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Crédito rural digital cresce e aproxima o produtor de decisões mais inteligentes

Inteligência artificial e análise de dados começam a transformar a forma como o produtor planeja e financia sua safra

Mundo Agro|Fabi GennariniOpens in new window

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LEIA AQUI O RESUMO DA NOTÍCIA

  • O crédito rural digital está se consolidando no Brasil, permitindo processos mais rápidos e eficientes para os produtores.
  • A digitalização melhora a relação do produtor com o crédito, que agora é visto como uma ferramenta estratégica, não apenas de aumento de produção.
  • Os principais desafios para a adoção do crédito digital incluem confiança, maturidade tecnológica e integração entre sistemas.
  • A inteligência artificial promete oferecer suporte personalizado ao produtor, aprimorando a tomada de decisões financeiras e operacionais no campo.

Produzido pela Ri7a - a Inteligência Artificial do R7

Tecnologia e confiança impulsionam o crescimento do crédito rural digital Foto cedida: E-agro Bradesco

O crédito rural digital deixou de ser tendência e passou a ser realidade no campo brasileiro. A jornada que antes exigia papelada, deslocamentos e longos prazos agora se transforma em processos rápidos, conectados e cada vez mais inteligentes.

Nesse novo ambiente, o produtor assume um papel mais analítico, comparando taxas, planejando com antecedência e usando plataformas digitais como aliadas de gestão.


Em entrevista ao Mundo Agro, Nadege Saad, head do E-agro Bradesco, explicou como a digitalização está redefinindo o acesso ao crédito, reduzindo burocracias e ampliando a eficiência financeira no agro.

Nadege Saad, Head do E-agro Bradesco Foto cedida: Wanezza Soares

Mundo Agro: Como você enxerga a evolução do comportamento dos produtores rurais na tomada de crédito nos últimos anos?


Nadege Saad: Estamos atravessando um momento de desalavancagem importante no agro brasileiro — um ciclo natural, mas desafiador, que expõe os excessos de endividamento de anos anteriores e pressiona margens, especialmente em culturas de maior custo operacional.

Esse contexto, embora duro, está promovendo algo positivo: um amadurecimento real na relação do produtor com o crédito. Nos últimos anos, o comportamento financeiro do produtor evoluiu muito.


Se antes o crédito era visto como mera alavanca de produção, hoje ele é tratado como instrumento estratégico de gestão e sustentabilidade financeira. O produtor passou a entender que a saúde do caixa é tão vital quanto a produtividade da lavoura.

No E-agro, nós observamos um movimento claro: produtores buscando planejar o crédito com antecedência, comparar taxas e cenários, integrar gestão financeira e produtiva em plataformas digitais, e, principalmente, aprender com o ciclo atual de desalavancagem.


O setor está migrando de um modelo de crescimento baseado em volume para um modelo de eficiência, transparência e controle de risco. Essa virada exige novos instrumentos — desde plataformas digitais que simplificam a jornada de crédito até mecanismos de inteligência de dados que antecipam riscos.

É um período de ajustes, sem dúvida, mas também de construção. O produtor que atravessar essa fase entendendo seus números, digitalizando sua gestão e se conectando a novas fontes de financiamento vai sair mais forte, mais analítico e mais preparado para o novo ciclo de crescimento.

Mundo Agro: O que ainda impede a adoção em massa do crédito rural digital?

Nadege Saad: A adoção em massa do crédito rural digital passa hoje por três dimensões principais: confiança, maturidade digital e integração. O produtor rural brasileiro já está acostumado com marcas, bancos e cooperativas com as quais tem histórico e relacionamento.

Por isso, além da experiência digital fluida, ele quer certeza de que o crédito vai se concretizar. Não basta uma jornada digital bonita — é preciso atendimento, interlocução e respaldo humano.

O produtor quer saber que, se surgir uma dúvida ou um problema, haverá alguém do outro lado para conversar. Isso mostra que o desafio não é apenas tecnológico, mas também de maturidade digital, tanto das plataformas, que ainda evoluem suas jornadas e fluxos, quanto dos próprios produtores, que estão se acostumando a navegar em ambientes financeiros mais digitalizados.

Ainda assim, o digital tem sido um grande desburocratizador. Processos que antes levavam semanas agora se resolvem em minutos — e há um aprendizado coletivo: basta o produtor fazer uma jornada digital uma vez para entender o valor da agilidade, perder o receio e se engajar novamente.

