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Ciência para o Dia a Dia

Enquanto o prato estiver vazio nas favelas, a fome ainda mora aqui

Desigualdade no acesso a alimentos saudáveis revela que a saída do mapa da fome ainda não significa o fim da insegurança alimentar e nutricional no país

Ciência para o Dia a Dia|Luana Lara Rocha

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Produtos ultraprocessados são realidade nas favelas

O último relatório da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) anunciou que o Brasil saiu do mapa da fome. A notícia é positiva, mas levanta uma pergunta importante: será que ninguém mais passa fome no país? Infelizmente, não. E essa realidade é consideravelmente mais grave nas favelas brasileiras.

Desde 2021, em parceria com minha orientadora de doutorado, professora Larissa Loures Mendes, venho estudando o ambiente alimentar das favelas.


O ambiente alimentar, em uma linguagem simples, é um conjunto de espaços, condições e influências que afetam o acesso e as escolhas das pessoas em elação aos alimentos no dia a dia. E esse ambiente não é o mesmo em todo o lugar, e nas favelas o contexto é especialmente desafiador.

Em nossas pesquisas, encontramos que esses territórios são dominados por alimentos ultraprocessados (aqueles ricos em aromatizantes, corantes, antioxidantes, entre outros aditivos químicos), enquanto o acesso a alimentos saudáveis é limitado tanto pelo custo quanto pela baixa oferta.


Ao estudar a distribuição dos estabelecimentos de venda de alimentos e dos Equipamentos Públicos de Segurança Alimentar e Nutricional (EPSAN) de Belo Horizonte, Minas Gerais, encontramos que os moradores de favelas precisam caminhar mais e se deslocar por mais tempo para comprar alimentos in natura, como frutas, verduras e legumes. Além disso, há poucos EPSAN dentro ou próximos dessas áreas, e os comércios que vendem alimentos ultraprocessados costumam ser maioria.

Também ouvimos os moradores dessas comunidades, realizando um grupo focal virtual com representantes de todas as regiões do Brasil (foram 10 participantes, sendo a maioria mulheres, negras e residentes no Sudeste). Eles relatam que a informação, a renda e os estabelecimentos que comercializam alimentos saudáveis a preços acessíveis são as principais barreiras para se ter uma alimentação saudável nas favelas.


E qual é a relação desse cenário com a insegurança alimentar e nutricional?

Quando o acesso aos alimentos adequados e saudáveis é limitado ou desigual, o Direito Humano à Alimentação Adequada, garantido pela Constituição, deixa de ser efetivado. E o resultado da não efetivação desse direito é a insegurança alimentar e nutricional, que é quando uma pessoa ou família não tem acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, para ter uma vida saudável.


Um estudo realizado em duas favelas de Belo Horizonte, Aglomerado da Serra e Cabana do Pai Tomás, mostrou que 35,9% dos entrevistados viviam em insegurança alimentar e nutricional moderada ou grave, sendo as mulheres negras com piores condições socioeconômicas as mais afetadas.

Esses dados revelam que, apesar dos avanços, o Brasil ainda enfrenta graves desigualdades no acesso à alimentação. Precisamos de políticas públicas estruturantes que olhem para as favelas e abordem as diversas iniquidades presentes nesses territórios. Além de acesso aos alimentos saudáveis em quantidade e qualidade (e com preços justos), é necessário investir em renda, moradia digna, saneamento, transporte e segurança, bem como condições básicas para uma vida com dignidade, garantindo qualidade de vida para as pessoas.

Sair do mapa da fome é um passo importante. Mas enquanto o prato estiver vazio nas favelas, o país ainda tem muito a fazer para garantir o direito à alimentação de todos.

Luana Lara Rocha é Residente Pós-doutoral no Programa de Pós-graduação em Saúde Pública da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Pós-graduanda em Saúde Pública pela Universidade de São Paulo (USP). Doutora em Saúde Pública pela UFMG. Mestre em Ciências da Saúde - Saúde da Criança e do Adolescente pela UFMG. Pós-graduada em Segurança Alimentar e Agroecologia pela Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (UERGS). Nutricionista pela UFMG. Pesquisadora do Grupo de Estudos, Pesquisas e Práticas em Ambiente Alimentar e Saúde (GEPPAAS). Membro da Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável, Rede Ambar e Colansa, Acervo Pessoal

Se quiserem saber mais sobre as pesquisas que citei, podem acessar os links:

Food retail in favelas of a Brazilian metropolis.

Aqui

Percepção dos residentes de favelas brasileiras sobre o ambiente alimentar: um estudo qualitativo.

Aqui

Interseccionalidade e insegurança alimentar em favelas de Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil

Aqui

E se quiserem saber mais sobre esse tema e sobre o ambiente alimentar de favelas, recomendo esses documentos

Conceptual Model on Access to Food in the Favela Food Environment

Aqui

Food and Nutrition Security in the context of structural inequities: insights from Brazilian favelas

Aqui

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