Especialistas comentam fala de Trump que liga paracetamol na gravidez ao autismo
Pesquisadores reagem e apontam que evidências ainda são frágeis e não justificam pânico
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O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, afirmou nesta segunda-feira (22) que o uso de paracetamol durante a gravidez poderia estar ligado ao aumento dos casos de autismo em crianças. Segundo a imprensa americana, o governo deve recomendar que gestantes recorram ao medicamento apenas em situações de febre alta. A declaração, apresentada como uma grande revelação, acendeu o alerta em mães, médicos e pesquisadores ao redor do mundo.
O paracetamol, vendido em diversos países sob várias marcas, sendo o Tylenol a mais conhecida, está presente em quase todos os lares. Considerado o analgésico mais seguro para gestantes e crianças, costuma ser preferido porque alternativas como aspirina e ibuprofeno trazem riscos maiores. Por isso, diretrizes médicas nos Estados Unidos, no Reino Unido e no Brasil seguem recomendando seu uso, quando necessário, como a primeira escolha para aliviar dor ou febre na gravidez.
Segundo a médica Mariana Losacco, o paracetamol é amplamente utilizado em diferentes tratamentos por sua eficácia comprovada no alívio da dor, por causar menor irritação à mucosa gástrica em doses terapêuticas quando comparado a outros medicamentos e por ser considerado seguro para diversas populações, desde que usado conforme orientação médica.
A polêmica, no entanto, não é nova. Há anos, pesquisadores investigam se a exposição ao paracetamol na gestação poderia estar associada a transtornos do neurodesenvolvimento, como TDAH e autismo. Alguns trabalhos identificaram pequenas associações, sobretudo quando o uso foi frequente e prolongado. Em 2008, por exemplo, um estudo com pais de crianças diagnosticadas com autismo observou que o paracetamol era citado com mais frequência após a vacinação tríplice viral. Apesar da repercussão, os próprios autores destacaram que os dados eram preliminares e baseados em questionários online, o que limita bastante a força das conclusões.
Cinco anos depois, em 2013, outro estudo analisou padrões populacionais e encontrou coincidência entre o aumento do uso de paracetamol por gestantes e a prevalência de autismo em diferentes países. Essa associação temporal levantou hipóteses, mas os cientistas lembraram que esse tipo de análise, chamada de ecológica, não permite afirmar causa e efeito. É como uma fotografia de grandes populações: útil para levantar pistas, mas insuficiente para comprovar uma relação direta.
A psiquiatra Francine Ferreira, analista junguiana pelo IJUSP e que já trabalhou na Unidade de Psiquiatria da Infância e Adolescência da Unifesp, explica que o tema continua cercado de dúvidas. Uma metanálise com seis coortes europeias mostrou que crianças expostas ao paracetamol durante a gestação tinham cerca de 19% mais chance de apresentar sintomas do espectro autista e 21% mais chance de manifestar sinais de TDAH. Mas, em contrapartida, estudos de grande escala apontam na direção oposta. O maior deles, conduzido na Suécia com mais de dois milhões de crianças, concluiu que não há evidências convincentes de que o medicamento aumente o risco desses transtornos. A própria Organização Mundial da Saúde classifica as evidências atuais como inconsistentes e insuficientes.
Segundo Francine, o que realmente se observa é um aumento nos diagnósticos de autismo, mas por razões multifatoriais: critérios diagnósticos mais amplos, maior reconhecimento dos sinais por profissionais, mudanças ambientais, como a maior exposição a agrotóxicos, e sociais, como a idade mais avançada dos genitores no momento da gestação.
Para aprofundar o debate, o professor Diego Rovaris, da Universidade de São Paulo, que lidera pesquisas em Genômica Fisiológica da Saúde Mental, lembra que a ciência avança devagar justamente porque separar o efeito do medicamento de outros fatores é extremamente complexo. Os estudos sobre o tema trazem resultados contraditórios. Alguns sugerem risco aumentado, outros não encontram nada. E isso se deve, em grande parte, aos fatores de confusão, elementos que influenciam os resultados, mas muitas vezes nem são totalmente conhecidos.
Ele cita, por exemplo, uma pesquisa da Rede TDAH Brasil mostrando que dor crônica e TDAH compartilham mecanismos genéticos e biológicos. Assim, mães que sofrem com dor têm maior probabilidade de ter filhos com TDAH, independentemente do uso do paracetamol. Nesse caso, o risco estaria ligado à condição que levou ao consumo, e não ao medicamento em si.
Há ainda estudos que sugerem efeitos do paracetamol sobre genes ligados ao desenvolvimento cerebral. Esses resultados já foram observados em animais, mas em humanos parecem ser discretos e insuficientes para estabelecer uma relação causal.
Rovaris também destaca que o impacto, quando existe, é pequeno. No caso do TDAH, a prevalência esperada é de cerca de 8 crianças em cada 100. Com uso de paracetamol na gestação, esse número poderia subir para 10 em 100, um aumento modesto considerando um risco relativo de 1,25 relatado em revisões sistemáticas. Para o autismo, esse valor seria ainda menor, em torno de 2,5% a 3% da população.
Um estudo recente publicado no JAMA, com mais de 2,5 milhões de pessoas, mostrou inclusive que até esse pequeno aumento desaparece quando se controlam fatores genéticos, que continuam sendo os principais determinantes.
Diante desse cenário, Rovaris reforça que as gestantes não precisam ter medo de usar paracetamol. O remédio continua sendo seguro quando indicado por um médico, usado na dose certa e pelo menor tempo possível. O que deve ser evitado é a automedicação.
O essencial é lembrar que não há motivo para pânico. O paracetamol continua sendo a primeira escolha no tratamento de dor e febre na gestação. Os estudos ajudam a ciência a entender como fatores genéticos, biológicos e ambientais interagem no desenvolvimento do cérebro, mas não mudam a conduta médica atual.
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