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Serra da Saudade, a cidade menos populosa do Brasil (815 moradores), coleciona particularidades que muitos habitantes de municípios médios e grandes jamais imaginaram. O R7 visitou o lugarejo, no Centro-Oeste de Minas Gerais, a 270 quilômetros de Belo Horizonte, para mostrar como é a vida lá por meio de um vídeo em 360°, o primeiro do gênero divulgado pela imprensa nacional.
A cidade completará 55 anos em agosto próximo. A origem está ligada à construção do ramal férreo que ligaria a capital mineira à colonial Paracatu. Na década de 1960, duas situações levaram embora a esperança do progresso no lugar. Primeira: a construção da BR-262, estrada que leva os belo-horizontinos a Brasília e vice-versa.
Segunda: a decisão do governo militar em acabar com a linha férrea. De lá para cá, Serra da Saudade começou a encolher. Quem conta é o morador mais antigo, Odilon Costa, de 92 anos, mais velho que a própria cidade:
— O trem saía de BH às 5h e chegava às 22h. Depois que construíram a rodovia, a ferrovia foi morrendo, morrendo...
Economia
Hoje, o varejo no município se resume a 10 pontos comerciais, sendo cinco bares. Também há um cartório e uma agência dos Correios. O curioso é que a maior parte do comércio em Serra da Saudade fecha no horário do almoço.
Do meio-dia às 13h, ninguém entra na lotérica, no cartório...
Renato Antônio de Faria, de 39 anos, também fecha sua loja de reparo no horário do almoço. A história dele é curiosa. Há 10 anos, o comerciante foi passar um fim de semana na cidade. Gostou do que viu, conheceu uma moça e decidiu ficar.
— Sou de Pará de Minas (100 quilômetros de Serra da Saudade). Vim para ficar dois dias e lá se vai uma década. Não saio daqui. Eu sobrevivo reformando tudo: móveis, imóveis etc.
Renato Faria foi passar o fim de semana e se mudou para o lugarejo
Paulo Henrique Lobato / R7Segurança pública
A loja de Renato é vizinha ao posto do "batalhão" da Polícia Militar, cujo efetivo se resume a cinco homens. Eles fazem mais um papel social e preventivo com a comunidade. Volta e meia são requisitados a reforçar o patrulhamento em cidades vizinhas.
É que em Serra da Saudade não há crimes violentos. Ninguém se lembra direito da última ocorrência grave. Pudera: foi há mais de meio século. O sargento Carlos Júnior, chefe do policiamento local, conta o que já ouviu dos mais antigos:
— Foi uma tentativa de homicídio. Há 60 anos.
Naquela época, Serra da Saudade ainda não havia sido emancipada. O tamanho da cidade não permite por lá um tipo de crime que se tornou comum Brasil afora: o estouro de caixa eletrônicos. Afinal, nenhum banco desejou, até hoje, inaugurar uma agência, com funcionários próprios e equipamentos de última geração, para atender eventuais 815 correntistas.
Para sacar dinheiro, os moradores recorrem à casa lotérica e à agência dos Correios, desde que fora do horário de almoço.
Trânsito
Entretanto, independentemente da hora, jamais um morador presenciou um congestionamento em Serra da Saudade. Como disse dona Terezinha de Fátima Caetano, que costuma buscar lenha no cerrado para preparar o feijão no fogão a lenha, "isso é coisa de cidade grande".
— Aqui tem poucos carros, motos, ônibus, caminhões...
A frota toda, segundo o Denatran (Departamento Nacional de Trânsito), soma 381 veículos. Muitos rodam na área rural, como tratores.
O trânsito pacato é acompanhado por uma inibida sinalização. Lá não há semáforo. E as placas de parada obrigatória são raras.
Saúde
Dona Terezinha, a mulher que busca lenha, tem uma certeza: não vai morrer por causa do estresse no trânsito. Se ela precisar ir ao único posto de saúde do lugarejo, certamente não haverá fila.
A coordenadora da unidade, Juliana Oliveira, conta que o local, além de médico, tem um odontólogo à disposição da comunidade.
Já a farmacêutica Jéssica Gomes de Araújo garante que não há falta de medicamentos no posto:
— Quem precisar de remédio, basta comparecer ao posto.
Jéssica e Juliana recebem os moradores com sorriso
Paulo Henrique Lobato, do R7Na hipótese de algum morador precisar de um postal em cidades vizinhas, uma vez que em Serra da Saudade não há instituição deste porte, o atendimento particular é pago pela prefeitura.
Wi-Fi
Quem mora lá, segundo garante Renato, o rapaz que foi passar um fim de semana e já reside no município há 10 anos, não deseja sair. Ainda mais, como ele diz, que Serra da Saudade não está isolada do mundo depois do surgimento da internet.
Por falar nisso, a prefeitura garante Wi-Fi gratuito à comunidade. Também aos visitantes. A senha está disponível no coreto da praça Ademar Ribeiro de Oliveira, a principal de Serra da Saudade.
Diante de tanta tranquilidade, contudo, nem todos desejam saber o que ocorre após as montanhas que rodeiam o lugarejo. Estão mais preocupados em curtir o sossego. É assim a vida em Serra da Saudade.