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Eduardo Olimpio

Uma homenagem ao talento do improviso

Lembranças e experiências pessoais guiam variadas reflexões que surgem quando mestres das artes ‘decidem sair de cena’ da vida

Eduardo Olimpio|Do R7

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Jô Soares nos deixou na semana passada
Jô Soares nos deixou na semana passada

Corta! E a cena volta no tempo do extinto Teatro Záccaro, no bairro do Bixiga, em Sampa, numa noite perdida pelo final dos anos 1980. E lá pelas 11 horas e tanto de uma outra noite, da década seguinte, também num finado estúdio do SBT no bairro do Sumaré na mesma capital paulista, a fita rebobina.

Ambos são endereços a mim memoráveis porque foi nestes locais que consegui exercer uma curiosidade juvenil que, creio, ainda existe numa parcela dos jovens de hoje. No entanto, pela data em que estamos no calendário gregoriano, a multiplicidade de atrativos simultâneos de livre escolha e uso nascidos do ventre das tecnologias digitais ou mesmo por uma mudança acentuada — para pior — no cenário da violência urbana que costuma inibir saídas noturnas, essa juventude pode não querer, não entender ou mesmo desconhecer um nicho de socialização opcional para além das baladas.


Para contextualizar, não estive só nessa busca. Muitos iguais viveram o must (termo que não circula mais nas bocas de ninguém vivo) que era perguntar ao pai, mãe, irmãos e primos se os haviam visto e iam a esses locais para divertir-se, aprender, entreter, escrachar junto, rir de alguma maneira e se encantar com um jeito ‘improvisado’ de fazer a coisa, até então enquadrada em um ‘padrão’ quase único visto numa janela retangular de um televisor de tubo já transistorizado. Caso desconheça essa narrativa toda, pode recorrer ao You Tube pela tela touch, eu deixo.

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Claro que em mais de 70 anos de existência, também não haveria de existir exclusividade nessa socialização voluntária. Outros cenários se abriram para que pessoas de todas as idades pudessem, neles, se sentirem pertencentes como eu me senti nas duas únicas vezes que participei dessa maneira ‘passiva’ de entretenimento popular.


Falo dos programas de auditório da televisão brasileira que, somente nos caminhos da minha memória desde criança, dentre outros foram trilhados por artistas e apresentadores com Silvio Santos, Chacrinha, Bolinha, Flávio Cavalcanti, J. Silvestre, Airton e Lolita Rodrigues, Gugu Liberato, Hebe Camargo, Fausto Silva e Jô Soares. De variedades a gincanas, de concurso de calouros a biografias, de musicais a talk shows, de teleteatro a circo, tudo a TV mostrou e, com alguns desafios impostos pela mudança da sociedade nos últimos 40 anos, ainda mostra e mostrará.

Jovem, mas já crescido, questionando o mundo e querendo furar tetos para dar vazão a inquietudes baratas ou pertinentes, fui ver, presencialmente, os programas Perdidos na Noite, da TV Bandeirantes, apresentado pelo Faustão, e o Jô Soares Onze e Meia, no SBT, conduzido pelo próprio humorista. Naquela minha adolescência fazia todo sentido buscar, sadiamente, algo não comportado do ponto de vista lúdico ou métrico. E descobri inteligência no improvável do momento de cada atração, de cada entrevista.


Em ambos pude sentir um pouco da vibrante e coletiva catarse propositalmente provocada pelos animadores de auditório. Não importava se quem punha pilha na galera andava com fone de ouvido e papeis nas mãos ou estava à frente das câmeras, comandando a massa com sua originalidade, talento, gags, improvisação. Cada um com sua verve, Fausto e Jô sobravam nesses quesitos e ocasiões, e testemunhar pessoalmente isso foi também libertador.

Tenho que confessar, inadvertidamente, que foi uma delícia estar cara a cara com um Fausto Silva imprevisível e maestro engraçado de um carnaval de variedades idem, confinado em um palco de um teatro grande e sem glamour, mas livre em termos de roteiro, de cabos cruzados e câmeras e seus operadores em pleno baile. Sem diferença alguma em matéria de prazer, ficar na pequena arquibancada de madeira em um estúdio quase de arena e saborear uma mente de plasticidade ímpar e pulsante como a do Jô, numa empreitada de entrevistas e musicais pocket, também me fizeram um tantinho maior.

Os textos aqui publicados não refletem necessariamente a opinião do Grupo Record.

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