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Placebo: site que ficou famoso durante a pandemia exagera ao prometer efeito de drogas reais

Programa I-Doser disponibiliza arquivos que, segundo os administradores, estimulam as sensações de entorpecentes

MonitoR7|Diego Alejandro*, do R7

Close-up de um smartphone branco ao lado de um par de fones de ouvido da mesma cor
Close-up de um smartphone branco ao lado de um par de fones de ouvido da mesma cor

Um programa de computador que promete simular efeitos de várias drogas reais tem feito sucesso desde o início da pandemia de Covid-19

O I-Doser, criado em 2005 pelo especialista em psicologia de áudio e música Nick Ashton, utiliza a técnica das ondas binaurais, descrita pela primeira vez pelo físico alemão Heinrich Dove, em 1839.

No YouTube, desde 2020 há diversos vídeos de usuários testando as ondas sonoras. Uma postagem apenas alcançou mais de 1,2 milhão de views na plataforma.

A polêmica se dá por causa da promessa ousada do site: ao fazerem o usuário ouvir por um tempo preestabelecido determinados ruídos, com o auxílio de fones de ouvido, as ondas causariam alterações em seu cérebro de acordo com os efeitos diversos escolhidos pela pessoa.


Esses efeitos incluem as sensações causadas pelo uso do café, maconha, crack, peiote, morfina, Valium e até mesmo o Viagra. Segundo o site, ele trabalha com o conceito de dosagem digital e as experiências são mais de "80% efetivas".

Mas, de fato, as ondas funcionam?

A psicóloga alemã Isabel Wiessner, que escolheu o Brasil para pesquisar efeitos de substâncias psicodélicas, disse que experiências de alteração de consciência podem ser provocadas não apenas pelas drogas, mas também por outras técnicas. "Por hipnose, ioga ou respiração, mas também com práticas que utilizam os sons, como a meditação com mantras, com tigelas tibetanas ou até mesmo uma festa rave."


"A música e alguns sons podem ativar neurotransmissores de serotonina e dopamina, hormônios que influenciam nossas emoções e o nosso humor", explica François Delaere, psicólogo e supervisor do serviço de neuropsicologia do Centro de Epilepsia do Instituto Estadual do Cérebro Paulo Niemeyer.

Para embasar a afirmação, ele cita o artigo "Dissociative states through new age and electronic trance music" ("Estados dissociativos através da música new age e do trance eletrônico", em tradução livre), do Journal of Trauma & Dissociation. Nele, é mostrado como certos estilos de música podem induzir o ouvinte a estados de transe ou dissociativos.


Sons já são usados em métodos da musicoterapia, um híbrido entre arte e saúde. Ângelo Monesi, psicólogo na Brazilian Medical Partners, explica que é possível trabalhar com crianças autistas usando frequências encontradas em obras de compositores de música clássica, como Beethoven.

"Você consegue equilibrar o sistema neurológico de uma criança autista através da implementação de música clássica no ambiente da casa dessa família."

A técnica de ondas binaurais, utilizada no programa, já foi tema recente em alguns estudos médicos. De acordo com Saulo Nardy Nader, médico neurologista pela USP e membro do corpo clínico do Hospital Israelita Albert Einstein, os conteúdos mostram funções específicas para situações pontuais, como diminuição de ansiedade em cirurgias, melhora na memorização e tolerância às dores.

Mas e quanto ao seu uso como droga? "Não tem absolutamente nada de estudo corroborando que existam efeitos neurológicos, psiquiátricos ou comportamentais", diz Nader. O neurologista admite que ainda não se tem certeza no meio científico, mas muitos acreditam que os efeitos produzidos pelo I-Doser, e por outras "drogas digitais", sejam na verdade resultado do efeito placebo.

"Muitas vezes, o objetivo dessas ofertas é mais o de ganhar dinheiro com promessas que soam avançadas ou prometem melhorar a saúde do que oferecer inovação com evidências científicas", explica Isabel Wiessner.

Tanto ela quanto Nader concordam que, para a maioria do público, o programa não deve provocar grandes efeitos negativos ou positivos à saúde.

No entanto, o neurologista avisa: o uso das técnicas binaurais pode ser perigoso para pessoas mais suscetíveis às drogas.

Algumas postagens na internet advertiam que o programa poderia viciar assim como os entorpecentes reais. Para Nader, o vício em uma substância parte de questões químicas, mas também comportamentais. "Psicologicamente, é possível, pois até o efeito placebo pode induzir a uma dependência."

*Estagiário do R7, sob supervisão de Marcos Rogério Lopes.

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