Do outro lado, as plataformas também aprendem com cada ciclo, aprimorando usabilidade, linguagem e suporte. Cria-se um ciclo virtuoso de aprendizado mútuo, onde produtor e plataforma evoluem juntos.

Outro ponto relevante é a ampliação das linhas disponíveis no ambiente digital. Hoje, já é possível acessar CPRs eletrônicas, produtos de PRONAF e PRONAMP, além de operações com garantias vinculadas a máquinas e equipamentos.

Entretanto, a estrutura de garantias ainda precisa se expandir e se tornar mais sofisticada — de modo que as operações mais hiperpersonalizadas, hoje restritas a modelos presenciais ou híbridos, possam também existir no digital, com a mesma segurança jurídica e flexibilidade.

No caso do E-agro, essa maturidade já se reflete em alta recorrência: cerca de 65% dos produtores que tomaram crédito pela plataforma voltaram a operar novamente, o que demonstra confiança crescente e eficácia das jornadas digitais — em um período curto, de apenas dois anos e meio de operação.

Portanto, o futuro do crédito rural digital não depende apenas de novas tecnologias, mas de maturidade institucional, diversidade de produtos e confiança relacional. É nessa combinação de capilaridade, simplicidade, credibilidade e escuta ativa que o digital vai atingir todo o potencial transformador no campo.

Mundo Agro: Como a IA generativa pode ser aplicada de forma prática no dia a dia de quem está no campo?

Nadege Saad: A IA generativa será uma assistente técnica e financeira personalizada para cada produtor. Na prática, isso significa usar modelos treinados com dados de safra, clima e crédito para apoiar decisões diárias — desde o melhor momento para comprar insumos até o risco de endividamento em cada cenário.

Ela pode gerar relatórios preditivos, simular margens de lucro sob diferentes condições climáticas, criar recomendações personalizadas e até traduzir informações complexas em linguagem simples.

Imagine um produtor que pergunta à inteligência: “Posso financiar esse pivô agora?” — e recebe uma resposta contextualizada, baseada em seu histórico, no Plano Safra vigente e nas previsões de mercado.

Eu acredito que em breve estaremos em um momento em que a IA generativa alimentará também os motores de busca. Ou seja, qualquer produtor que use ferramentas como ChatGPT ou outros assistentes conversacionais poderá simplesmente dizer o que quer comprar — por exemplo: “quero uma plantadeira de 12 linhas” — e a inteligência retornará comparativos de preço entre diversos canais, as linhas de crédito mais adequadas e até um planejamento financeiro personalizado.

Estamos caminhando para esse mundo em que o produtor terá recomendações hiperpersonalizadas, aliando dados de georreferenciamento, produtividade e perfil financeiro, e integrando tudo isso a produtos e linhas de crédito em qualquer motor de busca que ele use.

Ou seja, qualquer sistema de busca ou assistente conversacional será capaz de integrar dados de diferentes fontes, cruzar informações e entregar soluções completas — de compra a financiamento — em um único fluxo inteligente.

Trata-se de uma sofisticação que não deve demorar a acontecer, dada a velocidade com que a IA se disseminou e vem sendo usada pelo próprio produtor rural.

O grande desafio, no entanto, está nos dados. Cada empresa, distribuidor ou pool de informações tem seu próprio modelo, e isso exige interoperabilidade entre plataformas — para que os ecossistemas se conectem, compartilhem dados com segurança e gerem valor para todos os elos da cadeia.

Em resumo, a IA generativa não é um futuro distante para o agro — ela é o próximo salto de eficiência e inteligência no campo, e o caminho para transformar dados em decisões, decisões em produtividade e produtividade em renda.

Mundo Agro: Quais riscos e cuidados devemos ter ao aplicar IA em processos decisórios financeiros no setor rural?

Nadege Saad: Eu acredito que o maior risco é achar que a inteligência artificial vai decidir sozinha. No agro — e principalmente no crédito rural — cada decisão depende de solo, clima, preço, crédito e, sobretudo, de pessoas. Por isso, eu gosto muito do conceito de co-inteligência, que é quando humanos e máquinas aprendem juntos.

