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Eduardo Olimpio

As entranhas da violência e sua natural estadia em nós  

Sem intenção de fechar uma radiografia definitiva, aprender sobre a humanidade pelo viés da violência dói, mas ajuda a buscar sentido de vida

Eduardo Olimpio|Do R7

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Como se não bastasse à sociedade, qualquer uma, se olhar no espelho e ver nele um pouco do horror que preenche muito de nossa natural desarmonia e ódio quando tratamos de e entre nossos semelhantes aos nos relacionamos, o mundo também não colabora e não dá folga para restabelecermos algum fôlego a fim de enfrentar cenas chocantes de ‘desumanidades’ cometidas por uma pessoa contra outra.

Independentemente ou não de política, religião, gênero ou quaisquer outras formas de expressão que nos diferenciam, há muito mais semelhanças em jogo sob o ponto de vista genético como espécie do que ser são-paulino, muçulmano ou mulher, por exemplo, quando olhamos pelo prisma da violência construída ou a inata, como creem certas correntes filosóficas.


Uma dessas cordas que nos amarram ao mesmo pau de sebo é o uso da nua e crua brutalidade como ferramenta de persuasão ou ataque ao próximo. Já largamente estudada mas nunca esgotada em sua multiplicidade de eixos, a crueldade e a perversidade ancestrais se nutrem e revelam-se explicitamente numa espiral que rodeia as relações humanas, sem nunca deixá-las livres do sangue e das lágrimas que produzem. Traumas físicos e psicológicos comumente são os resultados impressos nos que sofrem e, ainda que mais eventualmente e de forma própria, nos que violentam a existência humana.

Há uma escalada epidêmica de ações violentas entre as pessoas comuns no cotidiano
Há uma escalada epidêmica de ações violentas entre as pessoas comuns no cotidiano

O último caso que vi publicamente foi de um menino atacado pelas mãos sufocantes de um homem — no caso um padrasto — que violou a dignidade da qual potencialmente todos os seres humanos vivos gozam como direito básico, nascidos em qualquer ponto da Terra.


A marca de um único tapa, antecipado ou não por uma palavra ou gesto de ruptura ética, deixa um sinal que, dependendo de quem o recebe sobre a pele, nunca mais sai. Claro que há gente que consegue, realmente, se libertar do trauma por entendimentos e/ou procedimentos diversos que a psicologia, a espiritualidade ou outras formas de engajamento com o amor promovem. Mas não há engano: trata-se de um rastro insolúvel em um relacionamento estabelecido entre partes, sendo elas conhecidas mutuamente ou não. Não estão computadas, por obviedade, as guerras ou batalhas impostas e suas características comportamentais. Suas aberrações e massacres coletivos que historicamente irrompem como erupções vulcânicas acompanham o Homem desde sempre, e a idiota espécie trata de fazer sempre seu conflito interior eclodir, derramando o vermelho na terra e criando o cheiro podre misturado ao pó das ruínas e à pólvora, quando não espalhando ondas de choque quentes de radioatividade.

O que quero chamar atenção aqui, não pela primeira vez, é para a escalada epidêmica na qual estamos nos diversos gráficos que escancaram o nível e intensidade de ações violentas entre as pessoas comuns no cotidiano. Também merece um alerta sem tréguas a violência patrocinada pelo Estado na forma de tortura e discurso, comumente viabilizados e associados ao trato policial ou ao enfrentamento individualizado entre cidadãos não policiais na ponta dos acontecimentos.


No trânsito, nos bares, nas arenas esportivas, nos espaços de cultos religiosos, nas ruas, estradas e vielas, nos becos das favelas, enfim, em qualquer lugar, a presença da violência e a ausência do amor e do diálogo, bem como da formação cívica e da educação, assolam o planeta. As diferenças, que normalmente deveriam ocupar os espaços dos diálogos e das convivências, são "tiradas" pelo gatilho, cabo de instrumento cortante, mãos fechadas e bocas abertas, aniquilando a beleza de viver na pluralidade dos fatos, dos argumentos, dos ambientes e da própria natureza da qual apenas fazemos parte, sem que sejamos donos de qualquer verdade que nela se expresse.

Quem sabe possamos todos, um dia, deitar nossas carcaças e mentes violentadas em variados divãs para uma terapia pública, com a finalidade de aprender e entender como conseguimos viver em meio à múltiplas e doloridas facetas da violência, aonde chegamos com ela e, quem sabe, um dia também, deixá-la na exceção das características que nos definem.

Os textos aqui publicados não refletem necessariamente a opinião do Grupo Record.

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