Sentado em um pedaço de tecido TNT azul que ele chama de “meu sofá”, em uma calçada da rua Gonçalves Dias, no bairro Funionários, na região centro-sul de BH, o morador de rua José Rubens da Silva, de 83 anos, revela que nunca foi e "jamais" irá a um restaurante popular. Nesta semana, o homem conhecido como Azulinho viralizou na internet ao ir a um bistrô de luxo, rejeitar uma proposta de almoço grátis e fazer questão de pagar a conta.
O local escolhido por ele para fazer a refeição é um ambiente antagônico aos restaurantes populares da Prefeitura de Belo Horizonte que servem quase 200 mil pratos por mês, cobrando R$ 0,75 pelo café da manhã, R$ 3,00 pelo almoço e R$ 1,50 pelo jantar.
No Benvindo, localizado no bairro Lourdes, em um dos endereços mais nobres da cidade, a opção mais barata custa R$ 43. Lá, ele pediu uma entrada de frango, um prato principal com filé, uma garrafa de vinho e dois refrigerantes. A consumação foi de R$ 130, mas o garçom cobrou apenas R$ 8 após Azulinho se recusar a sair sem pagar.
Apesar da difícil realidade de viver nas ruas, o torcedor do Atlético Mineiro é dono de um paladar selecionado. Na sua lista de pratos favoritos há duas opções: rã assada na brasa ou arroz de forno com asinha de frango frito. Para acompanhar, refrigerante sabor guaraná “bem gelado”.
Foi com um copo da bebida preferida nas mãos que o homem maltrapilho e de barba longa contou ao R7 como foi a experiência no estabelecimento de luxo que lhe rendeu fama nacional. O atendimento foi de qualidade, mas para a surpresa de muitos, nem tudo foi perfeito.
— O frango e o bife estavam bons, mas o garçom trouxe uma garrafa de vinho que eu não gostei. Devolvi e pedi um refrigerante para dar uma aliviada.
Quando chegou ao restaurante, Azulinho carregava uma sacola de plástico com alguns pertences em uma das mãos. Na outra, havia uma nota de R$ 50 que ele fez questão de mostrar, educadamente, para os funcionários ao dizer que queria “comida”.
Com fala desconexa e marcada por grandes pausas entre uma frase e outra, o morador de rua conta que o dinheiro usado para pagar a conta é fruto de sua aposentadoria. A origem dos rendimentos ele se recusou a revelar.
— Eu pago a minha comida com o meu suor. Tem muita gente que aproveita e se alimenta do suor dos outros, eu não.
Todavia, para almoçar no Benvindo, o morador de rua abriu mão de algumas vontades.
— Eu ia comprar um conjunto de roupa com o dinheiro. Mas eu fiquei com fome, então parei no restaurante que vi aberto e almocei.
Trajetória
Nascido na carroça do pai no bairro Saudade, na região leste de Belo Horizonte, o morador de rua que não gosta de cachorros conta que é andarilho desde os nove anos de idade.
A família é um assunto delicado que ele prefere esquecer. Ao ouvir qualquer pergunta sobre o tema, abaixa a cabeça imediatamente e se mantém em silêncio.
As únicas informações sobre a vida pessoal que ele contou com certa relutância evidenciam dois momentos diferentes em sua história. O primeiro de alegria, quando ele diz, com orgulho e em voz alta, o nome dos pais “Ary da Silva e Celina Luíza da Silva".
A outra parte de sua trajetória não traz boas lembranças. Em poucas palavras, ele revela que já foi casado, mas que a mulher morreu quando estava grávida do primeiro filho do casal. Sobre os caminhos que o levaram até a situação de rua, a resposta é sempre a mesma.
— Não gosto de falar sobre isso. Gosto de falar sobre outras coisas.
Com os primeiros pingos da chuva que caiu sobre a capital mineira no final da tarde desta quinta-feira (6), a equipe do R7 se despediu de Azulinho.
Após a conversa feliz e regada a refrigerante de guaraná, o homem voltou a ficar sozinho em seu pedaço de tecido TNT azul. Mas antes disso, ele fez sua real avaliação sobre o restaurante de luxo que o recebeu com muita gentileza no início da semana.
— Eu não voltaria lá porque não gostei do clima. A comida é boa, mas as pessoas não conversam entre elas.
Confira um bate-bola sobre os pratos favoritos do Azulinho: