Déficit de atenção: testes online ligam alerta mesmo para quem não tem nenhum transtorno
O MonitoR7 respondeu a alguns questionários para checar se faz sentido o que dizem os críticos do diagnóstico de TDAH: segundo eles, todo mundo sai com resultado positivo da avaliação
MonitoR7|Luana Cataldi*, do R7
Uma mistura de preocupação e pressa leva pais de crianças com suspeita de déficit de atenção a buscar o diagnóstico pela internet. Mas, definitivamente, esse não é o melhor caminho.
Quando a família — alertada ou não pela escola — começa a observar que a criança tem dificuldade nas aulas, parece ansiosa demais e não consegue se concentrar em tarefas do dia a dia, o correto é procurar um especialista: psicólogo, psiquiatra ou neurologista.
O neuropediatra Marcone Oliveira adverte que os testes online podem dar positivo ou ligar o alerta para o problema tanto para quem sofre de TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade) quanto para os que não têm o distúrbio e apresentam pequenos sinais imediatamente relacionados aos sintomas.
Oliveira acrescenta que esses questionários costumam ser superficiais e não contam com a observação de um profissional na avaliação do resultado.
Iane Kestelman, psicóloga e presidente da ABDA (Associação Brasileira do Déficit de Atenção), diz que “não existe teste de internet confiável”.
Ela explica que “o máximo que eles conseguem fazer é um pequeno rastreio, ou seja, levantar dúvidas sobre a possibilidade de as pessoas apresentarem sintomas de TDAH”.
O MonitoR7 decidiu ver na prática o que são esses testes e quais suas conclusões (confira abaixo). Para isso, escolhemos três sites que prometem essa avaliação e aparecem com destaque nos serviços de busca. Spoiler: as opções de resposta são às vezes confusas; algumas perguntas, banais; e as avaliações, bastante questionáveis.
Marcone Oliveira conta que um especialista, por sua vez, consegue entender melhor o quadro de cada pessoa e diferenciar os níveis de dificuldade dos pacientes, observando seus sintomas e buscando entender seu histórico.
O teste, se for usado por um profissional, será apenas uma ferramenta complementar na consulta.
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Sintomas
Os sintomas de TDAH variam de pessoa para pessoa, mas os principais são desatenção, hiperatividade e impulsividade.
Cada um desses aspectos tem subcategorias que precisam ser analisadas individualmente.
Em uma criança, devem ser identificados pelo menos seis desses sintomas recorrentemente para que ela seja diagnosticada com TDAH.
Em um adulto, cinco sintomas são suficientes para o diagnóstico positivo. Além disso, são realizados outros tipos de exame para excluir a hipótese de outros transtornos e doenças que apresentam as mesmas características, diz o neuropediatra Marcone Oliveira.
O transtorno é reconhecido oficialmente por vários países e pela OMS (Organização Mundial da Saúde) e ocorre entre 3% e 5% das crianças no mundo, segundo o site da ABDA.
Iane Kestelman explica que, infelizmente, as pessoas procuram profissionais para saber se têm TDAH no fim da adolescência ou já na vida adulta.
Em sua visão, isso ocorre “em função da falta de informação e do desconhecimento sobre o transtorno no Brasil”. O ideal seria que esse diagnóstico ocorresse na infância, afirmam os especialistas.
Marcone Oliveira diz que, se uma criança tem TDAH, os sintomas aparecem até os 12 anos de idade, e podem ser observados de diversas maneiras, principalmente em sala de aula.
Os professores e profissionais que convivem com os jovens nas escolas percebem “que há algo nessas crianças, no jeito de aprender, de se comportar, que difere das outras”.
Porém, por falta de instrução, muitos não associam os sintomas com o TDAH, e o diagnóstico acaba demorando a ocorrer.
Diagnóstico
Oliveira observa que 80% das pessoas com TDAH têm familiares com o transtorno. Por isso, investigar o histórico familiar da criança ajuda a acelerar a análise e o acompanhamento.
Estudo realizado por um grupo de pesquisadores da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), da USP (Universidade de São Paulo) e da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) chegou à conclusão de que, no Brasil, apenas 20% das pessoas com TDAH têm acesso ao diagnóstico correto e conseguem tomar as medidas necessárias para realizar o tratamento.
