Perseguição reiterada: como a lei brasileira trata casos de ‘stalking’
Você sabe reconhecer quando uma aproximação ultrapassa os limites?
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A recente notícia sobre o crime de stalking volta a nos alertar sobre os riscos e como buscamos proteção. O caso de uma médica psiquiatra do Distrito Federal afirma ser perseguida por um ex-paciente há mais de quatro anos. A profissional, de 34 anos, contou que já perdeu a esperança na Justiça e decidiu expor o caso nas redes sociais.
Por que o nome “stalking”?
O termo proveniente do inglês significa “perseguir de forma persistente e invasiva”, e, tendo em vista que trabalhos realizados conjuntamente entre criminologistas e psicólogos forenses passaram a estudar a natureza e motivação dos comportamentos dos perseguidores, sendo os americanos os precursores, mais precisamente na Califórnia.
A principal característica é comportamento reiterado, constante, que ultrapassa os limites da aproximação da vítima, provocando sensação constante de vigilância. Por muito tempo, esse tipo de conduta foi minimizado socialmente, visto apenas como “insistência”, mas a realidade mostrou que os impactos podem ser profundos, exigindo uma resposta jurídica efetiva.
Os Estados Unidos possuem seis Escritórios de Programas de Justiça do Departamento de Justiça, um deles que atende inclusive casos de crime de stalking, é o Escritório para Vítimas de Crime - OVC - Office for Victims of Crime.
Segundo o site americano do Departamento de Justiça, a “distinção do “stalking” de outros comportamentos sociais ou criminosos desviantes atingiu um momento decisivo em 1990, quando o estado da Califórnia aprovou a primeira lei que tornou o stalking um crime.
Esse foi um marco histórico que desencadeou leis semelhantes em outros estados e no âmbito federal. A promulgação da lei da Califórnia resultou em uma crescente conscientização sobre o “stalking” entre autoridades da justiça criminal, profissionais de atendimento às vítimas e o público em geral — todos os quais passaram a encarar o problema de forma mais séria”.
Aspecto legal - geral
Analisando o trecho acima comentado, o que mais chama atenção é que as preocupações em torno do stalking nos EUA ocorreram na década de 90! Embora sejam precursores na legislação, ainda há rastros e esforços no combate a esse crime no país norte-americano.
No Brasil, o crime de stalking foi incluído na legislação em 2021, ou seja, 31 anos depois, apenas, pela Lei nº14.132, de 31 de março de 2021, que define o crime de perseguição, pena e agravantes.
Âmbito constitucional
A Constituição Federal, como a nossa Lei Maior, tem como fundamento a dignidade da pessoa humana, prevista logo em seu artigo 1º.
Nos artigos seguintes, especialmente no artigo 5º, incisos X e XI, estabelece a inviolabilidade da intimidade, vida privada, honra, imagem e da casa.
Mais adiante, no artigo 228, §8º, a Constituição mostra-se preocupada em assistir à família por meio de mecanismos para prevenção contra violência nas suas relações. Apesar de a Constituição Federal conter o princípio da mínima intervenção familiar, há intenção de amparar e proteger as relações familiares.
Âmbito penal
O Código Penal inseriu o crime no artigo 147-A, como uma manifestação concreta da força normativa (do poder) da Constituição, que impõe ao Estado o dever de prevenir e punir condutas que atentem contra a dignidade humana.
Art. 147-A. Perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade.
Pena – reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa
O mesmo artigo determina causa de aumento de pena:
§ 1º A pena é aumentada de metade se o crime é cometido:
- contra criança, adolescente ou idoso;
- contra mulher por razões da condição de sexo feminino, nos termos do § 2º-A do art. 121 do Código Penal;
- mediante concurso de 2 (duas) ou mais pessoas ou com o emprego de arma.
Conseguimos perceber pela lei o objetivo de proteger a liberdade pessoal, a integridade física e psíquica e a privacidade das pessoas, devido aos efeitos da perturbação à vítima.
A “reiteração” é exigida?
O crime de perseguição é considerado um crime habitual, trata-se de ação repetida, reiterada.
Há alguns julgados que podem exemplificar o crime de stalking. É o que podemos analisar na Apelação Criminal Nº 1.0000.23.234187-5/001, cujo caso trata de crimes de ameaça, perseguição, lesão corporal praticada contra mulher em razão da condição do sexo feminino, descumprimento das medidas protetivas já impostas anteriormente contra o autor do crime e violência psicológica contra mulher.
A pena aplicada foi de 02 (dois) anos, 07 (sete) meses e 21 (vinte e um) dias de reclusão e 04 (quatro) meses e 21 (vinte e um) dias de detenção, além de 30 (trinta) dias-multa. O agressor buscou absolvição sobre todos os crimes alegando que as provas eram fracas para sua condenação.
No período de julho de 2022 a abril de 2023, perseguiu-a, reiteradamente, ameaçando sua integridade física e psicológica, invadindo e perturbando sua esfera de liberdade, causando dano emocional e prejuízo à sua saúde psicológica mediante humilhação, constrangimento e ameaça.
