Comércio de BH dá drible criativo e retoma crescimento
Indicadores mostram que a crise começa a se afastar da capital mineira
Minas Gerais|Do R7
Crise pode ser tanto a indesejada palavra com sentido negativo quanto uma sigla (C.R.I.S.E.) na acepção positiva, formada pelas iniciais de cinco lições indispensáveis à cartilha do empreendedor de sucesso: criatividade, reinvenção, inovação, solução e eficiência.
Indicadores oficiais e de entidades de classe mostram que a crise, quando recessão econômica, começa a se afastar da principal atividade econômica de Belo Horizonte, o setor de comércio e serviços, responsável por 65,5% do PIB (Produto Interno Bruto) da capital.
As vendas em 2017, por exemplo, subiram 1,7%. Não pense que o percentual é insignificante. O resultado é comemorado por ter interrompido duas quedas consecutivas - recuo de 4,34%, em 2015, e de 1,49% em 2016.
Ana Paula Bastos, economista da CDL (Câmara de Dirigentes Lojistas), explica melhor:
— A queda da inflação e a dos juros e a liberação das contas inativas do FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço) ajudaram a dar um fôlego ao setor. Para 2018, a expectativa é de crescimento. O último indicador a sentir este aumento é o do emprego.
Mas, 2017 já termina com boa notícia. Pela primeira vez em três anos, o saldo entre admitidos e demitidos pelos comerciantes e prestadores de serviços em BH encerrou o acumulado de janeiro a novembro no azul.
De acordo com o MTE (Ministério do Trabalho e Emprego), foram criadas 667 vagas. O resultado parece irrisório, mas, assim como o indicador de vendas anuais da CDL (1,7%), freou duas quedas consecutivas. Em 2015, o saldo fora negativo em 14.112 dispensas. Em 2016, em 15.895.
Desta forma, o ICC (Índice de Confiança do Consumidor), indicador calculado pela Fundação Ipead para sintetiza a opinião de consumidores sobre a intenção de compras, cresceu nos últimos meses. Passou de 34,72 em agosto para 36,71 em novembro. O ICC oscila de zero a 100 – quanto mais alto, melhor o resultado.
Empreendedores observam que as estatísticas sugerem que a crise, quando se refere a recessão, já arrumou as malas para partir de vez. Por outro lado, quando se trata da sigla, a crise é sempre bem vinda. O R7 conta, abaixo, histórias de comerciantes e prestadores de serviços que venceram as turbulências econômicas por meio da criatividade, reinvenção, inovação, solução e eficiência.
Imperatriz da criatividade
Imperatriz Porto, de 62 anos, tem larga experiência como empreendedora para garantir que a criatividade, a primeira das cinco palavras da sigla crise, é senha indispensável à saúde financeira de um negócio.
Há quatro décadas, ela fundou a Vida Nua, especializada em vestidos de festas e com sede no Barro Preto, região centro-sul de BH. De lá para cá, perdeu as contas de quantas vezes recorreu à criatividade:
— Um dos melhores exemplos é esta passarela na loja. A consumidora que comprar o vestido e desfilar ganha 10% de desconto. Já a vendedora, pontos para a meta mensal. Outra estratégia foi estender o tapete vermelho ao consumidor, tratado como vip.
A criatividade ainda reduz custos e aumenta a margem de lucro. Imperatriz permitiu aos clientes acesso ao segundo pavimento da loja, onde funcionava o estoque e a entrada era exclusiva aos empregados. Desta forma, vestidos que não iam para as araras e vitrine, devido a falta de espaço, estão agora a vista do consumidor, impulsionando as vendas.
As estratégias da empresária deram certo porque ela também foca no planejamento. Vitor Torres, CEO da Contabilizei, escritório de contabilidade com mais de 5.000 clientes no país, recomenda dicas importantes neste sentido:
— É preciso usar os aprendizados da crise dos últimos anos para se planejar melhor. Reduzir custos e melhorar eficiência é obrigação daqui para frente. A conta da empresa é a conta da empresa, a conta pessoal é a pessoal. Além de perder o controle das finanças do seu negócio, há risco de cair na malha fina da Receita Federal.
