Baixa altitude do avião que levava cantora intriga especialista
Investigadores do CENIPA buscam fatores que contribuíram para que o King Air atingisse cabo da torre de transmissão.
Luiz Fara Monteiro|Do R7
Desde as primeiras horas após o acidente que vitimou a cantora sertaneja Marília Mendonça e mais 4 pessoas durante a aproximação para a pista de Caratinga, especialistas em aviação já desconfiavam que o King Air C90A, de matrícula PAPA-TANGO-OSCAR-NOVEMBER-JULIET, estava em baixa altitude.
A confirmação da suspeita veio ainda no final da tarde de sexta-feira (5), quando a Companhia de Energia de Minas Gerais, informou que a aeronave havia atingido um cabo de uma torre de distribuição da empresa. A nota da CEMIG não deixou dúvidas: o avião estava ao menos 100 metros (300 pés) abaixo do ideal.
O maior desafio dos investigadores do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (CENIPA) será entender o que levou o piloto a estar naquele nível de voo.
Um especialista em aviação com longa experiência na cabine de aviões pequenos e em jatos de grandes companhias comerciais - que preferiu não se identificar – ressalta que a tripulação do King Air era experiente e dedicada. E destaca que apenas o relatório final poderá dar respostas.
Baixa Boletins meteorológicos mostraram que as condições em Caratinga eram favoráveis e que a cidade estava encoberta com algumas nuvens, sem muita densidade.
“O chamado ‘tempo bom’ é muito relativo. As vezes você tem nuvens esparsas, mas que em determinada condição, você perde a visibilidade do que está em baixo”, disse a fonte ouvida pelo blog.
A pista de Caratinga, que tem o código aeroportuário SNCT, é localizada no meio de um vale com morros em todas as direções ao redor. A fonte ouvida pelo blog diz que uma das possibilidades é que o piloto do King Air pode ter optado por passar mais baixo que a camada de nuvem e seguir por dentro do vale.
“Se os cumulus (nuvens) estiverem um pouco mais baixos, a visão oblíqua - que é aquela visão inclinada que você pode ter, ela pode ficar prejudicada.”
A afirmação serve com uma das possíveis explicações para o fato do piloto não ter enxergado o cabo de transmissão da CEMIG.
O terminal da cidade mineira não opera por instrumentos, o que traz menos segurança à operação.
“Se você está em um aeroporto que opera por instrumentos, você segue a carta (de voo). Mas se o aeroporto opera apenas visual, aí você vai seguir os seus instintos. Se existe um perigo que você desconheça, como uma linha de transmissão sem sinalização, aí você vai contar com a sorte”
As cartas de voo são a representação de uma porção de terra, seus relevos e construções, projetadas para atender as exigências de navegação aérea.
Não é possível afirmar se a tripulação do avião que levava Marília Mendonça sabia da existência dos cabos de energia.
“Ele estava operando visual, é preciso analisar vários cenários como, por exemplo, a posição do sol. É possível que o sol tenha prejudicado a visualização dos cabos”, disse o aviador ao blog.
“E essas linhas de transmissão não tinham nenhuma sinalização, como aquelas bolas laranjas fixadas nos cabos”.
Por se localizar fora da área de proteção do aeroporto, a CEMIG alegou que a sinalização não seria obrigatória. Como o relatório final do CENIPA apontará os fatores contribuintes para o acidente, é provável que o órgão aeronáutico recomende a sinalização de torres de transmissão localizadas nas rotas de aproximação de aeroportos menores.
Segundo o Departamento de Controle do Espaço Aéreo (DECEA), a localização dos cabos não fizeram parte da análise de acordo com os critérios da Organização de Aviação Civil Internacional (OACI), com sede em Montreal, no Canadá.
.O DECEA esclarece que os avisos sobre obstáculos são de conhecimento obrigatório aos pilotos. O boletim ROTAER para Caratinga, publicado neste blog na sexta-feira (5) ressalta um “obstáculo não iluminado (morro), violando o Plano Básico de Zona de Proteção do AD (aeródromo).
Outro informe, o INFOTEMP, divulgado em 13 de setembro cita “obstáculo montado (TORRE) NEG LIGTD (não iluminada) violando o Plano Básico de Zona de Proteção.
E mais um INFOTEMP alerta uma observação apontando “obstáculo (ANTENA) violando o mesmo plano básico.
O INFOTEMP é um relatório com informações temporárias de aeródromos e helipontos atualizadas em tempo real e voltados especialmente para pilotos
O especialista ouvido pelo blog acredita que o turboélice “entrou numa loga final para não perder a aproximação”.
Ou seja, a tripulação pode ter aumentado o trajeto para se alinhar com maior distância da pista e evitar uma arremetida.
“É uma pista com (apenas) 23 metros de largura. Quanto mais estreita a pista, maior nossa impressão de estar alto em relação a ela. Quando mais larga, você tem a impressão de estar mais baixo. Pode ser que este fator também tenha influenciado (na tomada de decisão do piloto).
Sobre a queda do King Air, a fonte ouvida pelo blog explica que o choque com o cabo da torre de transmissão funcionou como freio.
“Ele estava com uma velocidade baixa (para o pouso) e aquela linha atuou exatamente como aqueles cabos usados nos porta-aviões para fazer a parada da aeronave, só que ele não estava num porta-avião, estava no ar. Então aquilo bateu, freou a aeronave, que perdeu a sustentação e caiu como um tijolo”.
As imagens reveladas do acidente indicam ao especialista que os motores podem ter tido o primeiro contato com o solo no momento da queda.
“E esse choque no sentido vertical foi tão violento que o motor pulou do berço (ponto onde tecnicamente o motor fica afixado ao avião, na parte de asa). O fato de os motores terem sido encontrados próximos ao avião pode significar que eles foram arrancados somente após o impacto com o solo”
Esta tese serve ainda para embasar a opinião de outros profissionais do setor de que o acidente tenha sido causado pelo choque com o cabo, descartando praticamente a possibilidade de um problema mecânico.
O avião pertence a PEC Taxi Aéreo, de Goiânia e, segundo a ANAC, a situação do aparelho era regular.
O Tenente-coronel Oziel Silveira, do CENIPA afirmou que o King Air envolvido no acidente não possui gravadores de dados nem gravadores de voz. Esses equipamentos opcionais para este tipo de aeronave são popularmente chamados de caixa-preta.
“Essa aeronave não requer caixa-preta e não tinha o equipamento”, informou o militar.
Não há prazo para a emissão de relatórios parciais ou final.
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