Isso ocorreu pela não aceitação do término do relacionamento por parte da vítima, por já ter sofrido agressões e ameaças durante o relacionamento. Os atos eram, por exemplo:
perseguição e surpresa na porta do trabalho da vítima, perto da casa e ameaças de morte à vítima e ao filho dela, postando fotos em redes sociais com armas de fogo, além das agressões físicas como puxar os cabelos e socos na vítima, gerando danos físicos e emocionais como medo e pânico.
A vítima não tinha paz, já estava tomada por pânico em sua própria casa, pois o agressor passava de carro constantemente na porta, e, embora tenha recorrido ao Judiciário, o autor dos crimes não cumpria as medidas protetivas e, normalmente, a agredia quando estava sozinha, segundo testemunhas.
Embora o processo tenha sido sobre crime de perseguição, por si só não foi acolhido, por terem ocorrido crimes mais graves, havendo punição sobre esses, isto é, ao invés de aplicar a pena mais baixa exclusivamente do crime de perseguição, houve condenação com penas mais rigorosas pela prática de crimes ainda mais graves.
O Acórdão 1664499, 07008922520218070012, com o relator Robson Barbosa de Azevedo, da Segunda Turma Criminal, em 9/2/2023, reforça a ideia de que é exigida a reiteração dos atos para que ocorra crime de perseguição.
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O perfil do agente criminoso
O Departamento de Justiça dos Estados Unidos esclarece ainda que “as percepções gerais de stalking envolvem algum personagem obscuro” e acrescenta, por fim:
“Os stalkers podem, de fato, seguir seus alvos fisicamente, mas também são propensos a usar uma variedade de outros meios para monitorar suas atividades. Sabe-se que os stalkers usam binóculos, telescópios, câmeras equipadas com “lentes de longo alcance”, filmadoras, microfones ocultos, a internet, registros públicos e cúmplices (intencionais e inconscientes) para rastrear o paradeiro e as atividades daqueles que perseguem."
“O stalking tem menos a ver com a vigilância das vítimas do que com o contato com elas. Se os stalkers quisessem apenas ver os objetos de sua obsessão de longe, não representariam um risco sério à segurança. Os stalkers, por sua própria natureza, querem mais. Eles querem contato. Eles querem um relacionamento com suas vítimas. Eles querem fazer parte da vida delas. E, se não puderem ser uma parte positiva da vida delas, eles se contentarão com uma conexão negativa com elas. É essa mentalidade que não apenas os torna “stalkers”, mas também os torna perigosos.”
A perseguição pode, então, se apresentar por várias atitudes: ligações, seja diretamente para a vítima, seja no telefone comercial, mensagens reiteradas, bilhetes, permanência/espera no local de trabalho, academia, escola; coincidências nos mesmos restaurantes, agressões a animais de estimação; ameaças aos entes queridos, por exemplo.
São essas, dentre incontáveis outras atitudes típicas daquele que não aceita o fim de um relacionamento, seja amoroso, seja amistoso. O agente se sente “preterido”, rejeitado e quer ter o controle sobre a vítima, quer fazer parte da vida dela de alguma forma.
O crime pode ser cometido por agente feminino ou masculino, assim, qualquer pessoa pode ser autora de stalking.
Cabe acrescentar que o crime também pode ser cometido virtualmente, como assédio por meio de uma rede social, por exemplo, é o que se denomina cyberstalking, que, inclusive, pode se apresentar como stalkerware - são os aplicativos espiões.
Como estão os índices no Brasil?
Segundo o Anuário da Segurança Pública de 2025, o crime de stalking aumentou em 18,2%, são 95.026 casos. Crimes correlatos como:
- Feminicídios: aumentaram em 0,7%, representando o acréscimo de 1.492 vítimas;
- Tentativa de feminicídio: subiu para 19%, ou seja, 3.870 casos;
- Violência psicológica: são registrados 6,3%, sendo 51.866 (mais de cinquenta mil casos!);
- Estupros: o maior número de estupros, inclusive contra vulneráveis, na HISTÓRIA! Até 2024, foram 87.545 vítimas!
Prevenção e remediação
Aos primeiros sinais de ofensa, desconforto, desconfiança e medo, afaste-se daquele que provoca essas sensações. É importante não dar chances para que as agressões façam parte do dia-a-dia, evitando o pior resultado.
Estar em um relacionamento tóxico e abusivo não depende de escolaridade, de instrução intelectual ou de aprovação social. Esse tipo de relacionamento mantém a vítima em uma prisão invisível, por isso, é importante, nós, como sociedade, parentes ou amigos do (a) ofendido (a) ficarmos em alerta, considerar todo e qualquer sinal e oferecer amparo e orientação.
Embora o termo “stalking” seja moderno, o comportamento não é novo nas relações humanas. O Departamento de Justiça dos EUA, demonstra preocupação em encontrar soluções para o crescente problema por meio de pesquisas adicionais, pois as compreensões sobre o tema, apesar de iniciadas por volta da década de 90, ainda demonstram ser apenas o começo da conscientização.
No Brasil, a ação penal depende de representação da vítima, significa que deve ter a iniciativa de denunciar, realizando o boletim de ocorrência na delegacia para que o Ministério Público prossiga com a ação. Não hesite em procurar socorro na polícia.
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