A saga do chuveiro de pedra: uma aventura no PETAR
Um repórter, o cinegrafista e um pacote de perrengues na aventura mais intensa da minha vida

Você, caro leitor, ainda não sabe o quanto eu caminhei para chegar até o ponto final dessa história, um “ali” bem intenso. Cantou mentalmente? Sábias palavras de Tony Garrido. Essa música é trilha sonora de qualquer jornalista que já fez matérias de turismo alguma vez na vida.
Eu tive, durante mais de um ano, um programa sobre o Vale do Ribeira, uma região do estado de São Paulo próxima ao Paraná, tem lugares lindos que me fazem sentir-me um privilegiado de poder ter conhecido.
Fui no primeiro povoado do Brasil, em um vulcão inativo, visitei os famosos sambaquís, que são sinais da existência de povos anteriores aos indígenas. Visitei muitas aldeias também... Quanto mais episódios gravávamos, mais distantes e curiosas eram as aventuras. Já para o final, recebi a incumbência de explorar vestígios de um planeta Terra diferente e que ainda está aqui, o universo das cavernas. Parece sem graça, mas tem coisas interessantíssimas.
“Era um tal de pisa aqui, pisa ali. Eu em muitas ocasiões tive dúvida de onde pisar. E tua vida se resume em dar mais um passo. Não há prédios, barulho, demanda, capitalismo. Nesse instante é apenas o teu momento de pisar e pisar e segurar...”
No Vale do Ribeira existe um parque estadual repleto delas, mais de trinta. É muito legal, muito mesmo! O esquema do programa era o seguinte: gravávamos dois episódios por viagem e fazíamos em 2 dias. Uma loucura, nem sei como dava conta!

Eu e o Ademir Orfei, o cinegrafista que me acompanhava, saíamos cedinho de Santos e pegávamos a estrada rumo ao Vale do Ribeira. Geralmente gravávamos o dia todo, dormíamos em um hotel, fazíamos o outro programa e voltávamos para casa.
Cá entre nós! Eu não gosto de conjugar o verbo dessa forma “voltávamos”, sempre achei estranho uma pessoa falar desse jeito, soa prepotência. Até a sintaxe é ardilosa! Primeira pessoa do plural do pretérito imperfeito do indicativo do verbo “voltar”. Perdoe o uso imponente do português. Eu sou jornalista da segunda maior emissora do Brasil e preciso mostrar serviço! (Risos)
Esse programa é pré-produzido. Uma pessoa pensa na pauta e entra em contato com os viventes no assunto para saber quem pode levar a gente, explicar, mostrar os detalhes... Já decore isso!
“O bom jornalista, o bom mesmo, não fica gritando aos sete ventos que sabe de tudo. A ignorância é o material de trabalho principal de quem estuda o jornalismo. O que diferencia um bom profissional de um meia-boca é a curiosidade.”
Esse é um lema meu, uso diariamente. A notícia vem na minha frente, não posso brilhar por ela.
Por isso, o material que recebo com as orientações e informações do local são um indicativo. Saio esgotado dessas gravações porque gasto minha energia interessado em levar o telespectador para uma aula. Fazer com que ele aprenda comigo.
No meu papel que recebi dizia que conheceria o PETAR, o Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira, que comentei logo acima. Esse texto vai ser bem detalhado porque tenho memória recente dele e muitas fotos também.
O Parque fica nas cidades de Iporanga e Apiaí e é dividido em dois núcleos. Eu fui lá para mostrar tudo, criar episódios que fizessem o telespectador viajar sem sair do sofá.
Foram cerca de 5 horas de estrada até o Núcleo Santana, o primeiro que visitamos. Lá esperava pela gente o Eder, guia profissional no parque. Conhece de tudo e ainda é biólogo. Ele mostrou as primeiras cavernas que eram lindas e geladas.
Uma coisa que aprendi, além das estalactites e estalagmites, é que caverna é um ar condicionado natural. As do PETAR têm em média 19° de temperatura, faça chuva ou faça sol.