A IA não vem para substituir, mas para ampliar a nossa capacidade de enxergar e decidir melhor. A gente treina os algoritmos, ajusta as redes neurais e, aos poucos, ela passa a combinar grandes volumes de dados — históricos de safra, indicadores financeiros, comportamento climático e de mercado — para gerar recomendações mais completas. Mas é o julgamento humano que continua sendo essencial. Cabe a nós interpretar, contextualizar e decidir o que faz sentido dentro da realidade do produtor.

Outro ponto importante é que não basta usar IA, é preciso saber operá-la. Entender como ela foi treinada, quais variáveis ela considera e onde estão seus limites técnicos e éticos.

Eu acredito que a boa IA é aquela que é explicável, auditável e transparente, e que devolve ao gestor a capacidade de tomar decisões com mais segurança — e não de forma automática. E tem também a questão dos dados.

Cada empresa, distribuidor ou cooperativa tem sua base própria, e isso cria desafios de interoperabilidade. Para que a IA funcione bem no agro, a gente precisa de dados conectados, seguros e representativos da diversidade do campo brasileiro. Sem isso, o risco de vieses e distorções aumenta.

No fim das contas, eu vejo a IA como uma aliada. O futuro do crédito e da gestão financeira rural passa por essa co-inteligência entre pessoas e tecnologia — uma parceria em que a máquina ajuda a ampliar a visão, mas é a sensibilidade humana que continua orientando o caminho.

Mundo Agro: Como o produtor pode se preparar melhor para aproveitar o Plano Safra e outras linhas de crédito?

Nadege Saad: Eu acredito que o ponto de partida é sempre o planejamento. O produtor que se antecipa — organizando documentos, revisando o histórico produtivo, mantendo o Cadastro Ambiental Rural (CAR) e as garantias atualizadas — tem acesso mais rápido, negocia melhor as taxas e consegue aproveitar as melhores oportunidades do Plano Safra e de outras linhas.

O crédito rural, na prática, é um relacionamento de longo prazo entre o produtor e o ecossistema financeiro. E esse relacionamento se fortalece quando o produtor entende que cada decisão de financiamento está ligada à estratégia da propriedade: ciclo de plantio, margens esperadas, diversificação de culturas e gestão de risco.

Nos últimos anos, têm surgido também linhas de crédito com foco em sustentabilidade e práticas ESG, que vêm crescendo muito dentro do agro. Essas linhas — como as de agricultura de baixo carbono (ABC+), crédito para energia solar, bioinsumos, integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF) ou financiamentos atrelados à agricultura regenerativa — mostram como o mercado está valorizando produtores comprometidos com preservação e eficiência ambiental.

Mas, para acessá-las, o produtor precisa comprovar práticas sustentáveis. Isso inclui ter o Cadastro Ambiental Rural regularizado, não operar em áreas embargadas, manter certificações ambientais, seguir o Zoneamento Agrícola de Risco Climático (ZARC) e, muitas vezes, apresentar planos de manejo que demonstrem redução de emissões ou recuperação de áreas degradadas.

São critérios importantes, mas que ainda exigem muito preparo técnico e documental, o que acaba limitando parte dos produtores — especialmente os de médio porte — de acessar esse tipo de crédito.

Eu vejo que esse é um ponto onde a digitalização pode ajudar muito. As plataformas conseguem rastrear e monitorar práticas agrícolas via satélite, integrar dados de sustentabilidade e simplificar o envio de informações ambientais.

Isso não só facilita o acesso às linhas ESG, como também cria um histórico positivo que valoriza o produtor ao longo do tempo. Além das linhas tradicionais de custeio e investimento — como CPRs digitais, PRONAF e PRONAMP — o agro começa a conviver com novas frentes de crédito voltadas à transição verde, à energia limpa e até à tokenização de ativos ambientais, que vão ampliar as possibilidades de financiamento para quem investe em práticas sustentáveis.

O produtor que entende esse novo cenário e se prepara para navegar por ele sai à frente. Porque, mais do que buscar crédito, ele passa a gerenciar o acesso ao capital de forma inteligente e sustentável, diversificando fontes e se posicionando melhor para o futuro.

No fim das contas, aproveitar o Plano Safra e as demais linhas de crédito — inclusive as ESG — é sobre antecipar, planejar e se conectar. O futuro do financiamento rural será cada vez mais digital, transparente e verde. E quem estiver pronto para operar nesse ecossistema vai colher não só resultados financeiros, mas também reconhecimento por produzir com responsabilidade e propósito.

