko não os vetou”, destaca Hoffman.

Para conter este fluxo migratório, a Polônia cercou parte da fronteira com Belarus com armações de arame farpado, além de deslocar tropas do exército para o local. As imagens chocaram o mundo e podem ter agradado os presidentes russo e belarusso.

“A Polônia, de fato, reage quase como previsto pelo Putin. Arma aquela cerca de arame farpado, coloca um contingente extra do exército e da polícia. No âmbito disso, faz coisas que causam profunda vergonha à União Europeia, desrespeitando convenções.”

Polônia contra tratados internacionais

Forças polonesas usaram armas não letais para afastar refugiados
Forças polonesas usaram armas não letais para afastar refugiados

Ao impedir que os refugiados entrem na Polônia, o país desrespeita a Convenção de Dublin, tratado assinado pelos países-membros da União Europeia. O acordo obriga que as nações do bloco econômico recebam estes imigrantes, que posteriormente seriam distribuídos pelas nações da UE.

Outra convenção internacional, que se aplica a todos os Estados integrantes das Nações Unidas, proíbe desde 1954 que refugiados que consigam entrar nos países sejam expulsos. Segundo Hoffman, algumas pessoas que conseguiram entrar na Polônia foram postas para fora por forças de segurança.

O país também criou perto da fronteira uma zona de exclusão — região na qual determinadas atividades são proibidas. De acordo com o professor da PUC-Rio, este mecanismo que é comum em ditaduras e outros regimes autoritários, dificulta o trabalho da imprensa e da transmissão de informações sobre o que acontece no local.

Problemas internos democráticos da Polônia já chamavam a atenção da União Europeia e a crise dos refugiados pode acelerar a deterioração da relação entre o país e o bloco.

“A União Europeia tem esse problema. Existem muitas vozes e tem muito dinheiro, muitas instituições, o que faz ela ser devagar, dividida. Ela é diversa, de certa forma. Nesse sentido, o Putin sabe que se você cria esse tipo de provocação, vai demorar até eles realmente encontrarem uma solução, que é exatamente o que ele quer.”

Quem são os culpados pela crise migratória?

Arames farpados são o maior símbolo da nova crise migratória europeia
Arames farpados são o maior símbolo da nova crise migratória europeia

Aos olhos de Hoffman, existem dois níveis de culpa na atual crise migratória europeia. Os primeiros responsáveis são Lukashenko, Putin e o governo polonês. Em uma segunda prateleira, está a União Europeia com um processo falido de política migratória.

“Se o refúgio não fosse quase que um cartão vermelho para os sistemas políticos da União Europeia, o Putin e o Lukashenko nunca teriam tido essa ideia, essa força de explorar ou de criar essa situação, esse vexame”, conta Hoffman.

“Claro, em termos de atuação imediata, a gente não pode tirar a culpa do Putin e do Lukashenko. Eles estão agindo de forma extremamente cínica e estão manipulando um grupo de pessoas, que passa por enormes necessidades. Esse cinismo dói da mesma forma.”

O professor também alerta para a proximidade do inverno europeu e das mortes que o frio pode causar na fronteira entre a Polônia e Belarus. O clima, segundo ele, pode ser determinante para a resolução desse impasse político-social na Europa.

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