Encolhimento da população de BH coloca em xeque projeto que aumentou número de vereadores
Câmara alega falta de prazo ao manter criação de duas vagas para as Eleições 2024, mas especialista vê brecha para mudança
Minas Gerais|Pablo Nascimento, do R7
A perda de quase 60 mil habitantes na população de Belo Horizonte indicada no Censo 2022, divulgado nesta quarta-feira (28), coloca em xeque a Proposta de Emenda à Constituição aprovada pela Câmara Municipal em maio deste ano, que elevou de 41 para 43 o número de vereadores da cidade.
O impasse está no fato de que a Constituição Federal define a quantidade de parlamentares de acordo com o tamanho da população. Para se ter os 43 legisladores em um município, é necessário que o número de habitantes esteja entre 2,4 milhões e 3 milhões.
O recenseamento apontou, no entanto, que o número de moradores da capital mineira encolheu, passando dos 2.375.151 de 2010 para 2.315.560 habitantes em 2022 - uma diferença de 59.591 pessoas.
Quando o projeto começou a tramitar na Câmara de Belo Horizonte em março deste ano, o portal oficial do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) indicava que o município tinha em 2021, por estimativa, aproximadamente 2.530.701 moradores - número suficiente para realizar a alteração. Quando a proposta foi aprovada em segundo turno no dia 15 de maio, a previsão era a mesma.
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O contexto da aprovação foi usado como argumento pela Câmara para manter a validade da nova lei nas Eleições de 2024, abrindo 43 vagas para a disputa no Legislativo.
"A prévia não é dado consolidado, tanto que o IBGE deixou o número de 2021 em destaque na página oficial e não colocou a prévia. Essa mesma informação foi utilizada, por exemplo, na distribuição do Fundo de Participação dos Municípios de maneira validada pelo Governo Federal", declarou a Casa Legislativa em comunicado.
A Câmara também alegou que não há tempo hábil para se alterar a lei até outubro deste ano, quando se inicia o marco de um ano das Eleições de 2024. A Constituição prevê que toda alteração na Legislação eleitoral feita após este período não pode valer para a disputa mais próxima. Assim, o retorno para 41 vereadores só valeria na corrida de 2028.
"A tramitação do texto apenas não restringe seu processo completo que envolve também a articulação de quantidade mínima de assinaturas e aprovação em plenário, o que foi iniciado ainda no segundo semestre de 2022, totalizando mais que um semestre em todo seu processo de início e conclusão", justificou o presidente da Câmara, Gabriel Azevedo, sobre os prazos.
"Não se derruba uma mudança na Lei Orgânica do Município. Não é essa a hipótese. Outra mudança na Lei Orgânica do Município, diante das variáveis, ficará como possibilidade para a próxima Legislatura", completou o parlamentar.
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Especialista vê brechas
Analisando o caso a pedido do R7, o advogado Fabrício Souza Duarte, mestre em direito público pela PUC Minas (Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais), é categórico ao afirmar que a cidade tornou-se inconstitucional a capital mineira ter 43 vereadores devido à publicação dos novos dados do IBGE.
O especialista, no entanto, chama atenção para um fato que poderia dar à Câmara tempo de alteração da lei: a resolução 22.556/2007, do TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Nela, a Corte respondeu uma consulta que questionava se uma emenda à Constituição Federal regulamentando o número de vereadores nas Câmaras Municipais poderia entrar em vigor a menos de um ano do dia da próxima eleição municipal.
A resposta foi sim, com todos os membros do Tribunal seguindo o voto do relator, o então ministro José Delgado. A Corte, entretanto, colocou uma ressalva. Para que a troca tenha validade na eleição municipal prevista para acontecer a menos de um ano, a mudança precisa ser aprovada até o fim das convenções partidárias, que atualmente acontecem entre os dias 20 de julho e 5 de agosto do ano eleitoral.
Para Souza, o parecer do Tribunal Superior Eleitoral abre precedente para que a Câmara de BH aprove até 2024 a manutenção das atuais 41 vagas de vereadores.
"Esse problema não é novo. O TSE tem o entendimento de que a alteração no número de vereadores não entra na regra do princípio da anualidade. Sendo inconstitucional o projeto que foi aprovado, a tendência é que a Justiça Eleitoral desconsidere o número de 43 vagas", avaliou.
O especialista em direito público ainda detalha que as movimentações para barrar a criação das novas vagas na próxima disputa eleitoral não dependem apenas da Câmara Municipal. "Vejo que o mais adequado neste caso é a propositura de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade pelos legitimados para isto", sugeriu.
A ação citada por Duarte é regulamentada na Constituição Estadual. O texto prevê que oito figuras públicas ou instituições podem solicitar a abertura do processo. São elas:
1 – o Governador do Estado;
2 – a Mesa da Assembleia;
3 – o Procurador-Geral de Justiça;
4 – o Prefeito ou a Mesa da Câmara Municipal;
5 – o Conselho da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Estado
de Minas Gerais;
6 – partido político com representação na Assembleia Legislativa do
Estado;
7 – entidade sindical ou de classe com base territorial no Estado;
8 – a Defensoria Pública.
Procurados, a Justiça Eleitoral e o Ministério Público Eleitoral ainda não se manifestaram sobre o caso.
Custos
A criação das duas novas vagas na Câmara de Belo Horizonte terá um custo anual de quase R$ 2,5 milhões para o Legislativo. O valor é referente ao salário mensal de R$ 18.402 para os parlamentares, um orçamento mensal máximo de R$ 76.984 para contratação de até 15 assessores, além de verbas de custeio com Correios, gráficas e locação de veículos.
Será um gasto maior para o Legislativo, mas não haverá ampliação da receita, já que as verbas da Câmara variam de acordo com a receita do município e não com o número de vereadores.