Algumas delas são facilmente acessadas e no nosso primeiro dia fizemos todas as mais visitáveis, mas entre uma caverna e outra, cachoeiras e muita mata atlântica. O PETAR preserva o local com muita excelência. O Eder passou o passeio todo falando do desafio do dia seguinte. Que a caverna era especial, mas que o caminho não era lá dos mais fáceis.
Eu que vim de Minas Gerais, que já corri de cabrito bravo e já me enrosquei em arame farpado, não acreditei muito. No fim das gravações do Núcleo Santana eu já estava para lá de Bagdá de tão esgotado. Fomos combinar os horários para o outro núcleo: o Cablocos. Eder queria passar no hotel às sete da manhã, um horário ok. Dava para descansar e aproveitar o café.
Foi o que fizemos, eu capotei e acordei com o despertador tocando e muito sono.Demoro para funcionar de manhã, fico quietinho por duas horas até recobrar a consciência e enfrentar a vida. O caminho para o outro núcleo do PETAR era um pouco mais distante. Ficava em outra cidade: Iporanga.
No caminho o Eder explicou que visitaríamos uma única caverna, mas que a aventura pedia 8 horas de caminhada, quatro para ir e mais quatro no retorno. Era o trajeto que passava por uma trilha na mata atlântica pura, entrava em um rio, que atravessava a caverna e retornava para a trilha.
Eu ando, mas acredite se quiser, nunca andei 8 horas seguidas e era uma jornada difícil para o cinegrafista que carregava muitos equipamentos pesados. Foi preciso negociar! O Eder informou uma opção que topei sem pensar e me arrependo até hoje. Fazer um atalho para chegar na caverna, assim ganhávamos duas horas. Ele riu ao oferecer a opção, porque era um caminho chamado de escalaminhada. Tinha pontos de escalada. Eu não pensei muito e seguimos.
Como estou escrevendo isso, nota-se que sobrevivi. Aqui não tem essa de ‘ghost writer’. Eu em pele e osso já te dou o ‘spoiler’: vivíssimo para te contar a história.”
O sacrifício era grande, viu! A caminhada começou gostosa, era manhã e o orvalho refrescava a floresta. Encontramos pegadas, sinais da onça-pintada, de antas, macacos-prego, esquilos. Rimos e gravamos, em várias paradas, tudo o que avistávamos. E com o passar do tempo o caminho foi mudando. De repente pedras gigantes começaram a surgir. Elas tomavam o cenário...Quando notei eu estava pulando uma a uma até que...É um suspense para te prender aqui, relaxe! Porque na hora, a última coisa que fiz foi relaxar.
Eu olhei para o percurso e vi uma ladeira a perder de vista. Vou até rebatizar, um precipício mesmo! Era lotado de pedras e, para facilitar, uns pedaços de corda improvisados. Eu fui indo, não sei se foi por um talento que desconhecia.
O Ademir colocou a câmera na mochila e deu ao guia que corria menos risco de vida. Era um tal de pisa aqui, pisa ali. Eu em muitas ocasiões tive dúvida de onde pisar. E tua vida se resume em dar mais um passo. Não há prédios, barulho, demanda, capitalismo. Nesse instante é apenas o teu momento de pisar e pisar e segurar...
Todo mundo devia praticar isso ao menos uma vez na vida. Em um determinado momento eu recobrei a consciência mundana e olhei para baixo. Vi pedras e mais pedras, no final um rio.
Pensei com meus botões: Se eu cair aqui, vou me debater nessa selva de pedras, e se, por ventura, eu sobreviver com sorte, morrerei afogado no rio, que era o destino cruel.
Como estou escrevendo isso, nota-se que sobrevivi. Aqui não tem essa de ‘ghost writer’. Eu em pele e osso já te dou o ‘spoiler’: vivíssimo para te contar a história.”
O Paredão da morte durou uns 45 minutos e, como em um desenho animado, chegou o OÁSIS. Avistamos um riacho de água cristalina.

