Uma nova e reciclável leveza do ser quando criança
É bom saber que nem tudo está perdido quando se vira adulto e que muitas crianças ‘5G’ também querem terra e água para se sujarem
Eduardo Olimpio|Do R7

Quem é pai e mãe de criança, ou mesmo um tutor, tem grande chance de estar acompanhando, neste exato momento, um piá com os olhinhos e orelhinhas pregados num tablet, celular, computador ou monitor de TV, sendo bombardeado por cores e sons vindos do Youtube ou de um game qualquer que, ao arrancar pedaços da cabeça do vilão com um tiro de grosso calibre, imita a realidade sem, contudo, substituí-la.
Esses adultos também podem estar, com seus pequenos, na outra ponta da gangorra do divertimento que encanta e seduz as almas infantis. Para alívio de uma imensa maioria dos crescidinhos, os menorzinhos ainda curtem muito, com raras exceções, as atividades motoras, lúdicas e melequentas.
Parcela destes pequenos seres ama andar de skate, fazer embaixada ou gol com qualquer coisa minimamente arredondada, brincar de esconde-esconde, escorregar na grama ou no próprio escorregador, pular na piscina e gritar, andar de bicicleta e jogar qualquer jogo coletivo ou de forma individual mesmo, como brincar num tanque da areia com baldinho de água e fazer misturinhas com folhas, galhos, terra e formigas. Estão validados atos como fazer bolha de sabão, rolar pneu na rua onde a rua ainda é espaço saudável e sagrado do viver, empinar pipas e andar se equilibrando em cima dos muros da vizinhança.
Assim, a vida transcorre hoje com traços do passado sem que possamos, contudo, equipará-la com a que existia na nossa infância puramente ‘5G’ analógica com o barro dos campinhos nos terrenos baldios nos cravos dos kichutes ou papinhas açucaradas de bonecas...ou coisa que o valha!
Fora as brincadeiras já citadas, outras engrossavam a agenda esticada pela natureza em horas a fio sem muita preocupação. Ou seja, o máximo de contato eletrônico que avivava nossas existências estava reservado para curtos momentos em frente aos televisores de tubo, coloridos ou P & B, com seletor mecânico de canais que, com o avanço tecnológico viraram teclas que foram mimetizadas no controle remoto.
Outro equipamento de imersão sensorial que costumava nos tomar a atenção para além da TV - e, a quem podia, da vitrola ou do aparelho de som 3 em 1 - era o álbum de figurinhas. Do mundo animal a temas de desenhos animados, passando pela copa do Brasil entre outros, bater figurinhas (ou jogar bafo) pra arrebatar as que não tinham vindo nos envelopes era o tipo de download que se fazia semanalmente da banca de jornal para nossos bolsos. No espaço público da rua ou da praça, essa brincadeira fez mais a cabeça da criançada, meninos e meninas, do que qualquer aplicativo baixado no cotidiano enraizado da molecada desde o útero.
Sobrevivente que nos consideramos, já que nem do capacete para pedalar ou cinto de segurança sabíamos da existência ou dos perigos do Bisfenol A (ou BPA) nos plásticos em geral, do mercúrio nos termômetros e dos buracos na camada de ozônio da atmosfera, excitava-nos a ideia de completar o álbum de figurinha, bem como preencher com X os quadradinhos que, lá pela contracapa, indicavam nosso grau de sucesso ou de fracasso durante essa empreitada que corroía nossas unhas, nosso tempo e o capital dos pais.
Hoje vendo meu filho transitando da infância para a pré-adolescência empolgadíssimo com o álbum da copa do mundo do Catar sem, contudo, largar o 5G digital, olho a mim há mais de 4 décadas e meia e me encanto, não com o álbum em si, mas com o ciclo.
O mais curioso, no entanto, é ver outros adultos mergulhando na velha meninice para colecionar, sentar em frente a outro semelhante e bater bafo, ou simplesmente trocar figurinhas nas praças...dos shoppings. Não falo do pior, que seria dispender alguns mil reais por um ‘raro’ retrato do Neymar!
Se tudo nesta geração está perdido, nem tudo está, de fato, perdido.