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Reinvenção que deu lucro
União, criatividade, diversificação e empenho de dezenas de amigos são os ingredientes do bolo que encheu os cofres de uma livraria de rua prestes a fechar as portas, em 2016, e encerrar encontros e debates de ideias de amantes da cultura. Mas também a reinvenção, segunda palavra da sigla crise, inspirou o grupo a transformar em superavitário um estabelecimento que quase encerrou a atividade.
A história começou com Álvaro Gentil, ex-funcionário de uma livraria que decidiu ter o próprio negócio. Ele criou a Asa de Papel Livraria e Editora, na rua Piauí, bairro Santa Efigênia, região cenro-sul da cidade. O empreendedor conseguiu boa clientela, contudo, o negócio não se sustentou como desejado e Gentil anunciou que fecharia o local.
Amantes dos livros que frequentavam o espaço se desesperaram com a possibilidade de perder tanto o contato com as obras quanto o bate-papo agradável com amigos que se reuniam por lá. Juntos decidiram, com apoio do dono, "reinventar" o empreendimento. Cerca de 40 pessoas se associaram para desembolsar, mensalmente, R$ 60 para custear as despesas. Os investidores ficaram conhecidos como alados.
Da reinvenção deles nasceu a Asa de Papel – Arte & Café, espaço que manteve a tradição da livraria criada por Gentil, mas com novidades: galeria de artes, sebo, espaço para debates, lançamento de livros e discos e outras coisinhas mais. O escritor e artista plástico Marcelo Xavier, de 68 anos, explica que o novo espaço existe para novas experiências.
— Hoje, temos uma nova livraria e um pequeno sebo. No espaço reduzido, duas paredes são reservadas à galeria. A da esquerda é para mostras individuais. A da direita, para as coletivas. Ainda há espaço para um pequeno café e bar, explorado por duas empresárias.
A Asa de Papel – Arte & Café funciona numa garagem. O tamanho não impede a clientela de aumentar. Atrai grupos distintos que se rendem à democrática filosofia, uma das marcas do empreendimento cultural. Resultado: a Asa de Papel se tornou superavitária e não sofre nem mesmo com o pagamento de um aluguel em torno de R$ 2.000, quantia alta para boa parte dos comerciantes da capital.
Além do reforço de caixa dos amigos da casa, os alados, a empresa arrecada 20% de tudo que é comercializado nas galerias de arte, livraria e sebo, e ainda 10% das vendas de lançamentos de livros e CD’s. Xavier e os amigos comemoram:
— O objetivo era manter o grupo e o debate vivo, mas deu certo como negócio. Ninguém consegue fugir do dinheiro.
A união em torno da Asa de Papel também deu fruto social. Os amigos criaram o bloco carnavalesco Todo Mundo cabe no Mundo, que inclui na festa de Momo pessoas com necessidades especiais, como o próprio Xavier, que é cadeirante. Em seu terceiro ano, o bloco esquenta os tamborins toda segunda-feira, até fevereiro, quando a alegria invade o carnaval de rua da capital mineira.
Inovação com solução
Carismático e boa prosa, Ramon Vieira, de 38 anos, coleciona histórias tristes e felizes. Do passado, conta que há dois anos fechou uma empresa que exportava produtos de tatuagens para a Argentina, devido a crise política e financeira do país platino. Do presente, sente alegria em dizer que o novo negócio vai de vento em popa.
O Modern Ink Studio oferece serviços de tatuagem, barbearia, vestuário e bar exclusivo aos clientes que consumirem os serviços ou produtos do lugar, foi aberto há três meses na rua São Paulo, bairro Lourdes, com base em diversos conceitos, entre eles os ensinados por duas das cinco palavras que ajuda a formar a sigla crise: inovação e solução.
