Mudança de status da China na OMC pode marcar início de nova fase na governança do comércio global
China assume novas responsabilidades após renúncia dos benefícios para países em desenvolvimento
The Conversation|Armando Alvares Garcia Júnior
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A China anunciou, na última semana de setembro de 2025, durante a Assembleia Geral da ONU em Nova Iorque, que não reivindicará mais os benefícios vinculados ao Tratamento Especial e Diferenciado (S&DT) em futuras negociações na Organização Mundial do Comércio.
A decisão foi comunicada pelo primeiro-ministro Li Qiang no lançamento da Iniciativa Global de Desenvolvimento, em um gesto amplamente interpretado como estratégico para reposicionar Pequim no sistema multilateral e responder a anos de críticas de parceiros comerciais, especialmente Estados Unidos e União Europeia.
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O que é o S&DT
O S&DT surgiu como instrumento formal na década de 1960 e incorporado aos acordos fundacionais da OMC em 1995 para conceder maior flexibilidade normativa a países em desenvolvimento. Incluindo aí prazos maiores para implementar obrigações, salvaguardas regulatórias e assistência técnica.
Desde sua entrada na OMC em 11 de dezembro de 2001, a China utilizou esses mecanismos de forma seletiva, obtendo vantagens que facilitaram a adaptação de sua economia ao comércio global.
A renúncia anunciada dias atrás não altera automaticamente acordos já vigentes. Pequim continua se definindo politicamente como país em desenvolvimento, sobretudo para manter vínculos com o Sul Global, mas deixa de reivindicar, a partir de agora, flexibilidades em novas tratativas.
Momento histórico
Segundo a diretora-geral da OMC, Ngozi Okonjo-Iweala, trata-se de um “momento histórico” para destravar a reforma do organismo e reconstruir confiança entre membros, sobretudo após anos de paralisia em temas críticos, como subsídios industriais e comércio digital.
Os Estados Unidos vinham questionando o status chinês desde 2019, quando o então presidente Donald Trump anunciou que Washington não reconheceria Pequim como economia em desenvolvimento, alegando que a posição da segunda maior economia mundial era incompatível com os indicadores de renda, industrialização e comércio.
A União Europeia, embora mais cautelosa, defendeu repetidamente critérios objetivos para definir elegibilidade ao S&DT, visando evitar distorções competitivas.
Essa mudança cria efeitos geopolíticos profundos. Em negociações futuras, a China assume obrigações no mesmo nível das economias avançadas, reduzindo assimetrias e enviando sinal de compromisso com a modernização do comércio internacional.
Outros países emergentes enfrentarão pressão para reavaliar suas próprias reivindicações de status especial, principalmente dentro do grupo dos BRICS, onde Índia, África do Sul e Brasil ainda utilizam essas flexibilidades.
Consequências para o Brasil
Para o Brasil, o anúncio representa desafio estratégico. Como principal parceiro comercial da China e membro ativo do G20 e do BRICS, o país precisa adaptar sua diplomacia econômica.
A competitividade de setores exportadores, como agronegócio e mineração, pode ser afetada por novas regras mais rigorosas.
Ao mesmo tempo, o gesto chinês abre espaço para que o Brasil reivindique liderança na agenda de reforma da OMC, reforçando a importância de um sistema multilateral estável para conter disputas bilaterais, como as que marcaram a guerra comercial EUA-China.
O movimento também tem implicações internas para a OMC. A organização enfrenta crise desde 2019, quando os EUA bloquearam nomeações para o Órgão de Apelação, inviabilizando o mecanismo de solução de controvérsias.
A disposição da China em abrir mão de privilégios sinaliza flexibilidade para negociações sobre temas estruturais, incluindo subsídios estatais e sustentabilidade.
Ao final, a decisão anunciada pela China pode marcar o início de uma nova fase na governança do comércio global.
O resultado dependerá de como outras economias emergentes reagirão e se as potências desenvolvidas oferecerão reciprocidade, transformando um gesto unilateral em base sólida para reformas efetivas na OMC.
Armando Alvares Garcia Júnior não presta consultoria, trabalha, possui ações ou recebe financiamento de qualquer empresa ou organização que poderia se beneficiar com a publicação deste artigo e não revelou nenhum vínculo relevante além de seu cargo acadêmico.









