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Eduardo Olimpio

A vez do samba ou da marchinha da consciência na avenida

Diversão do carnaval requer equilibrar espontaneidade e respeito  

Eduardo Olimpio|Do R7

O Carnaval é, sem dúvida ou franzimento de nariz, a festa popular mais inquietante do planeta. É palco para manifestações individuais e coletivas. Da política ao humor, do meio ambiente ao folclore, da religião a violência, o universo, literalmente, cabe nos sambas-enredo, marchinhas e alegorias de carros e corpos.

Eu, quando jovem folião lá atrás no tempo, lembro de ter me fantasiado de bebê, com direito a chupeta, alfinete de Itu e, claro, fralda improvisada com algum pano de casa enrolado, por certo, com a ajuda da minha mãe. Havia piratas, colombinas, pierrôs, arlequins, bailarinas, lindas monstrinhas, marinheiros barrigudinhos, padres, indígenas, escravos (egípcios, negros, do amor)...de tudo um pouco.

Fosse hoje (larguei há muito a ‘Máscara Negra’ e nem cheguei a curtir o Axé), poderia correr o sério risco de ser ‘cancelado’ – boicotado, na linguagem das redes sociais - por talvez estar ofendendo moralmente ou tratando preconceituosamente os recém-nascidos! Cancelado também teria sido aquele desconhecido ‘vestido’ de indígena, acusado por ‘apropriação cultural’ – quando um grupo majoritário se apodera de uma cultura tida como inferior ou minoritária. Recordo que nas matinês ou mesmo nas noites do salão que iam das 23h às 4h da manhã, fazia-se uma espécie de circuito oval (cordão humano) que passava no meio da multidão e, nos dois lados desta fila dançante, o que mais se via além de suores, confetes e copos de bebida eram ladrões...de beijo.

Alessandra Negrini e as lideranças indígenas
Alessandra Negrini e as lideranças indígenas

Por falar no beijo e no gatuno que fui, desde 2018 estaria eu enquadrado também na Lei 13.718/18, que caracteriza o crime de importunação sexual. Pensei logo na estrofe da mesma ‘Mascara Negra’, uma das músicas mais históricas do Carnaval (e, provavelmente, mais fora de moda, com o Tecno e o Funk na festa do Momo), quando nos ‘libera’ pro ato criminal: “ Vou beijar-te agora / Não me leve a mal / Hoje é carnaval”.


Não há o que hesitar quando em determinadas atitudes e situações sociais fica evidenciada a necessidade de se colocar em prática o que se convencionou chamar de ‘politicamente correto’. Tão necessário que, ao longo dos anos, foi sendo ampliado o entendimento de seu uso. Começou-se a perceber que expressões linguísticas, culturais etc. carregavam em si um preconceito enraizado ao caracterizarem-se em certas colocações como, por exemplo, ‘judiação’, ‘denegrir’, ‘favela’, ‘aidético’, ‘índio’, ‘hoje é dia de branco’, ‘a coisa tá preta’.

Como tudo na vida tem, ao menos, dois lados, na outra ponta fica evidenciada também uma certa dose de chatice, de exagero que se (em)prega ao fazerem o uso da censura à livre manifestação da criatividade do pensamento alheio, do modo do outro ver e perceber a vida.


‘Formadores de opinião’, artistas, jornalistas, cientistas políticos e demais ‘istas’ ora fazem o papel de juízes de valor a carimbar os malfeitos dos outros que mancham determinados grupos ( ah, esqueci das fantasias de enfermeira e de médico !), ora são eles mesmos vítimas do processo moral que os conduz ao isolamento porque não se submeteram ao crivo do politicamente correto ao se exibirem publicamente. Como mostrou o caso da atriz Alessandra Negrini, no bloco Acadêmicos do Baixo Augusta, durante o pré-Carnaval de São Paulo deste ano, sendo questionada por estar ‘fantasiada’ de ‘índia’ com cocar e pintura. Para registro, lideranças indígenas saíram em defesa dela por terem visto na roupa, na maquiagem e nas manifestações públicas da artista um apoio à causa.

Que legal seria se o bom senso prevalecesse de todos e campanhas como ‘Não é Não’ fossem desnecessárias para coibir o assédio sexual na festa mais inquietante do planeta e em outras tantas.

Os textos aqui publicados não refletem necessariamente a opinião do Grupo Record.

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