Morador de rua não compra roupa para almoçar em restaurante chique
Homem conhecido como "Azulinho" viralizou na internet após recusar oferta de refeição grátis e fazer questão de pagar pela conta
Minas Gerais|Pablo Nascimento, do R7
Sentado em um pedaço de tecido TNT azul que ele chama de “meu sofá”, em uma calçada da rua Gonçalves Dias, no bairro Funionários, na região centro-sul de BH, o morador de rua José Rubens da Silva, de 83 anos, revela que nunca foi e "jamais" irá a um restaurante popular. Nesta semana, o homem conhecido como Azulinho viralizou na internet ao ir a um bistrô de luxo, rejeitar uma proposta de almoço grátis e fazer questão de pagar a conta.
O local escolhido por ele para fazer a refeição é um ambiente antagônico aos restaurantes populares da Prefeitura de Belo Horizonte que servem quase 200 mil pratos por mês, cobrando R$ 0,75 pelo café da manhã, R$ 3,00 pelo almoço e R$ 1,50 pelo jantar.
No Benvindo, localizado no bairro Lourdes, em um dos endereços mais nobres da cidade, a opção mais barata custa R$ 43. Lá, ele pediu uma entrada de frango, um prato principal com filé, uma garrafa de vinho e dois refrigerantes. A consumação foi de R$ 130, mas o garçom cobrou apenas R$ 8 após Azulinho se recusar a sair sem pagar.
Apesar da difícil realidade de viver nas ruas, o torcedor do Atlético Mineiro é dono de um paladar selecionado. Na sua lista de pratos favoritos há duas opções: rã assada na brasa ou arroz de forno com asinha de frango frito. Para acompanhar, refrigerante sabor guaraná “bem gelado”.
Foi com um copo da bebida preferida nas mãos que o homem maltrapilho e de barba longa contou ao R7 como foi a experiência no estabelecimento de luxo que lhe rendeu fama nacional. O atendimento foi de qualidade, mas para a surpresa de muitos, nem tudo foi perfeito.
— O frango e o bife estavam bons, mas o garçom trouxe uma garrafa de vinho que eu não gostei. Devolvi e pedi um refrigerante para dar uma aliviada.
Quando chegou ao restaurante, Azulinho carregava uma sacola de plástico com alguns pertences em uma das mãos. Na outra, havia uma nota de R$ 50 que ele fez questão de mostrar, educadamente, para os funcionários ao dizer que queria “comida”.
Com fala desconexa e marcada por grandes pausas entre uma frase e outra, o morador de rua conta que o dinheiro usado para pagar a conta é fruto de sua aposentadoria. A origem dos rendimentos ele se recusou a revelar.
— Eu pago a minha comida com o meu suor. Tem muita gente que aproveita e se alimenta do suor dos outros, eu não.
Todavia, para almoçar no Benvindo, o morador de rua abriu mão de algumas vontades.
— Eu ia comprar um conjunto de roupa com o dinheiro. Mas eu fiquei com fome, então parei no restaurante que vi aberto e almocei.
Trajetória
Nascido na carroça do pai no bairro Saudade, na região leste de Belo Horizonte, o morador de rua que não gosta de cachorros conta que é andarilho desde os nove anos de idade.
A família é um assunto delicado que ele prefere esquecer. Ao ouvir qualquer pergunta sobre o tema, abaixa a cabeça imediatamente e se mantém em silêncio.
As únicas informações sobre a vida pessoal que ele contou com certa relutância evidenciam dois momentos diferentes em sua história. O primeiro de alegria, quando ele diz, com orgulho e em voz alta, o nome dos pais “Ary da Silva e Celina Luíza da Silva".
A outra parte de sua trajetória não traz boas lembranças. Em poucas palavras, ele revela que já foi casado, mas que a mulher morreu quando estava grávida do primeiro filho do casal. Sobre os caminhos que o levaram até a situação de rua, a resposta é sempre a mesma.
— Não gosto de falar sobre isso. Gosto de falar sobre outras coisas.
Com os primeiros pingos da chuva que caiu sobre a capital mineira no final da tarde desta quinta-feira (6), a equipe do R7 se despediu de Azulinho.
Após a conversa feliz e regada a refrigerante de guaraná, o homem voltou a ficar sozinho em seu pedaço de tecido TNT azul. Mas antes disso, ele fez sua real avaliação sobre o restaurante de luxo que o recebeu com muita gentileza no início da semana.
— Eu não voltaria lá porque não gostei do clima. A comida é boa, mas as pessoas não conversam entre elas.
Confira um bate-bola sobre os pratos favoritos do Azulinho: