Nova lei torna abandono afetivo parental crime no Brasil; medida reconhece que cuidado vai além do sustento material
Uma análise técnica sobre a influência da Lei 15.240/2025 na relação parental

A nova lei
Publicada em 28 de outubro de 2025, a Lei nº 15.240 altera o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990) para reconhecer expressamente o abandono afetivo como ilícito civil, passível de responsabilização.
A medida amplia a proteção integral prevista no artigo 227 da Constituição Federal:
“Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”
Significa que o cuidado parental vai além da provisão material — alcança o dever jurídico de afeto, convivência e acompanhamento emocional.
Alterações no ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente
A nova lei acrescenta e modifica diversos dispositivos:
- Altera o artigo 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente, que dispõe: “É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.”
Trata-se do princípio da proteção integral da criança e do adolescente, em relação à prestação de socorro; atendimento nos serviços públicos; na formulação e execução de políticas públicas, inclusive a destinação privilegiada de recursos públicos para que haja aplicabilidade de todos os direitos àqueles inerentes, estejam as crianças e adolescentes em situação de risco ou não, em razão da condição de pessoa em desenvolvimento.
- Define a assistência afetiva como dever dos pais, englobando convivência, visitação e apoio moral e psicológico à formação do filho.
Assistência afetiva
A própria Lei nº. 15.240/2025, no §3º do artigo 4º conceitua assistência afetiva como:
- Orientação quanto às principais escolhas e oportunidades profissionais, educacionais e culturais: em respeito ao próprio ECA, a criança e o adolescente possuem direitos de liberdade, como escolha e opinião.
Envolve também o acesso à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho, por meio da igualdade do acesso à escola, inclusive pública e gratuita.
Além disso, podemos observar no aspecto educacional, a possibilidade da educação domiciliar - homeschooling- reconhecida, em 2018, pelo Supremo Tribunal Federal que, segundo o Portal da Câmara Legislativa, é o ensino por meio de aulas dadas pelos próprios pais para as crianças em casa ou pela contratação de professores particulares (tutores), tendo em vista o dever do Estado e da família providenciar educação às crianças, conforme consta na Constituição Federal, mais precisamente no artigo 205; e a penalização pelo crime de abandono intelectual, pelo artigo 246, do Código Penal- “deixar, sem justa causa, de prover à instrução primária de filho em idade escolar”, cuja pena é de detenção, de quinze dias a um mês, ou multa.
A nova lei põe em evidência também o direito à profissionalização, que, segundo o artigo 60 do ECA, é proibido qualquer trabalho aos menores de quatorze anos de idade, exceto o aprendiz, ou seja, a formação técnico-profissional com garantia da frequência obrigatória no ensino regular; que seja compatível com o desenvolvimento do adolescente e com horário especial para o exercício das atividades; assegurados direitos trabalhistas, previdenciários e proteção ao adolescente portador de deficiência.
A assistência afetiva, por fim, sinaliza a importância do acesso à cultura, prevista no artigo 59 do ECA: “os Municípios, com apoio dos Estados e da União, estimularão e facilitarão a destinação de recursos e espaços para programações culturais, esportivas e de lazer voltadas para a infância e a juventude”, a fim de evitar também o abandono intelectual.
- Solidariedade e apoio nos momentos de intenso sofrimento ou de dificuldade: busca a empatia dos pais e responsáveis para com as pessoas em desenvolvimento, compreendendo que lidar com emoções pode ser um desafio para uma criança ou para o adolescente.
- Presença física espontaneamente solicitada pela criança ou adolescente quando possível de ser atendida.
Abandono afetivo como conduta ilícita
O parágrafo único do artigo 5º, da Lei nº 15.240/2025, determina a ilicitude do abandono afetivo, sujeito à reparação de danos, tendo em vista que nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais:
“Parágrafo único. Considera-se conduta ilícita, sujeita a reparação de danos, sem prejuízo de outras sanções cabíveis, a ação ou a omissão que ofenda direito fundamental de criança ou de adolescente previsto nesta Lei, incluídos os casos de abandono afetivo.”
Assistência material e afetiva
O artigo 22 do ECA, alterado pela nova lei, determina o dever de assistência material e afetiva.
“Art. 22. Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda, convivência, assistência material e afetiva e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais.”
Não telefonar, deixar de visitar, ignorar compromissos são exemplos de abandono material e afetivo e os tribunais vêm decidindo pela majoração da pensão alimentícia como consequência desses atos. No julgamento do REsp 1.202.060/SP em 2017, o STJ - Superior Tribunal de Justiça - já decidiu pela revisão da pensão alimentícia no abandono afetivo, pois a negligência no vínculo afetivo gera impacto no desenvolvimento emocional da criança e do adolescente, observando o princípio da paternidade responsável (responsabilidade desde a concepção até o total desenvolvimento dos filhos).
A intervenção do Conselho Tutelar
Segundo o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, o Conselho Tutelar “é um órgão permanente e autônomo que zela pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente.”
É imprescindível que os dirigentes comuniquem, sobre os seus alunos ao Conselho Tutelar:
- Maus-tratos,
- Reiteração de faltas injustificadas;
- Evasão escolar;
- Elevados níveis de repetência;
- A nova lei incluiu nos deveres, a comunicação de negligência, abuso ou abandono afetivo, o que pode ensejar medidas protetivas e até afastamento do responsável, é o que determina o artigo 130 do ECA, com a nova redação:
“Art. 130. Verificada a hipótese de maus-tratos, negligência, opressão ou abuso sexual impostos pelos pais ou responsável, a autoridade judiciária poderá determinar, como medida cautelar, o afastamento do agressor da moradia comum.”
Precedente
Dentre alguns julgados, o Recurso Especial nº 1.159.242-SP, demonstra o caso envolvendo uma ação de indenização por danos materiais e morais movida por Luciane Nunes de Oliveira Souza, que acusa o pai - Antonio Carlos Jamas dos Santos- de abandono material e afetivo durante sua infância e juventude, o qual, na primeira instância, foi considerado improcedente, que, segundo o juiz, o distanciamento entre pai e filha foi causado pelo comportamento agressivo da mãe.
No entanto, o TJ/SP reformou a decisão, reconhecendo o abandono afetivo e fixando indenização por danos morais no valor de R$ 415.000,00.
Antonio Carlos recorreu ao STJ, alegando que não houve abandono e que, mesmo que tivesse ocorrido, não seria considerado ato ilícito pelo Código Civil, pedindo, inclusive, a redução do valor da indenização.
A Ministra Relatora Nancy Andrighi concluiu que o abandono afetivo é um ato ilícito que gera dano moral, pois o cuidado é um dever legal dos pais, independentemente de sentimentos como amor. Apesar disso, por entender excessivo o valor da indenização fixado pelo TJ/SP (R$ 415.000,00), o reduziu para R$ 200.000,00, mantendo os demais termos da decisão.
Consequências do abandono afetivo
- Foi observado no Recurso Especial nº 1.159.242-SP que o abandono afetivo é um ato ilícito que gera dano moral.
- O Código Civil deixa claro no artigo 186 que: “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”
São inúmeros os danos gerados pelo abandono afetivo, dentre eles, a baixa autoestima, influência no desempenho escolar, problemas psicológicos como ansiedade, etc. Esses danos são passíveis de ilicitude.
- Além disso, segundo o artigo 1.638, do Código Civil, haverá perda do poder familiar, por ato judicial, no caso de abandono do filho pelo pai ou pela mãe.
- O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê a ilicitude do abandono afetivo com a reparação de danos no parágrafo único do artigo 5º, incluído pela nova lei, assim como o artigo 130 determina o afastamento do agressor da moradia comum nos casos como maus-tratos, opressão e negligência, por exemplo.
É preciso destacar, por fim, que os danos provocados pelo abandono afetivo precisam ser comprovados, segundo entendimento do Superior Tribunal de Justiça, por meio de laudo pericial.
Considerações finais
A lei destaca aspectos e princípios já existentes no ECA- Estatuto da Criança e do Adolescente, fortalecendo ainda mais a responsabilidade dos pais, de modo que não haja abandono afetivo configurado por:
- Abandono educacional/intelectual - de forma que o Estado autoriza, inclusive, a educação domiciliar para que a criança e o adolescente não sejam excluídos de forma alguma do ensino!
- Privação da liberdade de escolha - uma infância e adolescência mais ativa, geram seres criativos, proativos e seguros.
- Privação da profissionalização - impedir que o adolescente, a partir dos quatorze anos, atue como aprendiz, pode tornar as escolhas profissionais mais difíceis. Incentivar o talento do adolescente é fortalecer uma sociedade.
“Onde falhamos”?
A lei traz o significado de que a parentalidade não se resume ao sustento, mas inclui presença, cuidado e vínculo emocional. Demonstra claramente a falta do “básico” nas famílias, da atenção e do enxergar aquela criança ou aquele adolescente, como um ser em desenvolvimento, desprovido de carinho, com afeto falho.
Embora os relacionamentos entre adultos possam ser rompidos, a filiação é eterna!
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