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Luiz Fara Monteiro
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Especialista em fadiga de voo cobra agilidade da ANAC para proteção de tripulantes

Em artigo exclusivo para o blog, Paulo Licati diz que Agência Nacional de Aviação Civil precisa ser mais assertiva em ações para mitigar vulnerabilidades dos fatores humanos no setor

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Fadiga na Aviação: especialista cobra agilidade para mitigação do problema William Alves

Fadiga Humana na aviação o que está em jogo? (por Paulo Licati)

A preocupação em reduzir o número de acidentes no setor da aviação sempre esteve em constante aprimoramento, por isso se tornou um dos meios de transporte mais seguros do mundo. Através de pesquisas, desenvolvimentos, processos e regulamentos podemos notar que as aeronaves estão cada vez mais em patamares de alta confiabilidade.

E quando falamos sobre fatores humanos na aviação, será que temos o mesmo desempenho?

O fator humano representa uma grande parcela das causas nas ocorrências aeronáuticas. As estimativas dos acidentes que envolvem o erro humano estão entre 70% e 80% dos eventos, como mostra uma publicação de Shappell Wiegmann, de 2003. Mais especificamente, a fadiga da tripulação contribui para cerca de 15 a 20% dos acidentes.

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Embora fadiga humana na aviação seja uma preocupação da Organização de Aviação Civil Internacional (OACI) desde 1949, o tema só ganhou destaque a partir de 2002, quando foi criado um grupo de trabalho para desenvolver recomendações e padrões com o objetivo de mitigar este tipo de risco para as operações aéreas.

Em 2011 a OACI anunciou em sua sede, na cidade de Montreal, no Canadá, o resultado desse trabalho que se transformou no documento 9966, onde explica como um país e operadores aéreos podem cumprir estes requisitos. O documento pode ser consultado no link abaixo:

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https://www.icao.int/safety/fatiguemanagement/FRMS%20Tools/Doc%209966.FRMS.2016%20Edition.en.pdf

No Brasil, as discussões para estabelecer uma nova legislação se iniciou em 2011 através de um projeto de lei do Senado Federal que propunha aumento de jornada, um mês antes do anúncio da OACI. A Associação Brasileira de Pilotos de Aviação Civil (ABRAPAC) tomou a frente dessas discussões junto aos parlamentares, pois era a única instituição que tinha pessoal qualificado para debater o tema.

Na mesma época, por provocação do Senado, a ABRAPAC iniciou uma pesquisa sobre fadiga de pilotos no Brasil. Esse estudo buscou entender como a fadiga se desenvolvia nas jornadas dos aeronautas e quais eram os sintomas fisiológicos e cognitivos ocasionados aos tripulantes. Os resultados desse trabalho colaboraram para a criação da nova legislação.

No link abaixo está disponível o resultado da pesquisa sobre fadiga de pilotos:

http://conexaosipaer.com.br/index.php/sipaer/article/view/299/0

Em meio às intensas discussões no Senado Federal e Câmara dos Deputados surgiu uma nova diretoria para o Sindicato Nacional dos Aeronautas, o que fez somar forças com o que já havia sido iniciado pela ABRAPAC. A iniciativa motivou milhares de aeronautas, que marcaram presença nas salas temáticas e Comissões do Congresso Nacional.

Em 2017, a nova Lei do Aeronauta foi aprovada nas casas legislativas e promulgada pelo Presidente da República. A grande inovação foi que a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) seria a responsável por estabelecer os limites das jornadas de trabalho e tempo de voo dos aeronautas, seguindo estritamente as recomendações e padrões da OACI que constam no anexo 6, parte I e II e o DOC 9966.

Comandante Paulo Licati Arquivo pessoal

A obrigação para a ANAC seguir as recomendações e padrões da OACI foi proposital, o objetivo era o de evitar que desvios FOSSEM feitos.

Dentro do contexto da OACI, o órgão regulador - no caso, a ANAC - deveria desenvolver uma base cientifica robusta e conhecer a experiência operacional de cada setor, como aviação comercial, táxis aéreos, aero médicos, instrução, agrícola, etc, antes de estabelecer os limites máximos das jornadas/horas de voo e tempo mínimo dos descansos.

