A falsidade humana à nossa imagem e semelhança
Enganações revestidas por uma doce ilusão aparente que um falso médico pode em si carregar levam a perdas e dores desnecessárias quando não à morte propriamente dita
Eduardo Olimpio|Do R7
Independentemente do seu celeiro cultural, ou seja, o meio em que você se formou e todas as influências que tenham se transformado em algum valor dentro da bagagem que te acompanha na vida, há um território, entre outros tantos, no qual se destaca certa face de quem somos de fato, de quem fingimos ser ou de quem estamos à mercê.
A falsidade é imperiosa no nosso ecossistema e nos acompanha sempre. Até pagamos de forma consciente para a vivenciarmos quando vamos a um show de um mágico, de um prestidigitador. Nas artes, em geral, mais que permitido é até legal sermos mansa e respeitosamente ludibriados pelas artimanhas e imagens de uma tela num contexto ficcional ou pelo palco e seus atores a encenarem seres inacreditáveis de tão reais ou tão míticos. Tem muito campo e fica impossível esgotá-los nessa referência dada. Fato é que estamos a lidar cotidianamente com falsários, autorizados ou não por nós a, conosco, se relacionarem.
O problema é quando transpomos a coisa para algum lugar fora da ficção. E piora na medida e que a falsidade interage com o corpo e a mente a ponto de colocar em risco a vida que sustenta tudo. E, mesmo que desromanceada pela crueza ou outra anomalia paralela a psicopatias, falsidades e seus operadores se embaraçam em nossas vidas misturando-se à necessidades ímpares como um socorro médico para o corpo ou ao espirito agindo, quase o tempo todo, no modo automático para espanto e algum temor.
Se existem no exercício da medicina pessoas não-médicas operando seus semelhantes, amputando-lhes membros, arrancando-lhes pré-molares, aplicando-lhes doses cavalares de substâncias erradas nas veias ou simplesmente negligenciando-lhes um cessar-fogo para em suas dores mais penosas, saibamos que agem de forma oficial.
É difícil, mas está cada vez mais fácil e visível conhecermos casos malsucedidos de falsos médicos ou enfermeiros, técnicos ou farmacêuticos que fizeram algum procedimento em alguém de forma criminosa, fora dos protocolos e de maneira extensiva e ostensiva. Mais uma vez, é triste, mas neste exato momento de leitura há pacientes sendo atendidos por falsários e criminosos nos mais variados lugares. São ou estão travestidos de profissionais da saúde prescrevendo receitas, dando injeções e fechando diagnósticos mirabolantes, portanto, cometendo crime contra a vida.
Há cerca de uma semana foi descoberto pela Polícia uma destas figuras perigosas. Um falso médico atuava como profissional da área fazendo socorro à vítimas de acidentes rodoviários na Via Dutra, que liga as capitais do Rio de Janeiro e de São Paulo. A pergunta é imediata e não quer calar: como podem contratar alguém sem checarem as credenciais?
Traduzindo, o RH está preparado, ou está preocupado de fato, em fazer uma investigação mais aprofundada e tascar um questionário mais criterioso para contratar mão de obra neste setor empregador? Em detalhe, não caberia ao RH investigar mesmo se aquele número de inscrição na autarquia médica correspondente não está sendo usado de forma farsesca a favor do crime, ou se aquele diploma é, de fato, originário da instituição de ensino estampada em letras ‘rococós’?
A reflexão gira em torno da seguinte questão: se falsear a realidade a título de entreter e fazer do duro dia a dia algo sublime é e deve ser permitido e, o seu contrário, ser punido, não deveria haver alguma legislação mais incisiva a ponto de cobrar, de quaisquer instituições nacionais contratantes de serviços médicos, um protocolo mais rígido no tocante à contratação de médicos e afins para prestar um tipo de serviço que, como finalidade, não há nada no mundo mais nobre?
Temos conhecimento adquirido por incontáveis gerações do que a ciência é capaz, bem como vimos desenvolvendo ferramentas tecnológicas suficientemente confiáveis para barrar as falsidades danosas (reconhecimento facial e de voz, leitura da íris e das digitais, DNA, enfim). Parece que nada é o suficiente para estancar tais práticas. Ao mesmo tempo que repelimos, parece que nos sentimos atraídos pela impressão (falsa, claro) de que há outras maneiras de se conseguir algo como receber um bilhete premiado do nada, inflar com vários zeros a conta corrente com valorização fora do padrão de ações na Bolsa, por aí.
Também é por aí que a magia acontece. Nada mais falso do que esta afirmação.
Os textos aqui publicados não refletem necessariamente a opinião do Grupo Record.