O Águia de Haia e o Pavão de Tatuí
Cem anos depois de Rui Barbosa, o Brasil tem de consolar-se com Celso de Mello
Augusto Nunes|Do R7
O doutor Celso de Mello não se considera gente como a gente. Primeiro, porque não é apenas um ministro do Supremo Tribunal Federal. É O DECANO, título conferido ao mais antigo integrante do time da toga. Soa bem. Sobretudo, rima com o subdialeto falado por Celso de Mello: juridiquês castiço. Trata-se de um filhote disforme do português que torna majestoso o mais mambembe botequim.
Em homenagem aos viventes comuns, o decano às vezes solta um "Supremo Tribunal Federal". Em momentos especialmente generosos, até se permite um "STF". Mas o que Celso de Mello saboreia com prazer afrodisíaco são três expressões sinônimas: "Pretório Excelso", "Colenda Corte e "Egrégio Tribunal". Pretório era a denominação de um tipo de fortificação romana. Excelso quer dizer "sublime". "Colendo" significa "respeitável, venerando". E egrégio quer dizer "insigne, nobre, eminente".
Aliás, o afetivo “eminente" precede os nomes dos colegas de STF ou juristas que menciona em seus votos de dimensões sempre amazônicas. Uma sumidade dessas não poderia deixar de emitir seu parecer no assombroso besteirol gerado pelo vídeo que Jair Bolsonaro soltou num grupo de WhatsApp.
A conclamação para o ato contra o STF e o Congresso, decidiu nosso Rui Barbosa em compota, “revela a face sombria de um presidente (...) que demonstra uma visão indigna de quem não está à altura do cargo que exerce e cujo ato de inequívoca hostilidade aos demais Poderes da República traduz gesto de ominoso despreço e de inaceitável degradação do princípio democrático".
No fim do ano, a aposentadoria compulsória devolverá Celso de Mello à cidade paulista onde nasceu. Mas não precisa dizer mais nada para justificar o cognome que conquistou com palavrórios desse calibre: cem anos depois do Águia de Haia, o Brasil tem de conformar-se com o Pavão de Tatuí.
Os textos aqui publicados não refletem necessariamente a opinião do Grupo Record.