Esta obrigação prevista em lei, se tivesse sido realizada da forma correta, poderia colocar um ponto final nas reclamações por parte das empresas e aeronautas. Afinal, teríamos um embasamento científico que traria harmonia com as regras internacionais, trazendo competitividade para as empresas brasileiras e aumentando o nível da segurança de nossos voos.

Mas não foi isto que aconteceu. A ANAC resolveu copiar limitações de outros países, o que não é recomendado pela OACI por diversos motivos. E consequentemente não atende a Lei do aeronauta. O regulamento apresentado tem uma boa estrutura, mas o recheio não é nosso.

Embora a ABRAPAC junto com outras associações tenham alertado o órgão competente através de várias reuniões, antes da entrada em vigor do RBAC 117, estes alertas não surtiram efeitos. E assim permanecem até hoje.

A ABRAPAC questionou o Sindicato Nacional dos Aeronautas através de ofício, perguntando o porquê de não se manifestarem contra o feito. A consulta segue sem respostas até hoje, questionamento semelhante foi feito para a ANAC, também sem respostas.

Recentemente, o diretor da agência, Tiago Sousa Pereira, justificou a revisão do RBAC 117 propondo a cópia do regulamento dos aeronautas dos Estados Unidos da América para os aeronautas brasileiros. Cita também um e Relatório de Avaliação Concorrencial da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) que é formada por países membros e se dedicam a promover o desenvolvimento econômico e o bem-estar social. Quando nos dirigimos ao relatório, observa-se que o argumento do diretor da ANAC só trouxe a metade das recomendações da OCDE, a outra parte não foi citada no documento.

Abaixo, a recomendação na íntegra:

“A OCDE recomenda que as autoridades brasileiras considerem a revisão das limitações de tempo de voo e jornada de trabalho, levando em consideração os regulamentos estabelecidos em outras jurisdições, mas também os princípios e conhecimentos científicos relevantes, experiência anterior, questões culturais e a natureza das operações, de acordo com as recomendações da OACI (Organização da Aviação Civil Internacional, 2011, p. 3[125]).”

Fonte: https://www.oecd-ilibrary.org/sites/283dc7c1-pt/1/3/2/index.html?itemId=/content/publication/283dc7c1-pt&_csp_=d7a9bff9d004188b80a7959c47ad4d9a&itemIGO=oecd&itemContentType=book#section-d1e12543

O texto da OCDE é claro e recomenda que o Brasil harmonize suas regras internacionalmente, para isso a ANAC deve atender a lei do aeronauta que contempla as recomendações da OACI conforme recomendado pela OCDE e não de outra forma.

O processo 00058.026483/2023-10 que trata a revisão do RBAC 117 pode ser consultado no site da ANAC através do link abaixo:

https://sei.anac.gov.br/sei/modulos/pesquisa/md_pesq_processo_pesquisar.php?acao_externa=protocolo_pesquisar&acao_origem_externa=protocolo_pesquisar&id_orgao_acesso_externo=0

Convoco os interessados a participarem da consulta pública proposta pela ANAC e a cobrarem uma posição do seu sindicato e até contatar o seu parlamentar para mais discussões sobre o tema.

Bons voos!

PAULO LICATI é piloto de linha aérea, comandante e instrutor de Boeing 737, Bacharel em Aviação Civil, Especialista em Segurança de Aviação e Aeronavegabilidade Continuada (ITA), MBA em Logística e Supply Chain (FGV) e Agente de Segurança de Voo (CENIPA). Tem Curso de Investigação do Fator Fadiga Humana (NTSB), Idealizador da Comissão Nacional de Fadiga Humana (CNFH - CNPAA -CENIPA) e foi Convidado pelo Senado Federal e Câmera dos Deputados para ajudar na reformulação da nova Lei do Aeronauta.

(Referências: WIEGMANN, D. A.; SHAPPELL, S. A. A human error approach to aviation accident analysis: The Human Factors Analysis and Classification System. Burlington, VT: Ashgate, 2003. Akerstedt, T. (2000). Consensus statement: fatigue and accidents in transport operations. Journal of Sleep Research)



Os textos aqui publicados não refletem necessariamente a opinião do Grupo Record.

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