O que diz a lei sobre estupro de vulnerável e como a Justiça trata esses casos
Conheça os fundamentos jurídicos que garantem proteção integral às vítimas
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Foi recentemente estimulado um debate fundamental acerca da proteção da dignidade sexual no Brasil - o crime de estupro de vulnerável. O protagonismo se deu, sobretudo, pela gravidade do tipo penal em questão.
Afinal, o que é estupro de vulnerável?
Existe um capítulo próprio para crimes contra a dignidade sexual no Código Penal Brasileiro, precisamente no título VI - dos crimes contra a dignidade sexual, capítulo II - no artigo 217- A, que assim dispõe: “ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos - pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.”
Trata-se de qualquer ato libidinoso forçado, seja a vítima do sexo feminino ou masculino.
Segundo o jurista e magistrado Guilherme de Souza Nucci, “busca-se proteger a respeitabilidade do ser humano em matéria sexual, garantindo-lhe a liberdade de escolha e opção nesse cenário, sem qualquer forma de exploração, especialmente quando envolver formas de violência. Do mesmo modo, volta-se particular atenção ao desenvolvimento sexual do menor de 18 anos e, com maior zelo ainda, do menor de 14 anos.”
O que se busca é proteger essas pessoas do ingresso precoce na vida sexual, assim como a corrupção moral, havendo o suporte legal da Constituição Federal, à respeito da dignidade da pessoa humana, prevista logo no artigo 1º da Carta Maior.
O Estatuto da Criança e do Adolescente, que visa o respeito ao desenvolvimento equilibrado e sadio da criança e do adolescente; o Estatuto das Pessoas com Deficiência, que estabelece e protege sobre a vulnerabilidade, vista como uma norma inclusiva, que respeita a liberdade da pessoa com deficiência, inclusive no que diz respeito à sexualidade; o Estatuto do Idoso, que o coloca também em posição de vulnerabilidade aquele que possui idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos, determinando o crime como estupro majorado.
O estupro, por si só, possui várias nuances descritas no próprio Código Penal:
- O estupro previsto no artigo 213, que conceitua o crime como constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso, cuja pena é de reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos; a qual será agravada conforme a gravidade do crime (se lesão corporal, morte, as penas podem chegar até 30 - trinta- anos);
- Violação sexual mediante fraude, ou seja, o autor do crime se utiliza de má-fé, ludibriando a vítima, inclusive com finalidade econômica;
- Importunação sexual, prevista no artigo 215-A, isto é, praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro, é o exemplo do toque não desejado pela vítima em um transporte público;
- Assédio sexual, por meio do qual há constrangimento de alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função, cuja pena é aumentada se a vítima for menor de 18 (dezoito) anos.
Não podemos esquecer que o crime de estupro contra vulnerável é considerado crime hediondo, um crime de extrema gravidade, previsto na Lei de nº. 8072 de 1990, o que incide ao autor do crime: inafiançabilidade, ser insuscetível de anistia, graça e indulto; prisão temporária por 30 (trinta) dias prorrogáveis; regime inicial fechado, dentre outras consequências que a hediondez provoca.
Quem são os vulneráveis?
Primeiramente, cabe entendermos a vulnerabilidade como estado de quem está privado da capacidade de resistência, a vítima como pessoa mais frágil, que não possui capacidade de consentimento, são indefesas por natureza, não havendo uma relação igualitária.
Sabido o conceito, cumpre-nos observar o artigo 217-A, do Código Penal, juntamente com seu §1º, sendo vulneráveis:
- Menores de 14 anos;
- Aquele que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato;
- Pessoa que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência, como o caso de embriaguez, por exemplo.
Do consentimento
O Superior Tribunal de Justiça determinou na súmula 593, que:
“O crime de estupro de vulnerável se configura com a conjunção carnal ou prática de ato libidinoso com menor de 14 anos, sendo irrelevante eventual consentimento da vítima para a prática do ato, sua experiência sexual anterior ou existência de relacionamento amoroso com o agente.”
Existe uma decisão do mesmo Tribunal relativizando a questão do consentimento em discussão sobre vulnerabilidade. O caso do agravo regimental - AgRg no RECURSO ESPECIAL Nº 1.693.344 - RO (2017/0208445-5), resumidamente, versa sobre o caso de “vítima”, que na época, contava com 13 (treze) anos e mantinha relação com o sujeito indicado como “autor do crime”, com 24 (vinte e quatro) anos, cujo pai da menor não autorizava o relacionamento e, inclusive, ingressou com a ação.
No entanto, conforme consta da decisão, é possível “excetuar a aplicação da regra disposta no art. 217-A do nosso diploma penal diante das peculiaridades da situação fática, como ocorreu no caso dos autos(…)”, e continua: “ela não poderia ser vista - à luz do julgador - como vulnerável. Vejamos: a vítima possuía pleno conhecimento das atividades sexuais; a mãe, a qual detinha a guarda de fato consentiu com o namoro e na união estável de sua filha com o apelante. As relações sexuais ocorreram de livre e espontânea vontade.”
O julgador deixou claro, no decorrer da decisão, que não compactua com o incentivo da prática de atos sexuais a menores de 14 anos a pretexto de consentimento, excluindo qualquer forma de violência. O que se entende no julgado é a exceção à regra devido às peculiaridades da então vítima menor, tendo em vista que não houve corrupção da moral.