Vieira sabe que inovar é oferecer solução a demandas. Ele pesquisou o ponto e observou que a região era carente de barbershop, um novo conceito de barbearia. A loja ocupa 80 metros quadrados e foi planejada em detalhes. Na frente, como vitrine ou cartão de visita, o serviço de barbearia. Quando um cliente estiver sendo atendido, os demais aguardam em confortáveis sofás, podendo saborear, como cortesia, uma bebida oferecida pela casa.
— Esses serviços dão a sensação de exclusividade, que ganha notoriedade no mundo do comércio atual.
Em outro espaço, o estúdio de tatuagem. É lá que Luís Lopes colore a pele ou fixa um piercing no corpo dos clientes. Para ressaltar a harmonia do local com as normas de higiene e saúde, todo material é esterilizado e as paredes foram erguidas com azulejos brancos. Quem explica o porquê da cor é o próprio Ramon:
— O foco foi dar um clima clean [limpo].
O próximo passo da empresa é transformar o serviço de barbearia numa espécie de spa. Outras novidades podem surgir na empresa, mas tudo será dentro do planejado. Aliás, como destaca Paulo Araújo, professor de matemática financeira da Faculdade Anhanguera (SP), planejamento é condição para o equilíbrio das contas. O alerta dele vale tanto para empreendedores quanto consumidores:
— É necessário elaborar uma planilha e realizar uma análise financeira, a fim de verificar o que poderá ser reduzido ou mesmo eliminado, buscando um equilíbrio financeiro. A organização das finanças deve ser realizada buscando uma melhor qualidade de vida, alcançando objetivos, e, principalmente, curtindo momentos especiais com as pessoas que amamos. Tenha isso em mente.
Eficiência, palavra-chave
Combinar arte e moda sustentável com os tradicionais café e pão de queijo mineiros, mas com uma pitada parisiense. A estratégia de Aluízio Figueiredo para dar maior visibilidade à galeria de artes batizada com seu nome, num centenário imóvel no Santa Tereza, região Leste de BH, deu certo. As vendas saltaram e empregos foram criados.
Figueiredo foi atrás da eficiência, a quinta palavra da sigla crise. Na prática, o engenheiro que deixou a profissão para se dedicar às artes plásticas optou por melhorar a utilidade de cada cômodo do antigo casarão. Decidiu que o espaço deixaria de ser exclusivo aos segmentos de decoração e artes para abrigar novas fontes de renda.
A primeira aposta focou no público feminino. Afinal, elas já eram a maioria da clientela. Aluízio equipou um dos quartos com araras e manequins. Surgiu o brechó. Para ir ao novo espaço, o consumidor atravessa a sala com obras do artista e outras peças. O colorido caminho pode resultar em venda espontânea.
— O brechó agregou valor à loja, garantiu retorno às pessoas que trazem as roupas.
Outro espaço precisou ganhar em eficiência. O artista plástico pensou a solução durante as férias: montar na galeria um café. A novidade entrou para a história do Santa Tereza, pois não havia este tipo de serviço no boêmio bairro.
— A ideia foi oferecer o conceito dos cafés parisienses.
O cômodo, com vista para a praça Duque de Caxias, cartão-postal do bairro, foi chamado de Divino Bistrô. O artista-empreendedor se matriculou em cursos de barista e drinques. A fama do lugar atraiu mais clientes. E Aluízio ajudou BH a gerar empregos.
Quem sabe vem mais novidades por aí? Vitor Torres, ceo da Contabilizei, destaca que a eficiência é ferramenta importante para o sucesso das empresas. E sugere o uso de tecnologia:
— Fazer mais com menos é lei para quem quer crescer e isso pode ser traduzido em eficiência. É preciso estar aberto aos novos recursos. A tecnologia é muito positiva neste sentido e tem ajudado os empreendedores a otimizarem suas operações, independente do tamanho. Hoje, já é possível fazer tudo no meio digital com a mesma qualidade, mas ganhando em rapidez.