As outras acabam se voltando para testes de internet e a profissionais não especializados no tratamento, e são enganadas com resultados rápidos e curas milagrosas.
Fizemos os testes
A reportagem decidiu checar se é verdade o que muitos críticos do diagnóstico de transtorno de déficit de atenção costumam dizer: que todos que fazem o teste acabam tendo o resultado positivo.
Em primeiro lugar, a afirmação é bastante exagerada. Nenhum teste online feito pela equipe do R7 deu como diagnóstico a certeza do transtorno. No máximo, afirmou que havia fortes indícios e que era aconselhável procurar um médico.
Nos três testes escolhidos, optamos também pelas respostas que certamente levariam ao diagnóstico de TDAH, e, mesmo nesse caso, o resultado mais próximo de cravar a doença foi este:
"Sua pontuação indica que você pode estar em risco de Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH). Você precisa fazer um diagnóstico profissional com um médco de saúde mental."
Mas, sim, todos os questionários selecionados aleatoriamente na internet pareciam superficiais, com perguntas às vezes simplórias e que muito dificilmente obteriam resposta 100% negativa, o que tornava mínima a possibilidade de alguém não apresentar qualquer um dos supostos sintomas de TDAH.
Exemplo: "Você comete erros quando faz trabalhos importantes?". As opções de resposta são: "nunca", "raramente", "às vezes", "frequentemente" e "muitas vezes".
Se a pessoa não comete erros nunca, ou ela é o único indivíduo perfeito no mundo ou está mentindo, não?
Outra questão que aparece em todas as listas de perguntas: "Você esquece ou perde coisas como telefone, carteira, chaves etc?".
Existe alguém que nunca passou por isso?
Outra bastante vaga é: "Você costuma deixar de prestar atenção em eventos chatos e com informações repetitivas?". E como opção não há a resposta "óbvio que sim".
Outra curiosidade foi que, para um dos voluntários, dois dos resultados eram 100% opostos. No primeiro questionário, "nenhuma característica de TDAH". No segundo, a constatação de 27% de sintomas e a conclusão de que o índice merecia observação e o aconselhamento de um psicólogo. Veio também o alerta: "Nenhum teste online é suficiente para diagnosticar TDAH Adulto. Sempre consulte um especialista". No terceiro, o mais alarmante, surgiram "fortes indícios" do transtorno e a sugestão de buscar imediatamente um médico.
Manifesto aponta excessos na detecção e tratamento
Um manifesto publicado em 2011 pelo Conselho Federal de Psicologia denunciava o que considerava excesso de pessoas diagnosticadas com TDAH e medicadas logo após a suposta constatação do distúrbio.
"Embora muito se fale sobre os supostos transtornos, como no caso do TDAH, os modelos diagnósticos apresentados são precários e insatisfatórios, por se basearem em questionário, de caráter opinativo, preenchidos por professores ou respondidos pelos pais", diz o texto.
"As questões postas para diagnosticar o TDAH são pontuais, destacam aspectos que ressaltam que determinados comportamentos, como os de organização, são sinônimos de atenção, simplificando os aspectos sociais, históricos e culturais que constituem os comportamentos humanos em seus diversos contextos e situações", acrescenta o manifesto.
De acordo com o documento, "uma vez classificadas como doentes, as pessoas tornam-se pacientes e consequentemente consumidoras de exames, tratamentos, terapias e medicamentos, que transformam seu corpo e sua subjetividade em problemas, alvos da lógica medicalizante".
Diversos estudos, no entanto, comprovam que o transtorno existe, e a medicação dada de forma correta melhora a vida das pessoas, de qualquer idade, que sofrem desse mal.
O tratamento da TDAH não é feito apenas com medicamentos. Ele é baseado em um tripé de ações, desenvolvidas em um consenso internacional de especialistas, afirma a presidente da ABDA.
A primeira é a psicoeducação, ou seja, a conscientização sobre o que é o transtorno. A segunda ação é a medicação, que precisa ser supervisionada por profissionais habilitados. Vale lembrar, porém, que alguns pacientes não podem fazer uso de remédios. Por fim, o terceiro e último passo é a psicoterapia, que oferece suporte emocional e ensina estratégias para lidar com o transtorno.
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*Estagiária do R7, com edição de texto de Marcos Rogério Lopes.