Diferentemente do que houve em outro julgado - Recurso Especial Nº 1.480.881 - PI (2014/0207538-0) - sendo o Ministro Rogerio Schietti Cruz o relator, na qual a decisão foi pela condenação do acusado, que, na época do crime, possuía 25 (vinte e cinco) anos; a vítima, com 8 (oito!) anos de idade, em que houve a tentativa de alegar pela consciência, entendimento e consentimento desta sobre os atos praticados.
Assim destaco o trecho da decisão mencionada: “o exame da história das ideias penais – e, em particular, das opções de política criminal que deram ensejo às sucessivas normatizações do Direito Penal brasileiro – demonstra que não mais se tolera a provocada e precoce iniciação sexual de crianças e adolescentes por adultos que se valem da imaturidade da pessoa ainda em formação física e psíquica para satisfazer seus desejos sexuais. De um Estado ausente e de um Direito Penal indiferente à proteção da dignidade sexual de crianças e adolescentes, evoluímos, paulatinamente, para uma Política Social e Criminal de redobrada preocupação com o saudável crescimento, físico, mental e emocional do componente infanto-juvenil de nossa população, preocupação que passou a ser, por comando do constituinte (art. 226 da C.R.), compartilhada entre o Estado, a sociedade e a família, com inúmeros reflexos na dogmática penal.”
A lei também é clara, quando impõe no artigo 217-A, §5º do Código Penal, que:
“As penas previstas no caput e nos §§ 1º, 3º e 4º deste artigo aplicam-se independentemente do consentimento da vítima ou do fato de ela ter mantido relações sexuais anteriormente ao crime.”
No State Legislators’ HANDBOOK for Statutory Rape Issues - Manual Dos Legisladores Estaduais para Questões Estatutárias de Estupro, elaborado pelo American Bar Association Center on Children and the Law, concedido pelo Office for Victims of Crime, que faz parte do Office of Justice Programs do U.S. Department of Justice (acesso em 30 de setembro de 2025, 15h00), busca ajudar os legisladores estaduais a desenvolver leis sobre estupro eficazes e aplicáveis que podem e serão usadas para processar os infratores e prevenir a ocorrência do crime.
Esse manual fornece um quadro para o desenvolvimento e análise de legislação que tornaria as relações sexuais com menores um crime com base na idade do menor. O seu objetivo é ajudar os legisladores e decisores políticos que estão a alterar as suas leis sobre violação. Embora cada Estado deva determinar quais as leis a aprovar, este Manual fornece um quadro para discutir e considerar as questões.
São também discutidas questões específicas, incluindo o aumento da idade, o consentimento, diferenças de idade, gravidez, denúncias e penalidades. A reunião discute a elaboração de leis eficazes e aplicáveis sobre o estupro estatutário para proteger vítimas menores de idade.
Para a elaboração do manual, foram analisados dados locais e estatísticas para avaliar o impacto das leis.
Sobre o consentimento, a maioria dos Estados protege menores até 16, 17 ou 18 anos. Perceba que a idade abarcada pela proteção é mais elevada do que no Brasil (14 anos).
Algumas legislações consideram a diferença de idade entre o agressor e a vítima. E, por fim, a legislação deve evitar criminalizar relações consensuais entre adolescentes.
A proporcionalidade também é aplicável aos Estados Unidos em relação ao crime por eles denominado “estupro estatutário” (segundo o manual), de modo que as sanções variam conforme a idade da vítima e do agressor.
Do manual extrai-se que essa é uma questão global. O exemplo do manual americano mencionado foi apenas um dentre muitos outros países que repudiam a relação sexual ou qualquer outro ato libidinoso entre um adulto e um menor, ainda mais a criança.
Das penas
Como já mencionado, trata-se de crime hediondo, aquele que possui extrema gravidade.
O crime em comento possui pena de reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos. No entanto, o crime de estupro de vulnerável possui forma qualificada, ou seja, lesão corporal de natureza grave, a pena será de reclusão, de 10 (dez) a 20 (vinte) anos; e, se resulta morte, reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.
A ação é promovida pelo Ministério Público, sem que haja provocação, movimentação judicial por parte da vítima, considerando o interesse da vítima (o vulnerável) e a efetividade da justiça.
A importância de estarmos juntos
Apesar da clareza legal, o tema ainda enfrenta desafios sociais e culturais. Muitas vezes, a vítima sofre duplo julgamento: primeiro, pela violência sofrida, e depois, pela desconfiança da sociedade.
Essa é uma preocupação que atravessa fronteiras, como no caso dos Estados Unidos, onde deixa claro no State Legislators’ HANDBOOK for Statutory Rape Issues o temor de que as vítimas sejam desestimuladas às denúncias justamente pelo enfrentamento social.
Por isso, é essencial insistir na denúncia, na investigação célere e no acolhimento das vítimas, que é crucial no enfrentamento das sequelas psicológicas do crime.
A informação, pesquisa e estudo são relevantes para questões como a apresentada. Nós, como sociedade, devemos orientar nossas crianças acerca da proteção legal e, principalmente, familiar, para que haja maior segurança para eventuais denúncias! As leis são extraídas da teoria, postas em prática quando há de fato uma mobilização social!
O estupro de vulnerável não é apenas uma questão criminal: é um tema que toca diretamente a proteção da infância, da juventude e da dignidade da pessoa humana — valores que constituem pilares fundamentais do Estado brasileiro.
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