O meu lugar e o meu instante na pele de todo mundo
Seríamos melhores como coabitantes deste planeta se experimentássemos viver as dificuldades dos outros de forma real?
Eduardo Olimpio|Do R7
Como começar a falar sobre algo que não vivenciamos, mas de forma terceirizada assistimos frequentemente pelas telas, ouvimos em relatos feitos por familiares e amigos ou tomamos contato ao lermos no noticiário ou nas redes antissociais? Falo daquele conhecimento instantâneo das coisas, não propriamente do adquirido em jornadas literárias página após página.
A pergunta parece solta assim, e é porque nela mora justamente o não lugar, onde o acontecido não nos diz respeito diretamente; apenas é por nós consumido, mas quase nunca absorvido por não causar ferimento na carne ou no plano sensorial-psíquico, ou mesmo não acrescentar uma experiência avassaladora e modificante em nossa vida. É ou se tornou comum ficarmos sabendo de coisas, acenarmos com a cabeça, invariavelmente soltarmos algumas expressões faciais ou linguísticas pela fala e nos mantermos numa mesmice, ainda que seja desconfortável.
O que geralmente não ocorre é a tal da empatia, aquela capacidade tão humana quanto a barbárie o é, de nos colocarmos no lugar de outra pessoa quase que literalmente para "sentirmos na pele" as dores e as delícias dessas vivências que originalmente não são nossas. Essa experiência "emprestada", mesmo se desejada de ser sentida, se é feita "nas coxas" não atinge uma profundidade a ponto de passarmos a saber, com essa nossa meia sensibilidade, o que de fato o fato traz.
Partindo para a prática, independentemente do tempo de exposição e do momento na vida que um acontecimento se materialize, nos coloquemos por exemplo no lugar de um judeu em algum campo de concentração nazista na Polônia, sei lá, em 1944. Este homem cheira, todos os dias de sua forçada estada nesse lugar, a fedentina da carne humana se deteriorando perto de seu leito sujo e cheio de ratos, vinda das valas ou das câmaras de gás.

O que devia sentir um camarada desses? Como é estar na pele de um condenado sem culpa, sem data de execução formalizada mas certo de que sua vida biológica pode não durar até o entardecer de mais um dia qualquer? Sintamos o absurdo de que a questão de nossa vida ou de nossa morte em instantes está terceirizada não nas mãos de uma divindade, mas sim de um outro homem que pode simplesmente olhar para você, dizer ou não dizer algo, apontar uma arma na direção da nossa cara e atirar, à frente de uma pequena multidão, sem o menor receio de qualquer resistência ou mesmo de crítica, num livre exercício arbitrário de poder usando a violência crua como ferramental.
Mais uma provocação: como é estar na situação de um miserável esfomeado, num canto qualquer de uma rua qualquer do mundo? Eticamente eu roubaria comida pelas esquinas? Como é ter nascido num lugar fedorento, com esgoto correndo na soleira da porta de casa? Será que eu, como me (re)conheço aqui e agora na primeira pessoa do singular, daria conta disso?
Ainda singularizando, como deve ser a dor de quem é violentado sexualmente? Como é a experiência física e emocional de quem é traficado, ou tem seu corpo mutilado propositalmente para servir a uma rede clandestina de compra e venda de órgãos humanos? Como é sentir na pele a discriminação por ter, nela mesma, uma "pretitude"?
Como eu, com meus valores e referências ocidentais de liberdade e consumo, sobreviveria a um ditador que, apenas e tão somente por seu "lugar de fala" e de poder, mandasse e desmandasse na minha existência, no que visto e penso?
Eu conseguiria tocar em frente minha vida se testemunhasse meus pais sendo assassinados? Eu enlouqueceria, perdoaria ou desejaria matar quem me tirou da convivência, de forma precoce e forçosa, um amor de irmão, de filho?
Refletir sobre essas coisas não é fácil, assim como é difícil exercitar a empatia diante da descomunal dor que abate nossa felicidade quando paramos para pensar no próximo, na vida que leva, nas dores alheias. Agradecemos sobre o que temos e somos, mas ainda carecemos de nos infiltrar nas entranhas da vida para sabermos mesmo o que é ser ou estar numa outra dimensão existencial.