Preciso fazer um adendo: não levamos muita água, apenas uma garrafinha que, com o nervosismo, acabou em dois minutos. Não passei sede, mas ao ver o riacho limpinho, lembrei que precisava me hidratar. Eu e o Ademir fomos ao mercado no dia anterior, compramos bolachas recheadas, pão, mortadela, refrigerante e banana. Soquei tudo na mochila, pensamos na estratégia de comer coisas práticas.
O refrigerante já tinha ido embora, então eu enchi o PET com a água do riacho. Matei a sede e seguimos. Atravessamos o riacho entrando nele. Eu só soube que era preciso entrar na água lá. Fui de calça jeans velha e botas de couro. A minha sorte era que estava gordinho e, para disfarçar, usava uma camisa grossa como sobreposição. Isso me protegeu de mosquitos e do frio.
Descemos mais um pouco do precipício de pedras, mas esse era mais fácil. Parecia cenário do Jurassic Park. Foi lá que percebi que eles usaram mata atlântica no filme. E de cara vimos um paredão enorme e uma chuva. Era a caverna Temimina, a mais bonita do PETAR. Era imponente e te fazia sentir-se um nada. Iríamos entrar nela para chegar ao chuveiro de pedra.
Você deve saber que cavernas são caminhos esculpidos pela água. Algumas no PETAR são secas, estão mortas. A Temimina não. Está vivíssima! A água transpassa e redesenha ela há milhões de anos. Tanto que para explorá-la é preciso entrar no rio que passeia por ela. Paramos para comer.
“O Eder botou um plástico no chão, abriu uma marmita e humilhou a gente fazendo um almoço balanceado. Eu e o Ademir comemos bolachas recheadas e pão com mortadela.”
Gravamos mais algumas coisas e nos preparamos para viver a maior experiência que já tive na vida.
A partir dali, o preto imperava. A escuridão era a proteção daquele sistema natural e o frio impedia qualquer perigo. Fomos por dentro d’água usando os equipamentos na cabeça. Um capacete com uma lanterna. O Eder tinha uma de mão que iluminava a terceira geração da gente.
Foi nesse período da aventura que caí sentado na lama, mas na atual conjuntura, nem fazia mais diferença. No programa eu estou destruído fisicamente. Preciso até pegar umas dicas com os repórteres de aventura. Dentro da caverna existem poucas vidas. Uma espécie de traça que é muito presente, um peixe cascudo sem olho bem pequeno e mais nada. Nem morcegos vivem naquele breu. Eles preferem lugares onde há algum tipo de luz. O lugar é bem visitado, encontramos um casal que caiu bem mais que eu. Dava para notar! Um pouco mais de obstáculos e tcharam! Chegamos, disse o Eder!
Sem luz o “chegamos” não ajuda muito. Mas ele, com toda a experiência, pegou a lanterna das três gerações e ajustou para iluminar o que buscávamos: o chuveiro daquela marca que você conhece, só que de pedra. Era impactante! Lindo mesmo e uma raridade no mundo. A água com minerais escorreu por milhões de anos ali e formou aquela rocha perfurada que descarrega água eternamente. Vale cada passo! Cada tombo! Cada suor derramado.

Sem nenhuma trilha sonora, você sente uma orquestra sinfônica no auge daquele salão enorme de pedra ecoando notas comemorativas no auge da aventura. Ficamos alguns bons minutos, gravamos e era hora de partir. Eram mais 2 horas e meia de escalaminhada rumo acima. Um perrengue muito maior que conto outra hora.
A frase que vou deixar aqui e que resume o retorno é:
Só mais um passo, Ademir!
Boa semana, caro leitor!
O Episódio completo da aventura está aqui!
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