É preciso ficar de olhos bem abertos com os sinais dos transtornos alimentares
Mesmo sofrendo, pessoas com essas doenças podem se tornar especialistas em esconder o problema
Ciência para o Dia a Dia|Dani Rosolen
RESUMO DA NOTÍCIA
Produzido pela Ri7a - a Inteligência Artificial do R7

Você tem reparado em quem está perto de você? Como estão suas netas, filhas, irmãs, primas, amigas? Alguns sofrimentos passam muito tempo despercebidos pelos outros, ainda mais os relacionados à saúde mental, tema que segue rodeado de estigmas.
Eu falo porque já vivi isso na pele. No meu caso, com a anorexia nervosa e a compulsão (vale lembrar que existem outros transtornos alimentares, como a bulimia e a ortorexia).
Se o meu alerta foca principalmente o público feminino, é porque são as mulheres que mais sofrem com essas doenças. Por isso, observar, de verdade, pode ser um gesto de cuidado e até de salvação. Transtornos alimentares são doenças sérias, com riscos reais. E ninguém deveria enfrentá-los sozinha.
Eu tive a sorte de minha família perceber logo que as coisas não estavam bem. Geralmente, os pais ou responsáveis demoram a notar que há algo errado, pois a pessoa doente se torna “mestre” em esconder o problema.
“Aquele prato escondido embaixo da cama enganou meus pais
aquela pilha na calcinha enganou a balança
aquele moletom dois números maior enganou minhas amigas
só falta agora eu conseguir enganar
a fome."

Quando comecei a emagrecer, recebia inclusive elogios de algumas pessoas porque a magreza ainda é muito exaltada na nossa sociedade. Mas a dieta virou obsessão e a perda de peso foi vertiginosa.
Então, meus pais entraram em ação, buscando a opinião e a ajuda de especialistas. Embora eu tenha demorado a aceitar, fui entendendo, aos poucos, que não era normal emagrecer a ponto de ser proibida de fazer atividades básicas, como a educação física na escola. O médico tinha medo de meu corpo não aguentar o esforço.
Entre altos e baixos, comecei a me tratar. E tive também a sorte de receber apoio dos amigos. Eles sempre tentaram me incluir em festas, passeios e encontros, mesmo com a minha recusa, por causa da depressão e do medo de ter que comer em algum evento.
Com a compulsão não foi diferente. Sim, porque eu passei de um extremo ao outro. Após muito tempo de restrições, voltei a comer devagarzinho e, depois, como se não houvesse amanhã. No começo dos episódios de compulsão, acho que minha família deve ter festejado tamanho apetite. Até perceber que eu comia escondida quantidades surreais e não tinha controle para parar..
De novo, meus pais interviram. Desta vez, eu já estava mais consciente do problema. Queria me livrar de todo esse sofrimento que o “monstro da gula” me causava na hora de comer (e em todas as outras, pois era só nisso que eu pensava).
“O bicho da fome me desnudou
bateu em minha porta e eu abri
tinha olhos grandes pra enxergar melhor
e boca grande pra comer mais
ficamos amigos
e mesmo quando eu não queria comer, ele vinha me visitar
não tinha como fazer desfeita
e íamos juntos devorar o mundo no escuro."
Ao longo de anos, lutei contra esses pensamentos intrusos, o de querer emagrecer a qualquer custo e o de querer comer desenfreadamente. Às vezes, eles ainda me espreitam, mas hoje eu estou alerta.
Passei a conhecer melhor meus gatilhos, a entender que a comida é fonte de prazer e não de medo e que não preciso me preencher ou me esconder atrás de um pote de sorvete de um litro ou de uma pizza de oito pedaços quando algo de ruim acontece.
É uma história com final feliz? Talvez um meio de história. Mas quantas pessoas não têm a mesma chance? A anorexia é a doença com a maior taxa de mortalidade entre todos os transtornos mentais.
Por isso, volto ao começo deste texto: você repara se as pessoas ao seu lado estão bem? Se a sua neta se recusa a comer certos tipos de alimentos por medo? Se a sua filha tem medo da balança? Se a sua prima come escondida? Se a sua irmã ou amiga usa roupas dois números maiores? Vale dizer que essa busca por emagrecer ou o comer descontrolado podem ser reflexos de gatilhos que nada têm a ver com a obsessão da sociedade pela estética.
“Eu só queria me encaixar
não em um padrão
apenas dentro de mim."
Mas numa época em que uma caneta para tratar diabetes se torna um objeto de desejo de quem nem têm a doença, em que posts com dicas destrutivas nas redes sociais são tão acessados, em que passamos a ser coniventes com jejuns e cirurgias plásticas que modelam um manequim e não uma pessoa real, é preciso falar dos riscos da magreza como símbolo de sucesso e do julgamento do corpo alheio.
Não dá para escapar de ser atingida de alguma forma por esse tema, da enxurrada de postagens de influenciadores que incentivam esse estilo de vida, dos anúncios de remédios vendidos como chicletes, dos discursos e propagandas de cirurgiões e clínicas de estética que parcelam em mil vezes um procedimento desnecessário. Mas dá, sim, para ter conversas sinceras, buscar a troca, o entendimento, o conselho e o acolhimento.
Primeiro, é preciso estar de olhos abertos para não permitir que a obsessão pela magreza se torne a meta de vida de uma pessoa ou que o descontrole em relação à comida vire um segredo, enquanto a tristeza e a vergonha se alimentam da vida de quem amamos.
Foi pensando nessa necessidade de diálogo que escrevi Incabível (Editora Patuá), livro no qual divido passagens da minha vivência com a anorexia e a compulsão por meio de poemas (alguns divulgados ao longo deste artigo). Meu objetivo ao relatar essas tristes experiências é alertar familiares e amigos sobre como funciona a cabeça de quem convive com os transtornos alimentares.
Sempre me perguntam se não tive receio de expor passagens tão íntimas em um livro. Minha resposta é direta: escrevi para que esse assunto deixe de ser um tabu. Começar a falar sobre o problema é uma etapa importante para encontrar uma solução. Não é um caminho simples, mas com apoio e sem estigmas atrapalhando, ele pode ficar mais fácil.
✅Fique por dentro das principais notícias do dia no Brasil e no mundo. Siga o canal do R7, o portal de notícias da Record, no WhatsApp