Mundo Agro: Qual é o papel das fintechs nessa transformação do crédito rural?

Nadege Saad: O simples fato de você ter estruturas especializadas pensando 24 horas em desburocratização e em como tornar o crédito mais simples e acessível já representa um enorme avanço em relação às estruturas mais robustas das instituições tradicionais.

A solidez dos bancos e cooperativas, aliada a esse pensamento de simplificação e experimentação tecnológica que as fintechs trazem, está criando uma força inédita no sistema financeiro.

Hoje, eu vejo um ponto de inflexão claro: um não vive sem o outro. O futuro do crédito rural depende justamente dessa combinação — a robustez das instituições tradicionais e a agilidade das novas.

As fintechs têm um papel decisivo nessa transformação porque estão redefinindo a forma como o crédito é desenhado, avaliado e distribuído no campo. Elas trazem uma mentalidade de agilidade, desburocratização e foco total na experiência do produtor, que muda completamente a lógica de funcionamento do sistema financeiro do agro.

O que eu vejo de mais relevante é a forma como essas empresas repensam o produto financeiro desde a origem — da jornada digital até a estrutura de garantias. Elas estão simplificando fluxos, testando novas formas de contratação e criando modelos mais intuitivos e transparentes, sem abrir mão da segurança.

As fintechs têm a capacidade de reunir dados de diferentes fontes — produtivos, climáticos, financeiros e de comportamento — para desenvolver modelos mais inteligentes de análise e concessão de crédito.

Essa integração tecnológica permite monitorar risco em tempo real, conectando dados de mercado, clima e pagamento, e antecipando possíveis problemas antes que se tornem inadimplência.

É uma forma de gestão de risco dinâmica, preventiva e muito mais conectada à realidade do produtor. Mas o diferencial não está só na tecnologia. Está também na agilidade de desenvolvimento e na governança mais simples e leve que permite inovar com velocidade e segurança.

Essas empresas conseguem testar, corrigir e escalar soluções rapidamente, sem perder o foco em compliance, rastreabilidade e transparência de dados — que continuam sendo pilares de confiança no sistema financeiro.

No fim, eu vejo as fintechs como aceleradoras do novo ciclo de crédito rural. Elas estão ajudando a construir um sistema mais aberto, interoperável e orientado por dados, onde a inteligência e a responsabilidade caminham juntas — e onde a combinação entre agilidade digital e solidez institucional cria um ecossistema financeiro muito mais forte, inclusivo e resiliente.

Mundo Agro: Como você vê o agro brasileiro daqui a 5 anos em termos de digitalização e acesso ao crédito?

Nadege Saad: O agro brasileiro está passando por um ponto de inflexão. Nos próximos cinco anos, veremos a consolidação de um ecossistema verdadeiramente digital, em que os dados do campo passam a dialogar com o sistema financeiro em tempo real.

A digitalização não será apenas uma questão de eficiência — será uma nova linguagem de confiança. Com o avanço de plataformas integradas, o produtor deixará de depender exclusivamente de papelada e intermediações, e passará a acessar crédito a partir do desempenho do próprio negócio. Isso trará velocidade, previsibilidade e inclusão.

O futuro do agro é um futuro conectado, em que o crédito acompanha o ritmo da economia, das safras e da dinamicidade do campo.

Mundo Agro: Se você pudesse mudar uma única coisa no mercado de crédito rural hoje, o que seria?

Nadege Saad: Eu mudaria a fragmentação das informações. Hoje, o crédito rural ainda é construído sobre silos: dados de produção, histórico de pagamento, clima e mercado estão dispersos em sistemas que não se conversam.

Se pudéssemos integrar essas pontas em um fluxo único — confiável, digital e transparente —, o risco diminuiria e o acesso aumentaria exponencialmente. Mas essa mudança precisa vir acompanhada de algo fundamental: educação financeira e de gestão.

Quanto mais o produtor compreender o impacto das suas decisões de custo, governança e investimento, mais sustentável se torna o crédito e mais saudável o ecossistema como um todo.

Não se trata apenas de oferecer recursos, mas de fortalecer a capacidade de gestão de quem produz. Essa combinação — integração de dados e maturidade financeira — é o que pode de fato transformar o agro e a forma como se concede crédito.

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