Um homem, suas cicatrizes e ilhas imaginárias
O dito popular ‘fazer de um limão uma limonada’ pode ser, literalmente, atribuído a um momento agudo na busca pela sobrevivência
Eduardo Olimpio|Do R7

Uma das maiores dificuldades humanas é a tal da empatia. Como já disse aqui há algumas semanas, colocar-se no lugar de quem passa principalmente por uma dificuldade na vida é daquelas coisas um tanto difíceis, quer por barreiras culturais ou mesmo as naturais incapacidades pessoais. Nada de estranho, portanto, não conseguir alcançar uma experiência por conta da impossibilidade simples e curta, sem ser grossa, diga-se.
Cheio de boas histórias, no entanto, o mundo vê nas quebradas e nas suas bordas pessoas que, involuntariamente até, se tornam protagonistas de fatos que produzem roteiros fictícios e literários cujas narrativas, ao longo da existência da escrita, tiveram lugar de destaque no imaginário do conjunto humano. Jornadas impossíveis de mágicos e bravos mitos sempre estiveram presentes nas histórias criadas que sensibilizaram reais aventureiros séculos após séculos.
Neste fim de semana agora o noticiário trouxe à luz uma dessas verdadeiras histórias, a lá Robinson Crusoé, de um homem e sua involuntária saída de cena da realidade para entrada no imaginário, ainda que dolorido, de uma impensável aventura.
Vamos ao resumo da epopeia. No Rio de Janeiro, um jardineiro contempla o mar de cima de uma pedra sem avisar a família de que estava no local de origem do imponderável episódio que viria a seguir 3 quilômetros adiante.
Pelo seu relato, não mais que de repente, uma forte onda bate neste maciço e o carrega ao mar salgado em segundos. E nos minutos que se sucedem, este homem acaba sendo levado pelas correntezas até uma ilha defronte de uma praia vizinha a que estava, a cerca de 1,5 km de distância desta. Cansado e machucado, começa sua jornada tentando chamar a atenção de quem estava na areia tomando sol, mas nada.
Dia a dia segue maquinando uma forma de sobreviver e, em suas andanças, este ilhéu encontra uma pequena e improvisada barraca de pescadores e, nela, dois limões, devorados pela fome crescente do homem entre a luz do dia e a escuridão, e a repetição deste lusco fusco por 4 dias.
Até que no 5º ele avista um jet-ski e acena desesperadamente em direção ao piloto. O surfista que o vê, quase incrédulo de se tratar de um náufrago ou algo assim, grita de volta dizendo que vai chamar ajuda.
Logo depois um helicóptero dos Bombeiros resgata o jardineiro, que após passagem necessária pelo hospital pode gozar da companhia da filha e da neta no Dia dos Pais, ainda muito machucado pelos ferimentos espalhados em todo o corpo mas cheio de histórias para contar, e novas descobertas, sensações e, quem sabe, leituras do significado da vida. Poderá, com toda a bagagem e razão, até palestrar irmanado ao conteúdo do navegador Amyr Klink.
A vida da gente, tendo ou não dinheiro, casa, trabalho, comida, família, amigos, saúde e demais componentes iguais a esses em importância, nos ensina que, de uma hora para outra, o que era um algo controlável passa ao caos e nos lança ‘mar adentro’ rumo a um universo de possibilidades impensáveis até o fenômeno. Também nos diz que estar no lugar do outro numa zona de conforto até que não é muito difícil.
O complicado mesmo é sentir na pele o ferimento e a incerteza de sua cicatrização, e isso faz bem para valorizar a continuidade do viés humano na raça animal que se vê no topo da cadeia global, mesmo sendo frágil diante da natureza em estado puro.












